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Brasileira treina no circo para saltar de 20m de altura no Mundial aquático

Brasileira Jacqueline Valente faz seu salto na disputa do salto de penhasco no Mundial de esportes aquáticos de 2015, em Kazan (Rússia). Ao fundo, a Mesquita Kul Sharif e a Igreja da Anunciação - Hannibal Hanschke/Reuters
Brasileira Jacqueline Valente faz seu salto na disputa do salto de penhasco no Mundial de esportes aquáticos de 2015, em Kazan (Rússia). Ao fundo, a Mesquita Kul Sharif e a Igreja da Anunciação Imagem: Hannibal Hanschke/Reuters

Guilherme Costa

Do UOL, em Kazan (Rússia)

04/08/2015 16h01

Não pergunte a Jacqueline Valente onde ela mora. “Hoje, na Rússia”, é o que a brasileira respondeu durante a participação no Mundial de esportes aquáticos de Kazan, nesta terça-feira (04). Atleta do high diving, modalidade com saltos de grandes alturas que foi introduzida no programa da competição na edição de Barcelona-2013, a gaúcha de 29 anos começou na ginástica artística e hoje trabalha em circos e parques para complementar a renda. Por isso, acostumou-se a uma vida nômade.

“Eu não tenho estrutura para treinar. Vivo como mochileira, de país em país, onde eu tenho trabalho. Estava morando no México nos últimos dez meses, e lá eu trabalhava num show de circo em um cabaré. Eu fazia um número aéreo, de voo aéreo, que não tem nada a ver com saltos, com água ou com nada. Eu usava isso para me manter em forma e treinava no seco, sem ajuda. Eu gosto de fazer, sei o que estou fazendo, e mesmo sem ter onde treinar ou sem ir para a piscina ou sem ter altura maior do que dez metros, continuo fazendo. Sim, sou um pouco louca”, admitiu a brasileira.

Jacqueline participou do salto de plataforma de 20 metros de altura em Kazan. Cada atleta teve direito a três tentativas na disputa, e a brasileira se destacou pelo comportamento expansivo – interagiu com público, apresentadores e câmeras durante todo o evento. Ainda assim, contudo, ela terminou apenas em oitavo (186,6 pontos). “Estou muito feliz por estar aqui e por ter chegado até aqui sozinha: sem apoio, sem patrocínio, sem técnico.... Sem nada, na verdade”, disse a saltadora.

“Eu não planejei nada que aconteceu na minha vida, mas não me arrependo de nada que eu fiz. Com certeza que preferiria estar em casa, em Porto Alegre, do lado dos meus pais, das minhas irmãs e dos meus amigos. Mas a vida me proporcionou tantas coisas lindas fora que eu já não me sinto mais de Porto Alegre; me sinto do mundo. Tenho que explorar, conhecer, aprender línguas novas e conhecer culturas diferentes. A vida nômade é difícil às vezes, e tem aquela saudade que por mais que você tenha a tecnologia, que ajuda muito hoje em dia, é complicado”, adicionou.

A transição da brasileira para os saltos de grandes alturas começou há dez anos, quando ela emigrou para a Alemanha a fim de trabalhar com shows de ginástica artística em um parque de diversões. Depois de quatro temporadas, o empreendimento resolveu alterar a natureza da apresentação.

“Meu chefe falou: ‘Jacque, vai ser um show de saltos ornamentais no ano que vem’. Eu disse que estava fora, então, mas ele respondeu que podia tentar me ensinar”, relatou a atleta. O chefe em questão também era brasileiro, e a saltadora passou quatro meses na Ucrânia em 2007 para tentar aprender a nova modalidade.

Isso mudou tudo. Jacqueline fez uma audição para o “The house of the dancing water”, espetáculo teatral realizado em Macau, e a partir disso iniciou uma vida nômade: “Nunca parei para contar, mas já estou no quarto ou quinto passaporte. Já tenho bastantes carimbos”.

Quando faltavam três meses para o término do contrato de Jacqueline em Macau, em 2012, ela resolveu tentar o primeiro salto de uma plataforma de 18 metros. Em pouco tempo, aprendeu seis movimentos diferentes.

Em 2014, a brasileira foi convidada para disputar o circuito mundial de high diving, que é bancado pela fabricante de bebidas energéticas Red Bull. A primeira apresentação aconteceu em junho, meses depois de ela ter cumprido um retiro forçado de um ano e meio por causa de uma lesão no joelho. “Ter chegado até aqui foi um sonho que eu nem sonhei, na verdade. Esse esporte chegou à minha vida por casualidade”, contou a brasileira.

O circuito mundial de high diving tem apenas três etapas femininas. A Red Bull banca os custos dos atletas, como viagens, hospedagens e alimentação, mas Jacqueline só foi convidada para dois eventos em 2015.

A campeã de uma etapa recebe premiação de cerca de US$ 2,5 mil. As compensações financeiras diminuem gradativamente até a oitava colocação, que paga entre US$ 300 e US$ 400. Com essa realidade e sem patrocínio, Jacqueline teve de seguir fazendo trabalhos em circo para sobreviver.

Todo esse cenário fez com que a brasileira aproveitasse a exposição gerada no Mundial para reclamar. Ela esteve em Kazan a convite da Fina (Federação Internacional de Esportes Aquáticos), que custeou todas as despesas, e recebeu da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) apenas a inscrição e os uniformes.

“A confederação não me ajudou. Espero que o tratamento vá melhorar e que as condições e a parceria melhorem. Eles fizeram minha inscrição aqui. Na última hora, mas fizeram. Me mandaram alguns abrigos e alguns maiôs que eu usei hoje. Fiquei muito contente por isso porque me sinto parte do Brasil, de um time que está representando o país em um Mundial. Isso me deixa muito feliz, e eu espero que seja daqui para mais”, comentou Jacqueline. “Primeiramente eles diziam que não era reconhecido pela Fina. Depois disseram que as responsabilidades são todas minhas e que não têm orçamento para o high diving ainda. É um esporte novo. Mas tudo bem: cheguei aqui, estou aqui e espero que melhorem as coisas”, completou.