Topo

Vergonha de usar dinheiro do pai fez Brasil perder ícone da natação mundial

Karla Torralba

Do UOL, em São Paulo

22/01/2015 06h00

Uma carreira rápida e e promissora, mas interrompida no auge, quando era praticamente um garoto. A frase resume a passagem na natação de Manoel dos Santos, medalhista olímpico de bronze pelo Brasil nos Jogos de Roma (1960) e ex-recordista mundial.

Aos 21 anos, ele já possuía medalha olímpica. Um ano mais tarde, foi a vez de se tornar o homem mais rápido do mundo nos 100 m livre. No entanto, no mesmo ano, decidiu que havia chegado a hora do adeus às piscinas, que ocorreu oficialmente em 1962. O motivo: vergonha de usar dinheiro do pai para dar continuidade à sua carreira. Com dificuldades, a família não fez força para demovê-lo da ideia. A federação bem que tentou, mas não teve sucesso.

“Não tinha outro jeito a não ser parar. Era muito amadorismo. Eu não poderia ficar dependendo do dinheiro do meu pai. Não dava. Com 18 anos eu já tinha vergonha, imagina com 22?. Eu não era jovem. Com 25 anos não se é jovem para ficar pedindo dinheiro para o pai”, comentou Manoel dos Santos, hoje com 75 anos, em entrevista ao UOL Esporte.

Em 1960 a natação ainda era amadora. Não havia patrocínios ou grandes incentivos de confederações e mídia. O atleta precisava de talento e enfrentar a falta de dinheiro se quisesse continuar a carreira. O bronze olímpico, por exemplo, foi conquistado doente após participar, dias antes das Olimpíadas de Roma, de um outro torneio, em Lisboa (Portugal). “Nadamos em Lisboa pouco antes com uma água a 16 graus. Faltou profissionalismo da CBD (Confederação Brasileira de Desportos, que cuidava de todas as modalidades olímpicas) da época para me tirar do campeonato por causa dos Jogos de Roma. Eu poderia ter me dedicado mais por medalha”, contou.

A alegria pelo bronze conquistado só não é maior do que o sentimento de que poderia ter subido no lugar mais alto do pódio naquele ano. “Um ano antes eu fiz o melhor tempo do mundo, mas a Confederação Brasileira de Desportes não me deu chance. Faltou acreditarem em mim. Na época eles não acreditavam em ninguém”, disse.

Manoel largou a natação e foi trabalhar com o pai em uma indústria de madeira que a família possuía. Trabalhou na empresa até 1982. Depois disso, abriu uma academia em São Paulo, a qual administra até hoje.

Apesar da carreira de nadador ter terminado rápido, Manoel tem muitas histórias. Desde o início, quando conheceu a natação ao entrar para um colégio interno, até o final, quando bateu o recorde mundial dos 100m. São histórias que expõem o amadorismo do esporte na época e até mesmo certa revolta pela falta de incentivo que enfrentou. 

Após a medalha olímpica veio a ideia de bater o recorde mundial dos 100m. Depois de muito treino, o dia 21 de setembro de 1961 chegou. Em uma piscina do Rio de Janeiro, longe de ser definida como “limpa”, o brasileiro entrou finalmente para a história da natação mundial ao nadar em 53s6.

“Eu treinava em São Paulo. As piscinas não eram aquecidas, treinava em uma piscina de 25m para a prova de 100m. Fui para o Rio para tentar bater o recorde porque estava muito frio naquela época aqui em São Paulo. Eu estava preparado psicologicamente, mas a piscina não dava para ver o fundo por causa da cor da água”, relembrou.

A trajetória de Manoel dos Santos no esporte de alto nível terminou no dia de seu aniversário de 23 anos, no Campeonato Sul-Americano de natação realizado na Argentina.  A memória do nadador guardou aquele momento como o mais marcante de sua curta carreira.

“Eu venci o revezamento e quando eu saí da piscina estava todo mundo cantando parabéns. Foi emocionante. Imagina na Argentina, uma terra que é inimiga do Brasil”, finalizou.