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UFC prova cerco pesado ao doping, mas flagra a astros complica organização

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

04/02/2015 12h16

Copo meio cheio ou meio vazio? A reviravolta ocorrida na noite de terça-feira no UFC, quando o “maior de todos os tempos” Anderson Silva foi flagrado em um teste antidoping com não um, mas dois anabólicos no seu organismo, gera este clássico dilema, que pode ser usado para se pensar no futuro da organização e do MMA como esporte. A questão em jogo é o doping e como a luta do Ultimate para “limpar” seu plantel, intensificada no último ano, está vitimando o próprio evento.

Os casos são distintos, mas os golpes sofridos com os escândalos de Anderson e Jon Jones, em menos de um mês, são duros para o UFC. Jones teve revelado uso de cocaína em um teste surpresa antes de sua luta. Como estava fora de competição, não foi punido. O Spider também passou por um teste aleatório, e o resultado apontou o uso dos anabolizantes drostanolona e androsterona.

Em conjunto, e levando-se em conta que estes lutadores são os maiores astros da organização na atualidade, os casos comprovam que o Utimate está sim com uma política de cerco apertado contra o uso de substâncias ilícitas, seguindo as recomendações e regras da Wada (Agência Mundial Antidoping). A medida começou em 2014, em parceria com algumas das principais comissões atléticas dos Estados Unidos, e se dá principalmente pela realização sistemática de exames surpresa, isto é, realizados fora do prazo de competição.

Ao intensificar estes testes surpresa, o número de casos aumentou: foram 13 casos com resultados positivos divulgados pela organização. A preocupação, agora, não é com casos de maconha e cocaína, mas com o uso de substâncias usadas para melhora artificial da performance. E é este o foco dos testes realizados fora de competição, este é o engajamento do UFC e das comissões.

A grande reclamação frente à política de doping levada pela maioria das organizações é que fazer os lutadores cederem amostras só logo antes e depois dos combates não é suficiente. Isso porque é possível se beneficiar usando substâncias em ciclos. Lutadores montam uma agenda para se dopar quando sabem que não vão ser testados. Quando se aproximam os períodos de testes, sabem que já estão com o corpo limpo.

Na nova realidade, quando os lutadores podem ser surpreendidos e testados a qualquer momento, quebra-se a chance de ciclo. Chael Sonnen foi flagrado duas vezes em 2014, tentando se adaptar à proibição do TRT. Wanderlei Silva fugiu do funcionário que colheria amostras. Vitor Belfort fez teste em fevereiro, antes de entrar com a requisição para o TRT, à época em vigor, e foi pego com nível de testosterona acima do regulamentado.

Anderson, agora, sofreu com o mesmo. Foi abordado no dia 9 de janeiro, 22 dias antes de seu combate, e teve de ceder amostra de sangue. O brasileiro ainda teve um exame colhido em 19 de janeiro, mas o resultado não foi divulgado até aqui. O ciclo de aplicação do proprianato de drostanolona, um anabolizante muito utilizado por fisiculturistas que aumenta os níveis de testosterona sem elevar o estrogênio, varia de um a três meses de injeções hormonais. Em menos de uma semana a substância deixa o organismo.

Meio cheio ou meio vazio?

O copo “meio cheio”, então, se apresenta quando se olha para tudo isso com a perspectiva de que o UFC pode estar ajudando a limpar o esporte. Como aconteceu com o ciclismo, que implantou passaporte biológico e testes surpresa para inibir a explosão dos casos de doping, o MMA também o faz, para tirar a sombra de que o uso de substâncias ilícitas é “institucionalizado” no esporte. Mas será que há tempo de arrumar a casa ao mesmo tempo em que se enfrenta uma tempestade?

Ao tratar o tema com seriedade e punir todos os casos que precisa punir, o UFC caminha em direção a um rumo mais profissional e que a permite ser comparada aos primos ricos: NBA, NFL, NHL e MLB. Esta é uma luta constante do Ultimate, em deixar de ser conhecido como uma liga em que fortões trocam sopapos, sem regras.

Jon Jones - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Jon Jones foi pego em um exame fora de competição com metabólicos da cocaína. Ele admitiu o uso em uma festa e, como a substância não foi encontrada em testes feitos durante o evento (pré ou pós) ele não sofreu punições.
Imagem: Reprodução/Instagram

Jon Jones foi multado, e Anderson não deve escapar de um gancho de nove meses a um ano. Tudo no prazo de um mês. Ver as duas maiores estrelas do Ultimate em escândalos tão próximos consolida essa política, mesmo que a organização seja polêmica e muitas vezes tenha a ética colocada em questão no seu “gerenciamento de crises” – o caso de Jones, por exemplo, seria conhecido antes de ele ter lutado com Daniel Cormier no UFC 182.

O copo “meio vazio” se dá, também, ao se notar a proximidade com que Anderson e Jones foram pegos. Os dois grandes chamarizes da empresa conseguiram manchar suas carreiras, afastar fãs e colocar um ponto de interrogação na categoria inteira, tanto quanto ao uso de drogas “recreativas” quanto ao de anabolizantes.

A parte do público que já duvidada que os lutadores iam para seus combates limpos, ganhou mais um motivo para criticar. Outros que tinham certeza que um lutador como Anderson não faria uso de doping, podem ter mudado de ideia, com a frustração ainda maior pela divulgação do caso se dar só dois dias depois da volta retumbante do Spider pós-lesão.

O reflexo dos casos é grande. Patrocinadores podem debandar diante do escândalo, o UFC deve tirar Anderson Silva do reality show TUF Brasil 4, que já havia iniciado suas gravações, e os planos da organização de voltar a lucrar pesado com o Spider, inclusive com a intenção de realizar uma superluta contra Georges St-Pierre vai por água abaixo.

GSP, por, sinal, segue afastado do MMA. O motivo que ele dá para isso parece sintomático: “nunca lutarei novamente, até que meu rival e eu sejamos testados para substâncias de melhora de performance, por organizações independentes”. Se o canadense podia ter se animado com os rumores de enfrentar Anderson, a confirmação do doping, justamente o que ele parecia querer enfrentar no esporte, pode ser a pá de cal em sua carreira.