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Ele pesava 157 kg aos 12 anos e sofria bullying. Hoje é lutador do UFC

Carlos Boi, contratado pelo UFC, chegou a pesar 157 kg na adolescência - Reprodução
Carlos Boi, contratado pelo UFC, chegou a pesar 157 kg na adolescência Imagem: Reprodução

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

28/06/2017 04h00

No começo era a gula. Seis pães no café da manhã, salgados fritos, pizzas, doces e lanches fora de hora. O almoço era a refeição mais saudável do dia: arroz, feijão e carne, e o que tinha na geladeira de casa. À tarde, mais frituras e biscoitos recheados. À noite, para rebater, uma visita à banquinha de salgadinhos.

Aos 12 anos, ele tinha acumulado 157 kg. A compulsão alimentar era reflexo de um quadro de ansiedade. Se estava muito triste ou muito feliz ou muito estressado, ele comia, comia, comia. E então vieram as piadinhas. Gordo na escola sofre. O pessoal pegava pesado. Junto com as agressões, chegou a ira. Acostumou-se a brigar com todos os colegas que lhe enchiam o saco. Um dia, no terceiro ano, se viu rodeado por três caras. Bateu, apanhou e quebrou os óculos de um deles.

Começou a tomar sibutramina, um tipo de remédio para combater a obesidade que tem efeito sobre o sistema nervoso. Um médico recomendou que ele treinasse boxe. Ele já tinha feito vários esportes (era bom goleiro, mesmo acima do peso), mas resolveu dar uma chance ao pugilismo.

Quando o boxe chegou, a gordura começou a sair. Não foi rápido assim. Ele ficava exausto depois de cada treino, mas continuava comendo tanto quanto antes. “Tapava o sol com a peneira”, lembraria ele anos depois. “Tava treinando para perder peso, mas compensava tudo na comida.”

Em um grupo de Facebook, alguns amigos lhe indicaram uma dieta (mais uma). Mas essa era radical: zero carboidratos. Cortou massas, pizzas e os seis pães do café da manhã. Se afogou em proteína e na intensidade da luta. Começou a diminuir. Quando viu Anderson Silva acertar o queixo de Vitor Belfort e levá-lo ao chão aos 3 minutos e 25 segundos do UFC 126, em 2011, ele não teve dúvida: queria se tornar lutador de MMA.

Ninguém levou a sério. Ele ainda era obeso.

Mas começou a treinar outras modalidades. Jiu-jitsu, muay thai... Em Feira de Santana, na Bahia, ainda não tinha academia específica para as artes marciais mistas. Reuniu dois amigos e, clandestinamente, foi imitar movimentos de MMA que eles viam no Youtube.

Quando finalmente a cidade recebeu sua primeira escola dedicada à luta da moda, ele tinha 17 anos e o sonho improvável de virar atleta. Na academia ganhou o apelido que lhe acompanharia por anos. Como ele não tinha muita técnica, partia para cima dos adversários de maneira atabalhoada, talvez como boi patinando no gelo.

Quando um de seus primeiros treinadores percebeu seu “estilo”, batizou o aluno. E assim nasceu o lutador. Carlos Felipe virou o “Boi”. Carlos Boi odiou o apelido e, por causa disso, o apelido pegou. Algumas pessoas começaram a acreditar que o sonho de se tornar lutador não era tão maluco assim. Ele ganhou patrocínios para seguir nos treinos. Ele ainda era gordo, mas cada vez menos gordo.

O MMA tem duas categorias para lutadores enormes: a peso pesado (de 93 kg até 120 kg) e a super-pesado (mais de 120 kg). Carlos Boi estabilizou seu peso em 115 kg e seus treinadores foram atrás de adversários para ele.

Nunca foi muito fácil encontrá-los, porém, talvez porque as pessoas gordas não sejam muito incentivadas a participar de esportes. Mas Carlos Boi conseguiu vencer sua primeira luta, por nocaute técnico. E a segunda, a terceira, a quarta... Quando chegou na oitava, em um sábado recente, ele ganhou um cinturão.

Seu treinador reuniu os amigos e a família para comemorar a vitória. Carlos Boi entrou naquela sala lotada e viu borboletas presas nas paredes amarelas. Edilson Teixeira, o homem que tinha sido seu mentor nessa jornada, começou a falar. Alguém levantou o celular e apertou o botão “gravar”, registrando para sempre um momento único de intimidade.

“Meu sonho...”, disse o treinador Edilson. E então parou. As palavras se engavetaram na garganta e ele baixou a cabeça, aparentemente tocado demais para continuar. “Meu grande sonho”, ele finalmente disse, “nunca foi concretizado porque eu não tinha ninguém para me orientar no início da carreira.”

Edilson então fez menção a Carlos Boi, que estava parado em sua frente. Por acaso ou por um capricho profissional do cinegrafista amador, é possível testemunhar seu semblante no espelho atrás de Edilson. Carlos está começando a entender o motivo do discurso emocionado do treinador.

“Coincidentemente, o sonho dele é o mesmo meu, é o mesmo de Léo”, disse Edilson, apontando o agente Leonardo Pateira, que também chora a seu lado. “Que é chegar no mais alto patamar do MMA.”

“A gente conseguiu, velho”, disse Léo, enquanto Edilson puxava uma pilha de papeis para entregar a Carlos Boi: seu primeiro contrato com o UFC. Depois de superar a obesidade e controlar o transtorno de ansiedade, depois de ser desacreditado ao dizer que seria um lutador, Carlos Boi tinha finalmente chegado lá. Ele está com 22 anos.

Isso foi há duas semanas. “O Edilson e o Leo choraram pra porra, mais que eu até”, disse o novo peso pesado do UFC na última sexta-feira, por telefone. “Todo mundo sabe que nós três somos como irmãos, e conseguimos isso juntos. Mais cedo ou mais tarde eu sabia que aconteceria.”

Ele aguarda agora a organização marcar uma data para sua primeira luta.