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UFC pede cautela após 'boom' de lesões, mas especialistas dizem que é difícil evitá-las

Bruxa solta: Aldo tem lesão muscular, Belfort machucou a mão e Cruz rompeu ligamento - Arte/UOL
Bruxa solta: Aldo tem lesão muscular, Belfort machucou a mão e Cruz rompeu ligamento Imagem: Arte/UOL

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

12/06/2012 06h00

O trabalho dos chefões do UFC costuma ser complicado: organizar dezenas de eventos pelo planeta, casar lutas de mais de 300 atletas e conciliar a agenda de todos estes envolvidos. Mas não é só. Imprevistos acontecem. E o maior pesadelo pelo caminho são as lesões. Desde o início de maio, aconteceu uma explosão no número de competidores machucados, com cerca de duas dezenas de gladiadores indo parar na “enfermaria".

Esta “bruxa solta” passou por astros como José Aldo, Vitor Belfort e Dominick Cruz e, além de desfalcar cards importantes para o evento e mudar uma série de combates já agendados, acabou abrindo a discussão sobre o ritmo de treinos e a possibilidade de os lutadores pegarem mais leve para tentar garantir uma preparação em que cheguem ilesos em seus combates.

O presidente do Ultimate, Dana White, falou sobre a onda de problemas e apelou aos lutadores. “Essas coisas começaram a acontecer com mais intensidade no ano passado, e foi devastador. Agora sei que é parte dos negócios. Mas esses caras precisam baixar um pouco o ritmo dos treinamentos e parar de machucar uns aos outros”, afirmou o norte-americano, à Fuel TV.

VEJA ALGUNS DOS ÚLTIMOS LESIONADOS

  • JOSÉ ALDO: Campeão dos penas, sofreu um estiramento na coxa e não terá tempo de retomar a preparação para enfrentar Erik Koch no UFC 149.

  • VITOR BELFORT: Lesionou a mão em treino e ficou fora da revanche com Wanderlei Silva no UFC 147. Terá como substituto Rich Franklin em BH.

  • DOMINICK CRUZ: Campeão dos galos rompeu ligamento do joelho. Com isso, Urijah Faber e Renan Barão disputam cinturão interino.

  • MICHAEL BISPING: Um dos cotados para lutar pelo cinturão dos médios, o britânico rompeu o menisco e não enfrenta Tim Boesch no UFC 149.

  • THIAGO SILVA: Substituto de Rampage para enfrentar Maurício Shogun, lesionou a costas. Agora, Shogun vai enfrentar Brandon Vera.

O UOL Esporte conversou com lutadores, técnicos e empresários para entender se é possível atender ao pedido do dirigente. O problema, segundo eles, é que o esporte é naturalmente de contato e de impacto e que a exigência dos treinos de diversas artes marciais com intensidade elevada, puxada pela exigência de bons resultados, acaba causando tantos problemas, mesmo com trabalhos de prevenção.

“O primeiro motivo para tantas lesões é que um esporte de impacto e de contato já aumenta muito a incidência. São acidentes que acontecem quando os lutadores tentam levar o corpo ao limite máximo de sua capacidade”, explica Márcio Tannures, médico que cuida de Anderson Silva. O próprio campeão dos médios admitiu lutar com problemas nos últimos anos: contra Chael Sonnen, uma contusão na costela; contra Yushin Okami, um problema no ombro.

O médico detalha que as lesões musculares são mais comuns, devido às repetições de movimento, ao cansaço e aos golpes recebidos. A prevenção é feita com um trabalho de base, reforços musculares e muita fisioterapia. Mas os treinos no ritmo de combate, como os de sparring, facilitam para que imprevistos aconteçam.

“Não adianta as pessoas falarem: ‘tem que treinar mais leve’. Você precisa mimetizar o que faz na luta. Se aliviar, vai para a luta mal treinado”, completa Tannure.

O veterano Minotauro, ex-campeão do UFC e do Pride concorda e cita o comum excesso de treinos, chamado de overtraining: “Para se sentir seguro, o atleta precisa chegar mais do que bem treinado, e às vezes passa do ponto. Eu mesmo acho que lutei 40% das minhas lutas com dores. Tem  uma frase que se fala que é: ‘Se não lutei machucado, é porque não treinei direito’. Mas não gosto de ir para o octógono assim. A performance piora bastante.”

Para o baiano, as cobranças também acabam afetando o psicológico, e por consequência os treinos. “A cobrança dentro do UFC para que se esteja 100 e aquele papo de que se perder duas lutas você já pode sair também fazem o atleta treinar mais. E todo mundo quer ver lutas, não quer saber se você está ou não com dores”, afirmou.

Seguro gera discussão

Um avanço do UFC em relação aos seus lutadores nos últimos anos foi a criação de um seguro, que garante ajuda aos lesionados e cobertura completa no tratamento. A explosão no número de lesões acabou gerando outro tópico de discussão, questionando se este item de contrato é uma das causas do problema, por descuido dos próprios beneficiados.

Belfort critica falta de equipamento específico, mas espera evolução

  • Um dos últimos lutadores a passar pela sensação de ver um combate cancelado - e ainda mais em casa, pelo UFC 147, em Belo Horizonte - Vitor Belfort diz que as lesões são a parte mais desagradável da vida do lutador. Para ele, que teve de operar a mão, o MMA ainda sofre com a falta de equipamento específico. A adaptação de materiais de boxe, taekwondo e outras modalidades prejudica os treinos, segundo ele. “O esporte cresceu, mas não existe uma linha de materiais próprios: protetor de cabeça, luvas de sparring, capacete, protetor de costela... Mas acho que teremos uma evolução neste sentido. Como a Fórmula 1 ficou mais segura após a morte do (Ayrton) Senna, o MMA também aprenderá com estes problemas”, disse ele. “Eu entendo o que o Dana falou de ter cuidado, mas na hora do treino forte, é difícil evitar.”

Alguns veículos da imprensa norte-americana citam que antes do seguro, os lutadores eram obrigados a ignorar os problemas para ganharem suas bolsas, em uma época de prêmios menores e patrocinadores mais escassos.

O empresário Jorge Guimarães, o Joinha, rechaça o seguro como causa. “É fundamental ter essa garantia de que você pode treinar com tranquilidade. As lesões são naturais, basta cair de mal jeito. Mesmo treinando de leve há margem para isso acontecer. O esporte chegou a um patamar em que treinar muito faz a diferença”, opina Joinha, que cita outra frase pronta: “É como dizem: ‘treino duro, luta fácil’.”

Com tantos problemas seguidos, o UFC acabou vendo dois cinturões ficarem parados e, devido à inatividade dos campeões, campeões interinos surgem. Nos meio-médios, Georges St-Pierre está afastado e Carlos Condit venceu Nick Diaz para faturar o título interino. Entre os galos, Dominick Cruz virou desfalque e Urijah Faber disputa com Renan Barão o cinturão “temporário”. Ambos os lutadores sofreram rupturas de ligamento no joelho.

Técnico de Júnior Cigano, Luiz Dórea, também vê com naturalidade as lesões, apesar do número elevado nesta temporada, e diz que a vantagem do UFC é ter um plantel recheado de estrelas. “É claro que o espetáculo fica prejudicado pelas mudanças no card. Mas há tantos talentos, que eles conseguem suprir com as substituições. Não é bom para ninguém, mas trabalhamos com atletas e sabemos pelo que eles têm de passar”, opinou o treinador.

TEIMOSIA E JEITINHO PARA LUTAR LESIONADO

  • Apesar dos cancelamentos constantes, há quem ignore as lesões e vá para o octógono. Foi o que aconteceu com Júnior Cigano, com um problema no menisco dez dias antes de desafiar Cain Velásquez. O catarinense superou o problema para faturar seu 1º título. “O maior rival de um atleta é sua cabeça. Naquela ocasião, o Cigano se machucou, mas estava 100% psicologicamente. Ele não queria perder a chance, e meu papel era passar a força para ele”, relembrou Luiz Dórea, técnico do peso pesado. Os lesionados ainda tem de disfarçar no exame médico pré-luta. Após o UFC Rio 1, Yuri Marajó admitiu ter maquiado alguns pontos que tinha no cotovelo, devido a um acidente de moto próximo à luta.