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"Inventor" do skate viveu entre ondas, drogas, cadeias e Jesus

Jay Adams, em 1978; jovens pobres levaram técnicas do surfe às pistas - Jim Goodrich
Jay Adams, em 1978; jovens pobres levaram técnicas do surfe às pistas Imagem: Jim Goodrich

Adriano Wilkson

Do UOL, em São Paulo

16/08/2014 06h00

Dogtown é um bairro pobre no litoral de Los Angeles, Califórnia, onde as ruínas de um parque aquático abandonado criaram o que os surfistas locais batizaram de “A Caverna”. A Caverna era um pedaço do oceano Pacífico limitado por troncos de madeira e pedras dispostos em formato de U, aonde garotos de famílias arruinadas por violência doméstica, desemprego e vício em drogas iam diariamente para surfar.

Surfar na Caverna era incrivelmente perigoso porque havia pouco espaço para muitos surfistas. Eles precisavam desviar de si mesmos e de imensos pedaços de pau fincados no solo do oceano.  E eles costumavam cair na água de manhã cedo, quando o mar estava mais agressivo. Os rapazes se orgulhavam de arriscar suas vidas no lugar, se orgulhavam do lugar em si, e o defendiam da invasão de intrusos. Você precisava conquistar o direito de surfar na Caverna.

Isso fazia daqueles surfistas garotos que desde cedo tiveram de provar que eram alguém. Entre eles, estava o cabeludo e esquentado Jay Adams.

Jay Adams fazia parte de um grupo que ficou conhecido nos anos de 1970 como os “Z-Boys”. Quando os Z-Boys não estavam na Caverna, você podia vê-los surfando no asfalto, em bancos de praça e calçadas de Dogtown. Se hoje em dia existe uma semelhança entre o jeito que skatistas e surfistas se movimentam sobre suas pranchas, entre o jeito que se movem para atacar uma onda ou um corrimão, o jeito de tocar com as mãos a água ou o asfalto, isso é por causa dos Z-Boys e, particularmente, de Jay Adams.

Se o esporte é como ele é hoje, isso é por causa os que eles faziam na Caverna.

Adams morreu na sexta, aos 53 anos, vítima de problemas cardíacos durante uma viagem de férias com a família. Ele tinha ido ao México para surfar. A notícia pegou de surpresa e comoveu o mundo do skate.

Antes de Jay Adams, andar de skate era basicamente descer ladeiras. Os garotos de Dogtown assombraram o mundo ao se aproveitar do surgimento das rodas de poliuretano, que lhes permitiam maior liberdade de movimento, para repetir as manobras do surfe em piso seco. Os Z-Boys eram garotos que não tinham nada na vida além de seus skates. Eles tinham todo o tempo do mundo para aprimorar o estilo de suas manobras. Aos poucos, foram dedicando mais tempo ao asfalto que à água.

No começo dos anos 1970, quando Adams era um adolescente, houve uma grande seca na Califórnia. As pessoas deixaram de encher suas piscinas. E os Z-Boys começaram a andar de skate nelas. Eles descobriam quando os moradores estavam fora da cidade, pulavam cercas e ficavam praticando até a chegada da polícia. Chegaram ao ponto de comprar bombas de sucção para tirar qualquer resto de água das piscinas.

Foi o início de uma tradição que existe no esporte até hoje.

“Jay trouxe uma personalidade sem-noção ao skate, e o skate sempre foi um pouco rebelde”, disse Danny Way, que já foi eleito duas vezes o skatista do ano.

Mas a biografia de Adams como um dos pais fundadores do esporte sempre será marcada por momentos de depressão, dependência química, envolvimento com tráfico, violência e um final redentor, no qual ele abraçou a fé cristã e começou a ir a escolas para aconselhar crianças a não cometer os mesmos erros que ele.

Como loucos

“Nós agíamos como loucos, usávamos drogas o dia inteiro e não éramos exatamente um modelo a ser seguido”, reconheceu Adams sobre seu cotidiano como um skatista profissional. “Para mim e para minha geração, as drogas faziam parte de tudo. Para o pessoal de Dogtown era como se, se você não usasse drogas, você não poderia nem sair com a galera. Eu comecei como todo mundo, fumando maconha e bebendo, e depois tomando pílulas.”

No começo dos anos 1980, vieram a cocaína e a heroína. Numa dessas noites, em Hollywood, sem nenhum motivo ele atacou um casal de homossexuais. Outras pessoas se envolveram na confusão, houve uma briga e um dos atacados morreu. Adams foi para a cadeia pela primeira vez, por seis meses.

Não seria a última. Ele passaria as próximas duas décadas em uma rotina de idas e vindas entre diferentes prisões dos Estados Unidos, por variados motivos, todos ligados à sua dependência química.

No final dos anos 1990, ele perdeu no intervalo de um ano, seu pai, sua mãe, sua avó e um irmão. Essa tragédia familiar o empurrou para um quadro de profunda depressão, e ele só conseguiu apoio nos braços da heroína.

Os problemas com as drogas reduziram drasticamente seu envolvimento com o esporte.

Quando seu amigo e ex-Z-Boy Stacy Peralta lançou um filme sobre os tempos de Dogtown, Adams cumpria pena por envolvimento em um grande esquema de tráfico de metanfetamina.

“Minhas nove vidas acabaram muito tempo atrás", disse ele em uma entrevista dias antes de sair pela última vez da cadeia (nos EUA, o mito diz que gatos têm nove e não sete vidas, como no Brasil). "Os planos de Deus para mim são diferentes daquilo que eu tenho feito.”

Aproveitando sua popularidade, ele se engajou em um projeto educacional cujo objetivo era alertar crianças e adolescentes sobre o perigo das drogas. Passou seus últimos dias dividido entre esse projeto e cultos na igreja da cidade onde vivia.

“Eu me sinto abençoado por estar vivo. Nós cometemos vários erros na vida. Tomara que possamos ajudar algumas crianças a não cometer os mesmos erros, a não andar nas mesmas ruas que andamos”, disse ele recentemente, com o rosto marcado por tatuagens que também tomavam boa parte de seu corpo.

“Adeus, Jay Adams. Obrigado por nos inspirar a ficar em pé e forçar os limites do que é possível”, escreveu Tony Hawk, o nome mais conhecido do skate mundial.