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Mortes na Europa e falta de regra no Brasil colocam wingsuit em xeque

Nos últimos 20 dias, seis pessoas morreram na Europa em saltos com wingsuit - China Daily/Reuters
Nos últimos 20 dias, seis pessoas morreram na Europa em saltos com wingsuit Imagem: China Daily/Reuters

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

24/08/2013 06h02

Na Europa, foram seis mortes nos últimos 20 dias. No entanto, não é apenas no Velho Continente que o wingsuit tem gerado controvérsia. O traje especial usado para saltos radicais já virou tema de debate no Brasil, onde ainda é bem menos popular. O principal motivo para isso é a ausência de uma legislação que balize a prática.

No último dia 13 de agosto, o wingsuit foi um dos temas abordados em reunião da CBP (Confederação Brasileira de Paraquedismo). Dirigentes de entidades estaduais mostraram preocupação com o crescimento do uso do traje, a despeito da ausência de uma regulamentação.

O wingsuit pode ser usado em dois tipos de saltos: no paraquedismo comum ou no base jump. A diferença básica entre as duas modalidades é a origem – um avião, helicóptero ou outro bólido, no primeiro caso, e uma superfície móvel, como um prédio ou uma montanha, no segundo.

O base jump também usa um paraquedas especial, sem equipamento reserva, dobrado de forma diferente. Portanto, a prática não é considerada paraquedismo.

“A pessoa que salta de base jump não é paraquedista. Ela pode até ser paraquedista de formação, mas não está fazendo paraquedismo ali. Deixamos muito claro que o base jump não tem nada a ver com o que nós fazemos”, disse Luiz Claudio Santiago, o Dim, presidente da CBP.

A primeira dificuldade para criar uma regulamentação para o wingsuit, portanto, é essa celeuma: o traje pode ser submetido às normas do paraquedismo ou do base jump, que ainda não possui uma entidade de representação nacional.

“Por não ter normativa ou confederação, qualquer um pode comprar hoje em dia o equipamento de base jump, subir uma montanha com um traje de wingsuit e se jogar. O cara pode ir ao alto do Pão de Açúcar e pular. Quem pode impedir?”, questionou Alan Constâncio da Silva, membro do comitê de instrução e segurança da CBP. “A única coisa que existe em algumas cidades é monitorar onde acontece o salto. A polícia pega o cara porque ele entrou em um prédio sem autorização, por exemplo”, completou o instrutor.

É justamente por causa da ausência de regulamentação que surge um dos principais problemas do base jump: o uso do equipamento (e do wingsuit) por pessoas sem preparação adequada.

“Tem um monte de maluco fazendo isso, mas vai ser assim até o dia em que um deles passar dos limites. Não tem nada de seguro no que esses caras fazem”, ponderou Luiz Oliveira, presidente da Federação de Paraquedismo do Rio de Janeiro.

Oliveira diz que há um grupo crescente de usuários de wingsuit no Rio de Janeiro. Eles fazem base jump em pontos como a Pedra da Gávea e o Recreio dos Bandeirantes.

“Eles têm categoria, mas fazem loucuras. Nós, paraquedistas, abrimos o paraquedas a mil metros do chão. Eles saltam de 300 metros de altura. Já temos até alguns que saltam na direção da praia e estão querendo pousar sem abrir o paraquedas. Esse é o sonho deles”, continuou o presidente da federação estadual.

Pela falta de regulamentação e pelo risco que esses atletas oferecem, Oliveira é enfático ao condenar as práticas não autorizadas de wingsuit (com paraquedas tradicional ou base jump): “Nós repudiamos isso. Outro dia, um maluco estava usando o nosso nome para saltar da Ponte Rio-Niterói”.

Os paraquedistas no Brasil são divididos pela quantidade de saltos feitos. As categorias vão de aluno (0 a 25) até D (mais de 500 saltos). O uso do wingsuit é indicado apenas para atletas dos dois últimos degraus hierárquicos (C e D).

Portanto, a CBP indica o wingsuit apenas para atletas que tenham feito ao menos 250 saltos. A confederação também sugere treinamento específico para o uso da roupa, que permite um deslocamento horizontal ao usuário.

“O paraquedismo é uma queda puramente vertical, mas o wingsuit dá a oportunidade de o paraquedista ter um grande deslocamento horizontal. Você consegue, por exemplo, sair a quatro milhas do alvo e chegar com facilidade”, explicou o atleta Ruy Fernandes, um dos precursores do wingsuit no Brasil.

Quando começou a usar o traje, Fernandes já acumulava 400 saltos de paraquedas. “A gente está numa margem em que o nível técnico é muito grande. Tem de ser uma pessoa muito experimentada”, afirmou o atleta, que também é consultor de trabalho em altura.

O problema é que esses parâmetros são apenas tácitos. “Você pode comprar o equipamento mesmo sem ter saltado várias vezes. Não existe licença que proíba”, completou Fernandes.

No caso do uso do paraquedas convencional, de acordo com o atleta, os próprios profissionais acabam determinando limites: “Dificilmente um cara consegue saltar escondido. Ele passa por várias circunstâncias em que pode ser identificado. Até o piloto vai querer saber quem é o cara”.

O problema maior é o base jump, que não tem sequer uma exigência mínima imposta por uma confederação. É por isso que as associações regionais que cuidam dos interesses da prática estudam uma forma de montar uma unidade.

“Na Suíça, você liga para um telefone antes de saltar e garante o bloqueio do espaço aéreo. O que nós precisamos no Brasil é desse tipo de padronização. Vamos ver se para o próximo ano nós já conseguimos criar essa confederação”, finalizou Fernandes.