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Brasileira fã de Jiraiya faz fama no muay thai e estrela reality tailandês

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

07/05/2014 06h00

Quem cresceu assistindo a seriados japoneses como Jiraiya, Jaspion, Changeman e tantos outros nas décadas de 80 e 90 já não é mais criança. O tempo passou, mas algumas influências ficaram. Juliana Rosa, que o diga. Hoje aos 26 anos, ela virou lutadora influenciada principalmente por esse tipo de programa, que via quando era só uma garotinha. A paulista mora há dois anos na Tailândia, berço do muay thai, e participará de um reality show em que será uma das técnicas em busca de novos talentos.

“Eu gosto de lutas desde criança. Eu sempre assistia aos clássicos seriados japoneses com o meu irmão, além de filmes de artes marciais e lutas de boxe na TV”, conta Juliana, durante um intervalo da dura rotina de treinos. “Assistia muito Jiraiya e Jaspion e a gente brincava direto de lutinha. Quase sempre saía chorando no final (risos). Lembro também quando o Mike Tyson lutou contra o Evander Hollyfield e mordeu sua orelha. Nós fazíamos o tapete da sala de ringue e brincávamos de Tyson x Hollyfield (risos). Numa dessas foi a primeira vez que meu nariz sangrou ‘lutando’”.

A brincadeira de criança era só o começo. Mais tarde, aos 16 anos, decidiu que queria realmente praticar algum tipo de luta e foi pesquisar vídeos na internet, até ver o de um lutador de muay thai famoso, o holandês Ramon Dekkers. "Decidi fazer o que aquele cara fazia.”

No começo, tudo era um hobby na academia Gibi Thai, em São Paulo. Mas um convite para treinar na equipe de competição mudou sua jornada. Ela estudou Educação Física, chegou a trabalhar com recreação infantil, mas seu destino era outro. Ver os amigos competir a fez querer experimentar a adrenalina de subir no ringue. A primeira luta foi aos 17 anos, mas no kickboxing. 

“Fiquei tão nervosa que lutei com febre alta. Nunca na minha vida tinha sentido uma adrenalina tão forte. Fui vice-campeã e após descer do ringue, tive a certeza que era aquilo que eu queria fazer”, relembra a paulistana, bicampeã paulista, tri brasileira, bi pan-americana e campeã sul-americana. Hoje seu cartel tem 37 vitórias, 12 derrotas e um empate.

Jiraya - Reprodução - Reprodução
O personagem Jiraya marcou época na TV brasileira. Febre da criançada nas décadas de 1980 e 1990, ao lado de Jaspion, Changeman e outros, influenciou até gente como Juliana, que acabou virando lutadora de verdade
Imagem: Reprodução

O Brasil acabou ficando pequeno para Juliana. Por aqui, mulheres têm dificuldade em achar seu espaço, lutam pouco e não conseguem decolar. Assim, jogou tudo para o alto para seguir o maior sonho de qualquer lutador de muay thai: mudar-se para a Tailândia. Lá ela sabia que poderia se manter só treinando e lutando. Sua família ajudou com os gastos com as passagens aéreas: a de volta tinha data, um ano depois da ida. Mas nunca foi usada.

“As oportunidades foram ficando cada vez melhores, e percebi que se voltasse para o Brasil muito cedo eu não conseguiria me manter como atleta como é aqui, onde eu consigo pagar meu aluguel, alimentação e despesas sendo atleta em período integral. Tive oportunidade de lutar um dos maiores eventos daqui, o Max Muay Thai, fiz algumas lutas na TV aberta e no momento estou participando de um reality show sobre muay thai na TV, como técnica”, detalha ela, que tem a companhia do namorado, brasileiro e também lutador, no país.

O reality show será transmitido em uma TV fechada e leva o nome do local de treinos de Juliana, o Muay Thai Plaza. São quatro tailandesas, cada uma liderada por uma treinadora, que disputam um prêmio em dinheiro. Ao mesmo tempo em que forja sua pupila, a paulistana treina para desafios dentro e fora da Tailândia. Em maio, são duas lutas em 15 dias. “Meu sonho nesse esporte eu já realizei, que era conseguir viver 100% disso. Objetivos eu ainda tenho muitos.”

Juliana Rosa e os tigres - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Uma das principais atrações turísticas na Tailândia é visitar tigres. Juliana gostou tanto que foi duas vezes. É possível entrar na jaula, alimentar filhotes e tirar fotos com os bichos já adultos.
Imagem: Arquivo Pessoal

A vida na Tailândia

A começar pela chegada, com as dez horas de diferença no fuso horário, mudar do Brasil para a Tailândia é um desafio pesado, ainda mais para quem vai a trabalho, e não a passeio. Mas o maior choque é cultural. Dos cumprimentos à alimentação, Juliana experimentou aos poucos os costumes e hoje já é praticamente uma local.

“As mulheres ainda são bastante submissas na Tailândia, principalmente no interior, mas raramente isso se aplica a estrangeiras. O que já aconteceu comigo é de em algumas academias não poder treinar em cima do ringue e de alguns treinadores treinarem as mulheres sempre por último. Mas na minha academia não é assim. Hoje o cenário feminino vem crescendo, mas ainda somos proibidas de lutar nos grandes estádios e nem sequer podemos encostar no ringue”, conta ela.

Juliana Rosa - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Juliana posa com uma barata frita, um dos quitutes exóticos comuns em feiras tailandesas. Ela até provou, mas reprovou o inseto como petisco
Imagem: Arquivo Pessoal

Pequenos detalhes acabaram marcando Juliana. Ver pequenas motos levando quatro passageiros. Perceber que na hora dos cumprimentos, os mais velhos são saudados e depois retribuem aos mais novos. A adoração e respeito que o povo tem pelo rei da Tailândia. O ato de tirar os sapatos antes de entrar na casa de alguém. E, claro, a alimentação recheada de pimenta e com direito a bichos exóticos no espeto.

“Alguns tailandeses comem insetos, então as feiras vendem petiscos, como baratas fritas. Tem um gosto meio queimado, e eles jogam um tempero de churrasco em cima. (Experimentei,) mas não quero saber desses bichos mais, não (risos)!”. E tem mais: “Eu não sou muito fã de pimenta, então no começo sofri muito, tudo tem pimenta e quase tudo é muito doce, eles colocam açúcar em quase tudo – frango, peixe - e também colocam sal em alguns sucos. Mas você se adapta. A comida aqui é muito barata, é possível almoçar pagando em torno de R$ 3,00 em um prato de arroz com frango e ovo. O que sinto muita falta do Brasil mesmo é do açaí.”

A polêmica das lutas de crianças no muay thai

Muay thai -  -

"O combate das crianças parece inaceitável na cultura ocidental, porém aqui é o meio de sustento de milhares de famílias. Muay Thai é um trabalho", explica Juliana, sobre o debate grande que se vê pelo fato de crianças de menos de dez anos já subirem no ringue.

"Nunca vi as crianças se machucarem. Um lutador tailandês se aposenta em torno dos 20 e poucos anos, com mais ou menos 200 combates. Para se destacar, ter muita fama e ser campeão dos grandes estádios, é preciso começar desde cedo. No Brasil, as crianças vão desde cedo para escolas de futebol serem preparadas paras os times de competição. Rússia, China e Romênia preparam seus ginastas desde os 3 anos de idade para serem os tops no esporte. Depois de conviver com a cultura oriental, você começa a entender e ver tudo de outra perspectiva."