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Por que não há protestos no Mundial de natação na Rússia?

Protestos como os das Olimpíadas de Inverno de Sochi não tem se repetido - Tatyana Makeyeva/Reuters
Protestos como os das Olimpíadas de Inverno de Sochi não tem se repetido Imagem: Tatyana Makeyeva/Reuters

Guilherme Costa

Do UOL, em Kazan (Rússia)

01/08/2015 18h00

Agosto de 2013: alvoroçada por um debate acerca da lei federal contrária à "propaganda homossexual", que havia sido sancionada em junho, a Rússia foi palco de uma série de protestos durante o Mundial da Iaaf (Federação Internacional de Atletismo). As ruas da cidade foram palco de todo tipo de manifestação (contra a comunidade LGBT, a favor da comunidade LGBT, contra o governo, a favor do governo...), e o clima permeou até a competição – desde atletas com unhas pintadas até um beijo entre duas russas no pódio, passando por frases polêmicas de vários lados.

Fevereiro de 2014: o clima e os protestos continuaram durante os Jogos Olímpicos de inverno disputados em Sochi, também na Rússia. A competição foi marcada por uma série de manifestações no entorno das arenas, e o tema principal seguiu sendo o direito dos LGBT. O ativista italiano Vladimir Luxuria chegou a ser preso ao entrar em uma das arenas porque vestia uma camiseta com cores do arco-íris e carregava um cartaz com a inscrição "gay é ok" em russo.

Agosto de 2015: a Rússia voltou a ser palco de uma competição esportiva, mas não o clima de protestos se dissipou. Iniciado no dia 24 de julho, o Mundial de esportes aquáticos de Kazan caminha para a última semana (o encerramento está marcado para 9 de agosto) e ainda não teve manifestações nas ruas. Afinal, por que não há protestos?

O arrefecimento, é claro, tem um pouco a ver com o tempo. A lei que veta exposição de crianças ao que o governo chamou de "propaganda gay" não é mais uma novidade, e isso influenciou na intensidade dos protestos. No entanto, isso não quer dizer que a tolerância tenha aumentado (aliás, ao contrário: segundo uma pesquisa da Universidade de Chicago divulgada pela agência de notícias "Associated Press", o número de russos que admitem não gostar da ideia de ter um vizinho gay subiu de 38% para 51% entre 2012 e 2015).

A falta de protestos em Kazan tem a ver também com o estágio da competição. O trecho mais visado do Mundial de esportes aquáticos, que atrai mais audiência e concentra mais torcida nas arenas, é a natação, cujo início está marcado para o próximo domingo (02).

A falta de protestos também revela um traço importante sobre Kazan: a cidade concentra mais de 160 etnias e já foi premiada pela Unesco em 2002 pela convivência pacífica entre elas. "Nós somos um caso de estudo: por que aqui os povos conseguem coexistir pacificamente? Vivemos muitos anos na Cortina de Ferro, e hoje é uma felicidade para nós a possibilidade de interagir. As pessoas daqui sentem isso", disse o prefeito Ilsur Metshin.

O discurso de Metshin é exagerado, mas explica um pouco um aspecto relevante de Kazan: é uma cidade multiétnica, e isso reflete no comportamento das pessoas. Neste sábado (01), por exemplo, é feriado no local. O festival cultural e musical é comparado por autoridades locais com o Carnaval brasileiro.

Curiosamente, o Mundial de esportes aquáticos de Kazan tem sido marcado pela inclusão. Foi a primeira competição com dueto misto no programa de nado sincronizado, algo que até então era apenas "coisa de mulher", por exemplo. A prova foi disputada por dez duplas, e o par russo ficou com o ouro.

Nos saltos ornamentais, o Mundial é o primeiro de Tom Daley, estrela do esporte britânico, após ter assumido que é homossexual – o atleta contou isso em dezembro de 2013, em um vídeo publicado em seu canal no Youtube.

Em 2009, aos 15 anos, Daley havia se tornado o primeiro britânico a conquistar um ouro individual em saltos ornamentais no Mundial (plataforma de 10m). Na atual edição, em Kazan, classificou-se para a etapa final da mesma prova e ainda obteve outra conquista inédita: na equipe mista, ao lado de Rebecca Gallantree.

Daley vai disputar a decisão dos 10m a partir de 13h30 (de Brasília) deste domingo (02), mas a classificação para a prova final já o colocou nos Jogos Olímpicos de 2016, que serão disputados no Rio de Janeiro. Até o momento, o britânico foi tratado como a estrela que é – não houve qualquer protesto ou manifestação efusiva do público contra ele.

O tema vida pessoal foi abordado apenas na última pergunta a Daley em entrevista coletiva após vitória na equipe mista. Um jornalista questionou sobre a influência que as questões pessoais podem ter na avaliação dos juízes.