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Muito além da maconha. Bullying, brigas e punições marcam rival de Anderson

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

30/07/2014 10h39

Imprevisível. Em um ascendente MMA em que tudo já começa a ficar com um aspecto pasteurizado – das entrevistas politicamente corretas e quase ensaiadas a lutas em que o show é trocado pela estratégia que só garanta uma segura vitória -, Nick Diaz é o maior ponto fora da curva. O norte-americano foi anunciado como o novo rival de Anderson Silva e encara o astro brasileiro em 31 de janeiro em Las Vegas. Bom, é isso o que está escrito no contrato. Mas, quando se fala neste esquisito bad boy, pode se esperar de tudo. Até mesmo ele sequer aparecer para lutar.

As polêmicas envolvendo seu gosto nada secreto de fumar maconha, que já lhe renderam dois testes positivos em antidopings, precedem a fama do marrento ex-campeão do Strikeforce e do WEC. Mas não são só o que o definem. Um dos poucos lutadores da velha guarda a sobreviver até hoje, ele aos trancos e barrancos, entre vitórias, derrotas e muita intriga marcou seu nome na história do MMA, ainda que sequer seja um dos mais técnicos competidores de seu tempo.

Para entender como o marrento lutador que some de coletivas de imprensa, desafia repórteres e se aposenta apenas por estar entediado do mundo das lutas, é preciso voltar à sua infância. Muitos lutadores sofreram bullying antes de caminhar para as artes marciais – geralmente buscando armas para se vingar dos seus agressores, ou ao menos um jeito de ganhar confiança em si. Foi assim que aconteceu com Nick, levando a tira-colo o irmão mais novo, Nate Diaz, também do UFC.

Nick Diaz cresceu em Stockton, na Califórnia, descendente de mexicanos. No Ensino Médio, começou sua carreira de atleta, mas nas piscinas. A natação foi imposta pela mãe e hoje ele diz que a modalidade é que moldou seu gás, capaz de superar cinco rounds no octógono. Diaz ainda compete em triatlos para melhorar sua preparação.

“Lutadores tem medo do condicionamento físico, tem medo de se cansar. Eu não. Posso ir a 100% e não me preocupar com isso. Todos dizem que lutar é 90% mental, e é verdade. Eu saber que posso lutar 15 ou 25 minutos sem ter problemas me faz mais forte que meu oponente”, explicou ele.

Ainda na adolescência, Nick se interessou por lutas: caratê, aikido, luta olímpica (wrestling), sambo e depois boxe e jiu-jítsu... No fundo, queria saber se defender dos grandões que desafiavam aquele garoto franzino e introvertido.

Isso mudou quando assistiu ao UFC e fez dos treinos sua profissão. Tão logo fez 18 anos – nem um mês se passou – e ele fez seu primeiro combate profissional de MMA. Uma finalização sobre Mike Wick, mostrando o jiu-jítsu que seria aperfeiçoado a premiado com a faixa-preta em 2007 por Cesar Gracie – integrante da terceira geração da família liderada por Carlos e Hélio Gracie.

Diaz lutou pelos maiores eventos dos últimos anos, deixando sua marca em cada um. É claro que muitas vezes ficou mais a mancha do que rastros positivos. A começar pelo Pride. Depois de cumprir o sonho de lutar no Ultimate em 2003 e por lá ficar por três anos, incluindo aí a participação no The Ultimate Fighter 2, em que foi vice-campeão, ele partiu para o Pride.

A organização japonesa pouco pôde contar com ele. Já na sua primeira luta, consegui uma vitória contra Takanori Gomi, com uma incomum “chave de gogó”. Mas o resultado foi anulado. O motivo: doping. O Pride nunca foi exigente com substâncias ilícitas. Desde que não fossem drogas “recreativas”. No caso de Diaz, era a abertura de sua relação com a maconha, já que ele foi pego com uma quantidade quase 11 vezes maior que a permitida de THC – substância psicotrópica encontrada na maconha. Além de ser punido, a quantidade foi tão alta que foi considerado que a maconha poderia ajudar o lutador durante o combate, inibindo a dor.

Os irmãos Diaz com Ronda Rousey - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Padrinho da bela. Hoje Diaz ganhou uma seguidora do seu estilo. A campeã peso galo fo UFC, Ronda Rousey, é chamada de 'Diaz Sister', por treinar com os irmãos, herdar o jeitão marrento e dramático deles e até defender a maconha - apesar de não admitir o uso.
Imagem: Reprodução/Twitter

O norte-americano nunca escondeu apreciar fumar maconha. Mais que isso, passou a falar sobre o uso e a defendê-lo, e não só no âmbito das lutas. “Seria muito mais saudável para muita gente pensar que fumar maconha pode ser a melhor coisa que alguém faz em seu dia. Pegue alguém deitado numa cama, um paciente de câncer, alguém obeso. É bom para essas pessoas. Não sou cientista, nem médico, mas já fumei muita erva. E minha opinião é de que ela pode fazer muito bem”, afirmou ele, em 2009 – sempre com seu jeito estranho de falar, enrolado e quase indecifrável.

“Alguém precisa sair e dizer: eu acho que fumar um baseado é bom para o MMA. Estamos em um novo dia, uma nova era... Estamos no ano... que ano é esse? Nem sei, porque eu estive treinando e fumando, como devia, em vez de prestar atenção em bobagens desnecessárias”, disse, em outro momento.

O assunto nunca ficou de lado em sua jornada, e ainda retornou com força em 2012, quando ele perdeu para Carlos Condit e mais uma vez caiu no antidoping, pegando um ano de gancho.

A grande briga

Outra passagem marcante da carreira de Nick Diaz foi pelo Strikeforce, então concorrente do UFC e depois anexado por Dana White e os irmãos Fertitta. Por lá, ele fez algumas de suas melhores lutas. Tornou-se campeão dos meio-médios, ao nocautear Marius Zaromskis, em 2010, e defendeu o título contra nomes como K.J. Noons, Evangelista Cyborg e Paul Daley.

Fora de ação, ele ficou lembrado por ter participado e dado o primeiro soco em uma enorme confusão. Em 2010, Jake Shields venceu Dan Henderson em luta valendo seu cinturão dos médios. O problema foi durante a entrevista pós-luta, ainda dentro do cage. Jason Miller foi tirar satisfações com Shields e pedir uma revanche. O clima esquentou, e Diaz fez o “favor” de fazer tudo explodir, lançando um soco e gerando confusão generalizada entre as equipes dos lutadores.

Cano no UFC e aposentadorias

O problema com Nick Diaz não é só falar o que pensa, abusando do “trash talk” (aquelas provocações antes de combate), ou se meter em confusão. Ele não gosta de cumprir ordens, não liga para contratos e não faz nada disso para vender suas lutas – como poderia se imaginar de outros falastrões, como Chael Sonnen. Tanto que ele já perdeu uma luta por cinturão por simplesmente não aparecer em compromissos promocionais.

Nick Diaz - Divulgação/Strikeforce - Divulgação/Strikeforce
Estilo. Nick Diaz é faixa-preta de jiu-jítsu e gosta de finalizar - diz que a kimura é seu movimento favorito. Mas é pelo boxe que ele é conhecido, tendo até feito uma luta profissional em 2005 - a qual venceu por pontos. Diaz não é aquele lutador com pegada absurda, mas seu volume de golpes faz a diferença - bate 5,63 vezes por minuto, contra 3,11 de Anderson - atacando com diversas intensidades e ângulos.
Imagem: Divulgação/Strikeforce

O norte-americano voltou ao UFC em 2011, com o prestígio de ser campeão do Strikeforce. Dana White então agendou: Nick Diaz x Georges St-Pierre, uma grande e aguardada luta, no UFC 137. Tudo parecia certo, até Diaz simplesmente desaparecer em dias de entrevistas. Com tudo marcado, o Ultimate rastreava seu lutador, que não atendia ao celular, não dava notícias de seu paradeiro e deixava os patrões furiosos com o fato de ele não fazer uma de suas maiores obrigações: ajudar a vender pay-per-views.

O comportamento não foi tolerado. O lutador foi simplesmente substituído por Carlos Condit. No fim, Condit não lutou, pois GSP se machucou, e Diaz venceu BJ Penn na luta principal.

Em seguida, foi marcado um combate entre Diaz e Condit, valendo o cinturão interino dos meio-médios, até GSP voltar de lesão. O combate no UFC 143 acabou em vitória do rival, por pontos. O bad boy não gostou nada da pontuação e disse que se aposentadoria do octógono. Mais que isso, cair em um antidoping novamente só aumentou seu retiro.

Mas a promessa não foi cumprida. O UFC ainda lhe deu uma nova chance de enfrentar St-Pierre e eles se encontraram no UFC 158, em março de 2013. Mais uma derrota por pontos e... mais uma aposentadoria.

Como sabemos, aquela coceira que faz tantos lutadores não conseguirem parar o acometeu novamente. Anderson Silva é o novo rival. Como o brasileiro, um faixa-preta que não liga muito para o chão. Também como o ex-campeão dos médios, um fã de boxe que deve querer usar tudo o que sabe da nobre arte em um combate que pode se estender por cinco rounds em pé – ou, mais provável, até um deles cair.

Diaz tem a desvantagem no tamanho, tanto na altura quanto por vir de uma categoria menor. Mas, pelo jeitão e por tudo o que já enfrentou, não deve se apequenar diante de um Anderson que tentará provar que ainda é o maior de todos os tempos. Isso, claro, se ele cumprir todos os seus compromissos e aparecer para o UFC 183 sem causar maiores surpresas.