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Em e-mail, departamento de compras da CBDA admite favorecer parceiros

Reynaldo Vasconcelos / Folhapress
Imagem: Reynaldo Vasconcelos / Folhapress

Demétrio Vecchioli

Colaboração para o UOL, em São Paulo

10/04/2017 13h57

No terceiro processo instaurado a partir das mesmas investigações, o Ministério Público Federal agora acusa o ex-presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) Coaracy Nunes de, junto com mais nove pessoas, ter enriquecido ilicitamente. Entre os documentos apresentados pelo MPF, estão trocas de e-mails entre a CBDA e a Agência Roxy de Turismo, localizada no centro do Rio e que há cerca de 10 anos presta serviços para a confederação. Levantamento do Tribunal de Contas da União em 42 licitações de turismo da CBDA encontrou a Roxy como vencedora em 37.

Documento - Divulgação/MPF - Divulgação/MPF
Imagem: Divulgação/MPF

Para o MPF, isso só foi possível porque havia um favorecimento ilícito. No processo apresentado no último dia 20 de março e ao qual o UOL Esporte teve acesso, os procuradores da República Thaméa Danelon Valiengo e José Roberto Pimenta Oliveira revelam também trocas internas de e-mails, obtidas a partir de quebra de sigilo.

Em um deles, Marina Leite, da Control Eventos, gestora administrativa e financeira dos convênios da CBDA, pede que a Roxy faça alterações no orçamento, indicando qual o valor que deve constar em cada serviço. Em outro, ela cobra que as alterações sejam feitas com urgência e pede “orçamentos de cobertura”. No entender do MPF, seriam os orçamentos da F2 Viagens e da Mundi Tour Viagens, que, para o MPF, são empresas de fachada.

Outro e-mail, enviado a partir do endereço compras@cbda.org.br, assinado por Vitor Ledertheil, supervisor de Compras de Produtos e Serviços da CBDA, deixa claro o problema: “A coordenação e colaboradores das modalidades em questão fazem o contato com os ‘parceiros’ para a execução dos serviços, sem prévia comunicação ao (departamento de) compras. Essa prática já foi explanada e condenada pelo departamento. Já houve manifestação do departamento de compras sobre esta ‘parceria’ que, ao meu ver, não favorece  a CBDA”.

Ele reclama: “O departamento de Compras inclusive sofre punições com essa prática de favorecimento, pois tem que ficar correndo atrás de fornecedor ‘parceiro’ e praticamente implorar, novamente fugindo totalmente do procedimento de compras”. Para o MPF, Coaracy, Sérgio Alvarenga, Ricardo de Moura e Ricardo Cabral, todos diretores da CBDA, “frustraram a licitude de diversos processos licitatórios para a contratação de agências de turismo”.

Na denúncia, o MPF cobra que Coaracy devolva até R$ 46 milhões aos cofres públicos. O MPF entende que ele e outras nove pessoas enriqueceram de forma ilícita, num total de R$ 6,3 milhões, além de multa de R$ 19,1 milhões. Além disso, Coaracy teria causado dano ao erário de R$ 6,8 milhões, o que, com multa, se tornaria R$ 20,5 milhões. Para chegar a essa conta, o MPF somou o valor de dois convênios com o governo federal que envolvem a modalidade polo aquático. No primeiro item, além de Coaracy, são co-réus Moura, Cabral, Alvarenga, a Roxy e seu proprietário (Michael Bruno Wernie), a F2 (e Flávio Ribeiro Correa) e a Mundi Tour (Yvanete Penna Trindade).

Distribuído há três semanas, esse processo por improbidade administrativa corre na 13ª Vara Cível Federal de São Paulo. Na semana passada, a prisão de Coaracy e outros dois dirigentes da CBDA (Alvarenga e Cabral), também novamente denunciados, ocorreu por um processo que corre na esfera criminal e chegou à Polícia Federal. Moura foi outro denunciado, mas está foragido.

Antes, o MPF já havia entrado com outro processo cível, que, em outubro, fez Coaracy ser afastado da presidência da CBDA. Ele conseguiu um recurso e, na semana passada, venceu em segunda instância. No entender da terceira turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, as ações contra a CBDA devem correr no Rio, onde a entidade tem sua sede, e não em São Paulo. Mesmo assim, esse novo processo novamente corre na capital paulista, usando como argumento o fato de que atletas de clubes de São Paulo foram prejudicados. Vale lembrar que é de São Paulo o candidato do grupo de oposição na eleição da CBDA.

Ao longo do processo, o MPF ainda cobra os dirigentes em outros dois casos. Para o MPF, Coaracy, Moura, Cabral e Alvarenga “não deram a devida destinação” a R$ 5,183 milhões de um convênio com o Ministério do Esporte, “uma vez que a seleção brasileira júnior masculina de polo aquático não foi encaminhada ao Campeonato Mundial no Cazaquistão” em 2015. O convênio envolvia dezena de ações, entre torneios de polo aquático, viagens de seleções e clínicas, comprovadamente realizadas, exceto a viagem a esse Mundial. À época, a CBDA alegou que o preço da passagem havia subido expressivamente, diante da alta do dólar.

Como mostrou o UOL Esporte logo após a prisão de Coaracy, a ausência da seleção júnior neste Mundial foi o que desencadeou a crise na CBDA. O ex-jogador Léo Vergara, hoje técnico do Paineiras, tinha dois filhos naquela equipe. A procuradora que iniciou as investigações, Karen Kahn, por sua vez, é mãe de dois atletas que treinavam com Léo, citado diversas vezes como testemunha no processo. A esposa dele também é citada, como agente de turismo, e serve como fonte pros procuradores a respeito de compras de passagens.

A quarta e última acusação do MPF é que os quatro dirigentes da CBDA “se enriqueceram ilicitamente ao se apropriarem indevidamente do valor de US$ 50 mil pagos pela Fina (Federação Internacional de Natação) a título de premiação e que deveria ser repassados aos atletas”. De acordo com jogadores da seleção masculina de polo aquático que ganhou o bronze na Liga Mundial de 2015, não havia um acordo prévio com a CBDA de que o valor seria repassado aos atletas, que testemunharam isso à procuradora Karen Kahn, pelo que apurou a reportagem. De acordo com o próprio MPF, o valor do prêmio, que as federações internacionais sempre pagam às confederações nacionais (e não aos atletas), foi incorporado ao patrimônio da CBDA.

Outro lado

Advogado de defesa da Roxy, David Zangirolami diz que “está havendo um equívoco muito grande”. “Nunca deixou de ser comprada qualquer passagem ou deixou de ser entregue qualquer serviço à confederação”, ela garante, também rejeitando a acusação de superfaturamento. “Os critérios são equivocados. A Roxy não foi a única ganhadora dos processos licitatórios. Nos processos licitatórios que ela participou, ela ganhou porque de fato ofertou o melhor preço”. Ele disse desconhecer a troca de e-mails que consta nos autos e, por isso, não quis comentar. Marina Lara, da Control Eventos, também alegou desconhecer os autos e não quis se pronunciar.

O UOL Esporte não conseguiu localizar Vitor Ledertheil, nem a defesa de Coaracy. Os telefones da Mandi Tour e da F2 que constam nos autos ou não pertencem a elas ou não foram atendidos. A reportagem falou com o escritório de contabilidade Arnaldo Santos, que prestava serviços à F2 e disse que a empresa está inativa “há anos”. Questionado sobre o contato de Flávio Ribeiro Corrêa, que está entre os denunciados e que seria o proprietário da F2, disse que também procura pelo empresário, que tem dívidas com o escritório.