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Ex-UFC apaga no meio da luta e segue apanhando: "Só queria sobreviver"

Lyoto - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

18/08/2017 04h00

O catarinense Márcio Lyoto, que já teve passagem rápida pelo UFC, viveu uma situação muito perigosa no meio de sua última luta, pelo Aspera FC, um dos mais importantes torneios de MMA do país. No segundo round, ele sofreu uma sequência de golpes na cabeça e apagou. As regras do esporte determinam que em situações assim o árbitro deveria parar a luta, dando a vitória ao pernambucano Fábio Aguiar, mas isso não aconteceu.

Mesmo totalmente entregue e caído, Lyoto (que ganhou o apelido por causa do ex-campeão do UFC Lyoto Machida) continuou apanhando, uma situação que provocou revolta entre lutadores, técnicos e professores de MMA que assistiram ao evento. Ainda inconsciente, o lutador foi levado ao corner quando o round acabou. Avaliado por uma médica, foi mandado de volta ao combate.

A luta só acabou três minutos depois, quando a mesma equipe médica interveio a pedido do árbitro e interrompeu o combate em favor de Fábio Aguiar.

Marcio Lyoto - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Em entrevista ao UOL Esporte, recuperado do maior susto pelo qual já passou na carreira, o lutador de 28 anos contou o que viveu naqueles segundos em que sua saúde neural esteve em risco.

"No ground and pound [sequência de golpes no chão] eu estava inconsciente, não lembro de muita coisa”, disse ele. “Vendo as imagens depois, vi que eu levanto a mão, que peço pra não parar a luta, mas no meu inconsciente eu não lembro disso. Eu estava no automático, aquele automático de quem quer só sobreviver, no instinto de sobrevivência".

Apesar de não ter jogado a responsabilidade por sua derrota na arbitragem, o lutador afirmou que o juiz deveria ter interrompido o confronto para manter sua integridade física. "Se eu fosse árbitro, teria parado. Ele viu que eu estava inconsciente e errou".

"Só voltei à consciência porque meu corner me pegou e me botou na cadeira, o que também é ilegal, eu deveria ter ido sozinho. Ele falou: 'Tu quer lutar e quer ganhar'. Aí acordei. Botaram oxigênio no meu rosto. Eu sei que é ilegal e tirei".

No terceiro round, quando a luta foi finalmente interrompida pelo árbitro e pela equipe de saúde, o catarinense protestou. Ele preferia perder por uma decisão dos juízes após os três rounds ou por um nocaute ou finalização.

"Eu tomei um knock down [queda], estava meio bambo, mas consciente, não tinha nenhum momento de perigo", disse ele. "O juiz mandou a médica vir e ela decidiu parar a luta. Falei que ela não ia parar, que ela ia acabar com minha carreira. Depois pedi desculpa, sei que árbitro e médicos são soberanos ali".

Apesar da sequência de golpes chocante, Márcio Lyoto não foi diretamente ao hospital após a luta. No dia seguinte, ao se consultar com seu médico Sérgio Campos de Mello, ouviu que como não estava sentindo dor de cabeça intensa, provavelmente não teria sido vítima de nada mais grave.

O médico, que também treina artes marciais e é funcionário há 16 anos do time de futebol Avaí, afirmou que apesar do lutador não ter precisado de atendimento emergencial, ele não está imune a graves problemas no futuro.

“Ele teve uma concussão, um trauma no crânio. Os riscos futuros são Alzheimer precoce, deficiências neurológicas, déficits cognitivos, tremores”, disse o médico, que admitiu que a sequência de golpes chegou a ameaçar a vida do lutador. “A vida do lutador está sempre em risco dentro do octógono. Infelizmente é assim.”

Já Márcio Lyoto acredita que não tenha corrido um risco tão alto por ser um atleta preparado para impactos desse tipo: “Somos muito preparados. Faço arte marcial desde os cinco anos, tenho sete anos de MMA. A gente que luta está acostumado a sofrer castigo desse tipo, a tomar um golpe mais contundente. Já teve luta que eu saí muito mais machucado.”

Organização do evento pediu o afastamento do árbitro

Procurado pela reportagem, o presidente do Aspera FC disse que pediu à comissão de arbitragem do Paraná o afastamento do juiz Gastão Jr. “É o segundo erro grave em que ele coloca em risco a saúde do atleta. A primeira foi em um Aspera em Paranaguá”, disse Marcelo Brigadeiro. “Pra evitar que aconteça uma terceira vez, pedimos que ele não atue mais no nosso evento. Agora depende da comissão do Paraná".

Lyoto admite ter dado golpes ilegais

Antes de ir ao chão e praticamente ser nocauteado, o catarinense aplicou dois chutes controversos em seu adversário. Desde 1º de janeiro de 2017, as regras do MMA proíbem chutes na cabeça quando a vítima está com os quatro membros em contato com o solo, justamente a posição de Fabio Aguiar no momento em que ele recebeu dois chutes de Lyoto.

O catarinense admitiu que seus chutes foram ilegais, mas que não fez por mal: “O primeiro chute que eu dei foi legal. Ele caiu pra trás, achei que ele tivesse só com os dois pés no chão, e chutei. Ele me olhou como se eu tivesse fazendo uma coisa errado. Eu nunca trapaceei numa luta. O árbitro disse que estava valendo, e eu segui. Não foi de propósito. Imaginei que ele estava com três apoios, mas ele estava de quatro e eu não poderia ter feito aquilo.”

Márcio Lyoto acredita que precisará ficar de molho por alguns meses para se recuperar da derrota. Há três anos ele chegou à final do TUF, reality show da Globo que selecionava lutadores para o UFC. Contratado pela maior organização de MMA do mundo, o catarinense fez três lutas e teve três derrotas.

Após mudar de categoria (agora ele luta no peso médio, até 84 kg) e de empresário, Márcio Lyoto tenta se destacar no cenário nacional para voltar ao UFC. Ele sonha em ser campeão de sua categoria.

"Foi o primeiro nocaute da minha carreira, por isso que eu fiquei mais atordoando. O sonho de todo atleta, assim como o meu, é ser campeão do mundo. Eu fiz um planejamento e vou chegar lá. Eu não faço luta contra atletas para fazer cartel pra mim. São todas lutas de igual pra igual, contra atletas duros. Eu sei que com essa derrota eu regredi uns dois ou três passos. Mas isso não vai me abalar".