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O que acontece com quem comete atos de racismo em estádios de futebol?

Do UOL, em São Paulo

20/11/2015 06h00

Dia 15 de julho deste ano. Internacional e Tigres se enfrentam no Beira-Rio, pela semifinal da Taça Libertadores da América, em Porto Alegre. Enquanto, no gramado, a equipe colorada vence o time mexicano por 2 a 1, em uma área próxima aos camarotes do estádio, um torcedor embriagado discute com duas funcionárias do Inter que trabalham no local. Em dado momento, ele diz: "Suas negrinhas! Vocês não deveriam estar aqui! Não poderiam respirar o ar que eu respiro, estão em outro patamar".

O caso foi parar na sala do Juizado Especial do Torcedor no próprio estádio do Beira Rio e, nesta semana, chegou à mesa do promotor Marcio Bressani. O Ministério Público do Rio Grande do Sul, agora, vai analisar as circunstâncias, ouvir as testemunhas e conversar com as funcionárias ofendidas. Se essas ainda quiserem prestar queixa e o promotor verificar que há elementos suficientes de prova para ir em frente com uma ação penal por injúria racial, aí terá início o processo penal. 

Daí a efetivamente condenar o ofensor é outro passo, que pode levar anos. Na verdade, até hoje, ninguém no Brasil foi condenado a prisão e efetivamente foi para a cadeia em virtude de uma condenação por injúria racial. 

O promotor Marcio Bressani explica que a legislação processual penal prevê que crimes de menor potencial de lesividade, como os crimes contra a honra (calúnia, injúria, difamação e injúria racial), podem ter suas penas de restrição de liberdade (prisão de 1 a 3 anos) substituídas por outras medidas de restrição de direitos que, se acatadas pelo defensor, podem levar à suspensão do processo.

O jurista explica: "Isso não é necessariamente ruim. Será que queremos mandar para o já superlotado sistema carcerário pessoas que eventualmente xingaram outras com injúrias raciais? O importante é que o agressor seja responsabilizado e, de alguma maneira, pague pelo que fez, o que não significa necessariamente ir para a cadeia".

Já o professor Dennis Oliveira, da Escola de Comunicações e Artes da USP e do programa de pós-graduação de Direitos Humanos e de Mudança Social e Participação Política da USP, destaca que a falta de punições mais visíveis a esse tipo de crime por parte do Poder Judiciário aguça o desejo das pessoas de "fazer justiça com as próprias mãos", atacando virtual ou efetivamente os agressores raciais. "A desconfiança das pessoas em relação ao Poder Judiciário, que se mantém distante da maior parte da população, leva a medidas extremas e muitas vezes fora da lei por parte de pessoas que buscam diminuir a sensação de impunidade", diz o professor. 

Na prática, os dois especialistas parecem ter razão. Veja, abaixo, quais foram os desfechos de alguns casos famosos de pessoas que ofenderam racialmente atletas ou torcedores dentro de praças esportivas brasileiras.

As consequências de atos racistas em estádios

  • Reprodução/ESPN

    Patrícia Moreira: incêndio em sua casa e processo suspenso

    A torcedora gremista Patrícia Moreira foi flagrada pelas câmeras de TV xingando o goleiro Aranha, então no Santos, de "macaco", no dia 28 de agosto do ano passado, em Porto Alegre. Ela respondeu a um processo por injúria racial, passou a viver de maneira reclusa nos meses seguintes ao ato racista, foi execrada nas redes sociais e seu advogado disse que ela passou a sofrer de depressão. Um homem ateou fogo na entrada de sua casa. Em novembro do ano passado, ela aceitou o acordo proposto pelo juiz Marco Aurélio Xavier, e seu processo foi suspenso de forma condicional - Patrícia e outros três torcedores captados pelas câmeras xingando Aranha tiveram de se apresentar a uma delegacia de polícia uma hora antes de cada partida oficial do Grêmio, incluindo os jogos fora de casa, por umn período de dez meses.

  • Fernando Donasci/Folhapress

    Desábato: dois dias na cadeia e fiança de R$ 10 mil

    Em abril de 2005, o zagueiro argentino Leandro Desábato, do Quilmes, proferiu ofensas racistas ao atacante Grafite, do São Paulo, no jogo entre as duas equipe no estádio do Morumbi. Após o fim da partida, ele foi preso em flagrante e levado para o 44º DP, onde passou dois dias preso, até que o Quilmes pagou fiança de R$ 10 mil e liberou o atleta. Na delegacia, antes de saber que injúria racial é crime no Brasil, ele admitiu que havia xingado Grafite "de macaco e mandado ele enfiar uma banana no ânus". Depois que teve o auxílio de um advogado, voltou atrás na declaração. O caso, porém, não teve maiores consequências, já que Grafite desistiu de prestar uma queixa-crime contra o argentino, afirmando que o atleta "já havia pago suficientemente pelo que fez". Leia mais

  • Reprodução/TV Globo

    Antônio Carlos: suspensão de 120 dias e "má fama até hoje"

    Em 2006, quando defendia a equipe do Juventude, o zagueiro Antonio Carlos se envolveu em uma discussão em campo com o volante Jeovânio, negro, e apontou a cor do próprio braço ao gritar com o rival. O jogador foi suspenso por 120 dias pela Justiça Desportiva. Já na Justiça comum, nada acoNteceu, já que o o volante ofendido decidiu não prestar queixa. Mas Antonio Carlos acha que recebeu punição suficiente, além de uma "má fama que dura até hoje". Segundo ele, xingamentos de cunho racial são comuns no futebol, e os atletas negros não se sentem ofendidos. "Tem [utilização de termos racistas em campo] e muito. Não é pouco. Mas aí, às vezes, o jogador é influenciado pelo diretor, ou por alguma pessoa que está de fora querendo aparecer. E tem algumas pessoas que batem forte como se não soubessem o que acontece dentro de campo. Aquilo ali que aconteceu, apesar do gesto, foi em um minuto de bobeira, num segundo de descontrole que você acaba tendo dentro de campo. Paguei e pago até hoje porque algumas pessoas acabam falando, mas o importante é estar com a consciência tranquila", diz o ex-jogador. Leia mais

  • Danilo: multa de R$ 350 mil

    O zagueiro Danilo, que atuou pelo Palmeiras e está na Udinese-ITA, foi condenado pela Justiça em três instâncias pela prática do crime de injúria racial contra o zagueiro Manoel, do Atlético-PR. A confusão ocorreu jogo entre Palmeiras e Atlético-PR, pela Copa do Brasil de 2010. Na ocasião, o então defensor alviverde cuspiu em Manoel, que é negro, e o xingou de "macaco". A Justiça condenou Danilo a um ano de reclusão, em regime inicial aberto, e dez dias-multa, com cada dia-multa fixado em quatro salários mínimos. A pena de reclusão, porém, foi substituída por prestação pecuniária (pagamento em dinheiro) equivalente a 500 salários mínimos, que foram entregues a entidade filantrópica. O jogador recorreu da decisão em segunda instância e depois no STJ (Superior Tribunal de Justiça), mas perdeu nas duas oportunidades e acabou por pagar R$ 350 mil. Leia mais