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Vilão do telecatch troca lutas sangrentas por cantoria gospel e vida pacata

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

02/06/2015 06h00

“Hoje ele vai perder”. Era com esse pensamento que muitos fãs de telecatch iam para os ginásios ou ligavam suas TVs quando Aquiles, o Matador, entrava no ringue. Um dos grandes astros da geração de ouro da luta livre, entre as décadas de 1960 e 1980, Vespaciano de Oliveira, hoje com 77 anos, foi o grande vilão de seu tempo, quando dividiu espaço com nomes como Ted Boy Marino, Fantomas, Michel Serdan e tantos outros. E, para desespero dos "haters", ele quase nunca perdia.

Famoso pelas mordidas, atualmente ele trocou os combates sangrentos por uma vida pacata no interior de São Paulo, embalada pelo seu novo prazer, cantar música gospel. Pode parecer que os assuntos competem: um homem evangélico é orgulhoso de ter feito homens sangrar no ringue? Pois é. Aquiles não renega nada do passado, muito pelo contrário, exalta tudo o que viveu e só desce a um tom triste ao falar de fatalidades que presenciou, que lhe renderam o apelido de Matador. A saudade daqueles tempos é tanta, que ele passa noites grudadas na TV para ver uma modalidade “prima” da sua, o MMA.

“Sempre gostei, até hoje. Inclusive, levo bronca da minha mulher, porque às vezes fico vendo as lutas de MMA tarde da noite. Ela fala: ‘Pelo amor de Deus, você fica vendo isso, esses homens sangrando...’. Sou crente, mas não sou fanático, continuo gostando de lutas”, explica ele, fã do “raçudo” Wanderlei Silva. “Gostaria de ser mais jovem, porque esse é o tipo de luta que eu gosto, violenta.”

Aquiles entrou no mundo das lutas pelo boxe, treinando com Benjamin Ruta, mas rapidamente passou à luta livre, quando conheceu Cangaceiro. Empresariado por Chico Sangiovanni, fez lutas no ginásio do Ibirapuera, até entrar no circuito mais famoso do show, figurando na TV Excelsior, Record, Globo... Inspirado em Gran Caruso, primeiro ele foi Aquiles, o Terrível. Quando um rival morreu no dia seguinte a uma luta, virou “matador”. Primeiro, como um trauma. Depois, como um apelido de sucesso.

“Houve um lutador que faleceu, o Jair Surdo-mudo, um dia depois de lutarmos. Fui no enterro, e a família começou a gritar, me chamaram de assassino... Minha luta sempre teve muito soco na cabeça, e ele tinha problema na cabeça, que ninguém sabia. Foi em Belo Horizonte, lutamos na sexta e no sábado ele morreu. Foi uma tristeza para mim, fiquei desnorteado, quase abandonei a carreira... Aí, o (apresentador) Bolinha colocou o nome de Aquiles, o Matador, e surgiu a lenda”, conta o ex-lutador. Aquiles foi convencido a usar o apelido, deixou-se levar e se acostumou. “Eu cheguei à conclusão que infelizmente são coisas que acontecem. Podia eu também ter morrido”.

A alcunha liderou sua jornada como vilão. Era o lutador que subia ao ringue vaiado e contra quem todos gritavam. E assim foi até o fim da carreira. Não que sua primeira parada tenha durado. No fim dos anos 1990, Aquiles foi convencido a retornar aos ringues aos 60 anos e fez quatro apresentações na Record. Apesar da repercussão, ele acha que os bispos que comandam a emissora consideraram o show muito violento e acabaram rapidamente com as aparições do telecatch.

aquiles - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Aquiles tem 77 anos e ainda faz seus exercícios, dá entrevistas e recebe elogios pelos tempos de telecatch em sua cidade e pela internet
Imagem: Arquivo Pessoal

O Aquiles de 2015 não tem muito daquele que chamava atenção em qualquer lugar que fosse. Morando em Tabatinga, cidade de 15 mil habitantes situada a cerca de 300 km da capital paulista, é famoso por lá, é claro. Mas aproveita para curtir uma vida mais simples, ainda que toda a sua carreira no telecatch esteja registrada em fotos, recortes de jornais e documentos em um quarto de sua casa.

Aposentado, ele já foi da comissão de esportes da cidade e também deu aulas de futebol para crianças. Agora, usa um clube local para fazer caminhadas e natação, vai à sua igreja e também frequenta outras, convidado para cantar. Aquiles gravou um CD, interpretando canções de outros cantores - e os distribui gratuitamente, até para não ter problemas legais, já que não almeja lucro.

“Eu ganhei muito dinheiro. Mas eu sou franco ao falar: ganhei muito, mas eu pensava que era feliz, e não era. Hoje vivo modestamente. Eu tinha Cadillac, carros bonitos, tinha tudo na vida. Era até meio farrista, mas, honestamente, tudo o que ganhei na luta livre eu não aproveitei. Eu ganhei em dobro ao conhecer Jesus”, afirma o ex-lutador, evangélico e frequentador da Assembléia de Deus - Aliança, que se converteu ao mudar para Tabatinga, ver a vida dar uma “caída” e passar a frequentar um culto local. Hoje, ele divide o lar há sete anos com sua segunda mulher e tem uma família grande, com direito a netos e bisnetos.

Aquiles elege como alguns de seus momentos clássicos no ringue os duelos com Ted Boy Marino, a revanche com Michel Serdan em uma jaula e a “luta do século” contra o Mister Argentina, em que o gringo foi até acorrentado. “É curioso. Às vezes eu fico assistindo às minhas lutas e falo: Meu Deus, como eu era... Eu era assim mesmo?”. Tudo aquilo e até mais...