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O que a derrota nos 50m borboleta diz sobre o momento de Cesar Cielo

Guilherme Costa

Do UOL, em Kazan (Rússia)

04/08/2015 00h01

“O único lado bom que eu estou vendo nessa história é que não estou nessa situação ao Rio de Janeiro”. Foi assim, entre resignado e preocupado, que o brasileiro Cesar Cielo resumiu sua primeira participação no Mundial de esportes aquáticos de Kazan (Rússia). Bicampeão dos 50m borboleta em Xangai-2011 e Barcelona-2013, o nadador sofreu nas eliminatórias e nas seletivas da prova neste ano e fez apenas o sexto tempo na disputa da medalha. A um ano dos Jogos Olímpicos de 2016 e a quatro dias de voltar à piscina para defender o tricampeonato mundial dos 50m livre, ele vive um momento de pressão inédito na carreira. Mas afinal, qual o tamanho da crise?

Em curto prazo, a resposta mais adequada para isso seria um superlativo. Cielo já fez na carreira tempos que seriam suficientes para vencer os 50m borboleta em Kazan, mas cometeu erros técnicos na semifinal e na prova decisiva. Além disso, admitiu que tem encontrado dificuldade para ganhar velocidade.

“A gente começou o polimento, e o polimento não fez efeito. A gente não ganhou velocidade. Eu sentia que meu corpo estava mais descansado, mas a velocidade... ia dar um tiro, e era a mesma coisa; ia para a competição, e era a mesma coisa. Então, há alguma coisa que não é muscular, porque eu senti uma diferença muscular nesse passar do tempo. É alguma coisa que está desligada, mesmo, que pode ser um cansaço mental e que é deste ano. Normalmente a gente brinca que no polimento é que surgem os grandes atletas, e neste ano o meu polimento foi o de um atleta normal. Não saí do ordinário”, avaliou o atleta.

Depois da semifinal dos 50m borboleta, Cielo chegou a falar sobre fatores externos. O nadador reclamou do frio em Kazan e revelou estar lidando com uma inflamação no ombro esquerdo. Por isso, tem sido submetido a sessões de fisioterapia e tratamento intensivo na vila dos atletas.

Só que o tempo de evolução para Cielo é exíguo. O nadador voltará às piscinas no dia 7 de agosto para disputar as seletivas dos 50m livre, prova em que foi campeão olímpico (Pequim-2008) e se consolidou como um dos maiores do planeta. “É como Fórmula 1: a gente não acertou o carro para agora. A gente errou a mecânica. Então, é tentar corrigir alguns detalhes para o ano que vem. Para agora, acertar um parafuso ou outro que tiver para apertar, mas no geral o carro vai ser o mesmo”, avisou.

Principalmente porque o problema não é apenas o desempenho pessoal. Cielo vem sendo pressionado pela evolução de Florent Manaudou, francês que venceu os 50m livre em Londres-2012. Em Kazan, também foi do gaulês a medalha de ouro nos 50m borboleta.

“É continuar descansando, tentando lapidar uma velocidade um pouco melhor. Vamos ver se esses estímulos e os tiros de borboleta ajudaram um pouco nisso. Não tem muito o que fazer agora. Como a gente brinca quando chega a uma competição, quem treinou, treinou; quem não treinou não tem mais o que fazer. Essa é a hora em que a cabeça tem de estar tranquila para deixar a competição acontecer e tirar a performance. Ganhando ou perdendo, o 50m livre está lá me esperando”, ponderou o brasileiro.

E depois do Mundial?

A perspectiva pessimista de Cielo para os 50m livre reflete algo muito mais relevante: o brasileiro não está confiante no trabalho que tem feito. Ele iniciou o ano com um 23s28, que na época era a melhor marca do mundo nos 50m borboleta, mas evoluiu pouco depois disso. O brasileiro fez 23s21 na prova decisiva de Kazan, e o líder Florent Manaudou fechou o percurso em 22s97.

“Eu não fiz minha parte. Mais do que perder a prova, eu não fiz o que eu sei fazer. Para ser sincero, eu ontem [domingo] saí com a sensação de que não ia pegar nem a semifinal. Depois, saí com a sensação de que não ia nem pegar a final. De algum jeito, eu ainda entrei. Estou com 70% ou 80% da minha capacidade. Para mim agora é um ‘já foi’. Não tem como voltar no tempo, e para ser sincero não tem muita lição por trás disso a não ser ver que foi aqui e não no Rio de Janeiro”, comentou Cielo.

O pior para Cielo é que todo o planejamento de temporada do brasileiro foi voltado ao Mundial. Quando ele nadou mal no troféu Maria Lenk, em abril, essa era a justificativa. Também foi por isso que o brasileiro não esteve nos Jogos Pan-Americanos e preferiu um período maior de aclimatação na Europa.

Após a constatação de que o plano não deu certo, toda a estrutura montada em torno de Cielo também passa a ser questionada. O brasileiro montou em janeiro uma equipe multidisciplinar para prepará-lo até os Jogos Olímpicos de 2016. O time é liderado pelo técnico Arilson Silva, que conhecia o nadador da época do Pinheiros.

A contratação de Ari foi a quarta mudança de técnico de Cielo desde 2012, e os profissionais escolhidos pelo nadador são alvos de uma série de críticas. A principal delas é por causa do modelo: são estudiosos, mas pensam pouco em atividades funcionais e nas necessidades específicas do nado.

Todas essas trocas têm a ver com ideias do próprio Cielo. Muito em função dele, o ciclo até a Rio-2016 foi extremamente atribulado e errático. Isso também tem reflexo no atual momento.

“Acho que com relação à performance é difícil – não está saindo, mesmo. É tentar ficar tranquilo agora. Um dia de cada vez. Não é onde eu estaria de estar, e o único lado bom que eu estou vendo nessa história é que não estou nessa situação no Rio de Janeiro. Dá para aprender com tudo isso aí para no ano que vem chegar melhor”, finalizou o brasileiro. A questão é: que mudanças serão feitas para viabilizar isso?