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Rickson diz nunca ter perdido em 450 lutas e critica UFC por exploração

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

21/10/2014 06h00

Se o termo “lenda” é usado exageradamente para lutadores com currículo e história e questionáveis para tal adjetivo, ele ganha respeito se o designado tiver o sobrenome Gracie. E recebe quase que um carimbo de autenticação para permissão do uso se o Gracie em questão for Rickson, 55 anos, aquele que é considerado por muitos o melhor da família nas artes marciais.

Ajudou junto com os familiares a difundir o jiu-jitsu pelo mundo afora e mostrar a capacidade da luta perante as outras. Antes do profissionalismo do MMA, fez históricos combates de vale tudo contra Rei Zulu. Em novembro de 83, fizeram um desafio no Maracanãzinho que foi transmitido pela Globo para provar quem era o melhor do país. Rickson venceu não só esse, mas também outro duelo que aconteceu entre ambos.

A coroação do status de melhor do mundo no vale tudo veio depois de ser o escolhido para representar a família no Vale Tudo Japan, já na década de 90 e depois da criação do UFC. Engatou seis vitórias seguidas e ampliou seu reconhecimento.

Mas, muitos anos antes, colecionou inúmeras vitórias em desafios de vale tudo que eram realizados na rua ou dentro das academias. Mas, como não existia profissionalismo, o registro dos combates são baseados em quem os vivenciou na época. Não há imagens ou fotos da imensa maioria.

Rickson diz ter pelo menos 450 vitórias sem jamais ter perdido em duelos de jiu-jitsu, sambô (luta agarrada oriunda do Leste Europeu), freestyle wrestling e vale tudo. “Uma coisa é certa; nunca perdi. Sempre fiz questão de comparecer a todos desafios e vencer por finalização”, falou.


Ele carrega alguns questionamentos por não ter feito combates que o público tanto sonhou,  contra nomes de peso em sua época, como o russo Fedor Emelianenko e o japonês Kazushi Sakuraba, por supostamente pedir bolsas milionárias e impossíveis de serem pagas.

Em entrevista ao UOL Esporte, Rickson nega esta fama, fala sobre como vê hoje o MMA, e o apoio que tem dado ao seu filho Kron, que fará sua luta de estreia no esporte no fim do ano no evento japonês Real Fight.

UOL Esporte: É mais difícil a ansiedade nos tempos de lutador ou para ver a estreia do filho no MMA? Como está a preparação dele?
Rickson Gracie:
Sem dúvida que como pai, técnico e amigo eu fico numa expectativa maior do que se fosse eu mesmo lutando. Ficamos nervosos, estamos confiantes na preparação dele; otimistas. O Kron é muito dedicado. Ele é muito focado  no profissionalismo que tem que atender nos níveis de treino. Sob o ponto de vista técnico e psicológico, ele está muito bem.  Eu atuo mais vendo onde posso ajudar de uma forma descontraída e mostrar pra ele a minha experiência quando ele menciona algo de treino, e aí falo ´isso aconteceu comigo´...dou direções, mas não estou diretamente ligado ao treinamento dele. Ele já sabe o que tem que fazer, e não é nenhum bicho de sete cabeças.

As técnicas do MMA atual te agradam? Acha que o jiu-jitsu ainda faz a diferença no MMA de hoje?
O jiu-jitsu sempre foi a espinha dorsal do MMA. Mas as regras atuais conduzem as lutas mais para o striking (trocação) do que para o grappling (luta agarrada) por serem rounds curtos e os juízes não deixarem a luta se desenvolver no chão. Mandam levantar se não tiver uma dinâmica. Isso faz os lutadores se tornarem mais explosivos. E agora tem essa da capacidade de perder peso pra lutar. Hoje o esporte é diferente. Eu nunca lutei MMA, lutei vale tudo, onde não tinha limite curto tempo, limite de rounds e de peso. A estratégia e capacidade de colocar em prática seu jiu-jitsu eram muito maiores.

Como você vê o lutador inserido dentro das grandes organizações de MMA? Muitos deles criticam a centralização e bolsas baixas, como o Wanderlei Silva com o UFC...
Esse aspecto profissional do MMA é muito desequilibrado no sentido de que existe um monopólio do UFC de que eles determinem as condições de tudo que vem abaixo,  como TV, empresários e lutadores. Isso faz com que exista um desequilíbrio muito grande. O evento é mais importante do que o lutador. E eles brigam com os lutadores e os colocam como peça de xadrez. Isso vai acontecer até que haja uma competição entre associados, com três, quatro ou cinco grandes organizações com competitividade. O lutador está sendo mal tratado e mal pago. Eles geram fortunas e recebem um percentual insignificante. No boxe você vê uma bolsa de US$ 40 milhões pro lutador, e no MMA ela é insignificante. Às vezes um cara é bom e já se provou em vários eventos e tem que fazer contrato de US$ 20 mil pra oito lutas, o que não representa nada dentro de uma ação coorporativa grande. Não existe respeito ao lutador de uma maneira digna. Ele entra por baixo e fica por baixo sendo maltratado. E quem vai reclamar? É um monopólio, só um chefe. Nosso potencial está sendo usado de uma forma sem critério e valorização.

Como você acha que se sairia no MMA com as regras de hoje, Seria um cara top?
É difícil de fazer essa comparação, porque há muitas coisas em jogo. Eu definitivamente estaria confortável de desafiar ou aceitar uma luta com qualquer um deles numa regra do passado. Na regra atual não sei nem se meu filho conseguiria suportar a demanda física exigida como a de perder peso e esse tudo ou nada em cinco minutos. É uma outra briga, um outro animal.  Nunca lutei MMA na vida, e minha estratégia no ringue era controlar o tanque de gasolina. O tempo não era um fator a se considerar, agora se tiver que fazer tudo isso em cinco minutos, a coisa muda. É completamente diferente, é outro animal. Aí estamos falando de outra composição, é como mudar da música clássica para o funk.


As vitórias sobre o Rei Zulu foram seu melhor momento como lutador?
Pessoalmente, foi a maneira que me entendi no mundo como lutador. Até então eu era professor e campeão de jiu-jitsu. Quando lutei com Zulu eu tinha perto dos 20 anos, ele era um cara muito maior e mais experiente que eu no vale tudo. Foi uma descoberta que meu potencial atingia aquele patamar, foi muito importante. E na revanche da luta com ele no Rio de Janeiro, e que venci de novo, me tornei uma figura importante e era um recomeço pro vale tudo, que estava parado no Brasil há 30 anos. Foi importante. Teve também o fato de ir pros
Estados Unidos e Japão e depois alcançar níveis importantes de luta. Mas meu reconhecimento mundial veio a partir do Japão. Lá trouxe o interesse, curiosidade e respeito que o jiu-jitsu conseguiu. É isso que trouxe o que existe hoje e é incalculável saber até onde vai (o potencial das lutas).

Você tem algum tipo de frustração por não ter lutado no UFC? Nos primeiros duelos a família escolheu o Royce, então mais leve, pra ser o representante...
Não tenho arrependimento. Simplesmente não aconteceu. Existem algumas lutas que na hora certa eu gostaria de ter lutado, mas (UFC) não é algo que eu tenha comigo. Eu nunca recusei uma luta. Eu sempre queria me provar, era uma coisa minha. Dentro da minha carreira, esse momento certo seria lutar com (Kzushi) Sakuraba.  Seria uma coisa importante pra mim, uma luta com Fedor na hora certa...foram duas pessoas que passaram pela minha carreira e por uma razão ou por outra não aconteceu. Agora tenho que levar comigo, mas não sinto; simplesmente não aconteceu.  Tenho que levar comigo e sou muito feliz com minha carreira, com o que fiz e representei. Nunca tomei um pau sério e sempre venci minhas lutas.

Você carrega a fama de jamais ter perdido. Nunca perdeu nenhuma luta em academia, na rua, nada? Tem ideia de quantas venceu?
Uma coisa é certa: nunca perdi. Ganhei todas minhas lutas de competição depois que ganhei faixa preta (de jiu-jitsu). Sempre fiz questão de aceitar todos os desafios. Em qualquer treino, academia ou competição na rua, sempre fiz questão de comparecer e finalizei todas as lutas. Dentro de um número bem controlado, acho que foram umas 450 lutas, só com vitórias em desafios de jiu-jitsu, sambo, freestyle wrestling e vale tudo.

Você tem fama de não ter feito lutas que seriam relevantes na sua carreira por ter pedido bolsas muito caras...
É verdade que eu sempre me valorizei. Nunca fiz contrato de mais de uma luta, mas nunca foi uma bolsa que me impediu de lutar. Eu lutava pelo que achava necessário. A luta que recebi proposta de maior valor foi depois de vencer o Funaki em 2000, no Pride, onde 30 milhões de pessoas assistiram na TV e 70 mil viram in loco no Tóquio Dome. Depois de fazer essa luta me ofereceram US$ 5 milhões pra lutar com o Sakuraba. Eu iria botar o meu burro na sombra. Mas infelizmente meu filho (Rockson) partiu nessa época e coloqueii como prioridade de suporte à família. Depois desse período o Sakuraba acabou perdendo pro Wanderlei , criou-se uma imagem de máfia no Pride e muita coisa aconteceu. Fiquei esperando uma possibilidade de acontecer uma coisa parecida e não lutei mais porque ninguém ofereceu lutador e bolsa que valessem a pena pelo que achava proposta justa. Fiquei desanimado sem ter com quem lutar. Mas tudo que pedi, me pagaram. E eu sempre negociava de acordo com a viabilidade. Eu queria saber o que o cara (organizador) iria ganhar com tudo pra eu fazer parte daquele ganho. Se o cara vai ganhar muito, eu que não vou ganhar pouco. Sempre fui honesto e nunca teve nada absurdo. Jamais pedi algo a mais do que poderiam me pagar. E você vê hoje como é. Chegam no UFC com contrato de oito lutas, pagando uma merreca e explorando até tirar o sangue do cara. Eu valorizava meu passe, não deixava que me desvalorizassem.

Você se considera o maior da história?
Com relação a isso, não questiono. Está acima da minha avaliação. Cada um tem seu valor, fez seu sacrifício, teve sua exposição e carrega um grande número de fãs. Tem pessoas que falam de vários atletas. Não é muito relevante isso pra mim. O que acho fundamental é ser agradecido de ser um Gracie, ter minhas vocações e habilidades desenvolvidas e poder durante a minha vida ser um profissional de arte marcial e por à prova a minha performance, me mostrar e me sacrificar e ser um dos representantes. Não me comparo com outros, mas não deixei nada pra trás. Vejo uma carreira brilhante de atender os compromissos dados ,fazer com paixão e dedicação.

Tem algum lutador que você admira no MMA hoje?
Existem grandes atletas, estão lá por merecimento. Tem muitos caras bons. Mas especial mesmo? Não vejo aquele cara que de me dá brilhos nos olhos e não posso perder a luta porque ele vai fazer algo sensacional. Vejo a coisa de uma maneira geral, tem grandes atletas, muito bem treinados e que às vezes ganham, perdem, falam besteiras, decepcionam...

Como eram esses duelos em academias e na rua?
Sempre havia dentro do mundo dos lutadores um bate boca pra ver quem é o melhor, um fala “meu professor é isso”, outro fala “o meu é aquilo”. Acontecia de haver confrontos entre estilos e academias. E ficava aquele falatório e tinha que resolver a coisa. Se não era na academia, brigava na rua como compromisso de cavalheiro. Isso já não era comum, mas acontecia. Sempre foi uma coisa saudável, a coisa acaba normal, as pessoas se cumprimentavam e depois disso vamos embora treinar.