Sampraiano

Há três meses no Santos, Jorge Sampaoli curte cidade com praia, bicicleta, café na padaria e cadelas na praça

Diego Salgado e Eder Traskini Do UOL, em São Paulo Ivan Storti/Santos

Jorge Sampaoli é um cara vivido. Natural do acanhado município de Casilda, perto de Rosario, o argentino pôde conhecer cidades de tipos bem distintos por meio do futebol e da carreira tão eclética. Nos últimos 15 anos, o técnico já morou em Lima, no Peru, Guayaquil, no Equador, Santiago, no Chile, Buenos Aires, na Argentina, e Sevilha, na Espanha.

Há pouco mais de três meses, Sampaoli acertou com o Santos e passou a viver no litoral paulista. E, segundo relatos de um amigo de infância, enfim encontrou a paz, mesmo diante da responsabilidade do cargo que ocupa. Os hábitos do treinador de 59 anos provam como a cidade de Santos se tornou uma espécie de refúgio para um homem que preza pela simplicidade.

Sampaoli já abdicou de uma casa em um lugar mais reservado, cheio de mansões, para ficar mais perto da praia e do contato com o povo. Sem se esconder, já foi flagrado em momentos inusitados como andando de bicicleta pelas ruas de Santos ou se arriscando em uma partida de futevôlei.

O treinador vive a cidade como um legítimo praiano ao lado da esposa, das cadelas e do melhor amigo. A pacata Casilda, de alguma forma, voltou à vida do viajado Sampaoli.

Ivan Storti/Santos
Ivan Storti/Santos

Em paz, enfim

"Ele está curtindo a cidade. E aqui no Brasil a imprensa é mais tranquila, ele já esteve muito pressionado".

A percepção é de Gustavo Pinelli, amigo de juventude que aceitou um convite para morar em Santos com o treinador. Gustavo tem notado uma leveza maior no técnico do Santos. Há quase dois anos, Sampaoli teve pela frente o maior desafio da sua carreira. Em junho de 2017, ele aceitou um convite da Associação de Futebol Argentino (AFA) e passou a comandar a seleção argentina na reta final das Eliminatórias da Copa da Rússia.

A vaga no Mundial foi conquistada a duras penas. No torneio, a campanha argentina fez a imprensa do país criticar o treinador de forma contundente. A eliminação precoce nas oitavas de final aumentou a pressão, e a demissão foi questão de tempo.

Em Santos, a situação é completamente oposta e moldada por meio de desempenho elogiável da equipe santista. Nem mesmo a eliminação na primeira fase da Copa Sul-Americana e as goleadas sofridas para Ituano (5 a 1) e Botafogo (4 a 0) abalaram o prestígio do técnico argentino, que agora tenta levar o Santos à final do Campeonato Paulista.

Ivan Storti/Santos FC

Técnico do povo

Ele não passa despercebido. Basta dar as caras na rua movimentada onde vive para que os vizinhos entrem em alerta. Por isso, há algumas semanas, Sampaoli virou atração nos quarteirões que frequenta. Diante disso, a relação entre ele e os vizinhos é extremamente saudável.

Abordado por diversas pessoas durante seu caminho, o treinador não mostra incômodo algum nisso. Ao contrário do semblante fechado que mostra à frente das câmeras em jogos e treinos, o argentino dá atenção, acena e distribui sorrisos, sem seguranças por perto.

Sampaoli é daqueles que acorda cedo independentemente do dia. É uma maneira de aproveitar a praia, que fica a uma quadra e meia de onde mora. Lá, ele anda perto do mar ou pedala na orla. É assim que ele inicia mais um dia na cidade. O vai e vem do treinador no portão do prédio onde mora proporciona encontro com os novos vizinhos, que já se sentem companheiros dele.

Mesmo na figura de treinador do Santos, o argentino mantém o jeito simples. Na última semana, autorizou a entrada de meninos no CT Rei Pelé depois de vê-los pendurados numa árvore.

"Minha faculdade foi na rua, na vida, tudo que tinha a ver com a realidade", disse o treinador em uma entrevista concedida ao Onda Cero no começo de 2017. Na ocasião, ele criticou o crescimento do individualismo do ser humano.

O pessoal aqui adora. No começo somente eu acenava para ele. Agora ele é quem acena para mim, virou meu companheiro

Cláudio de Moraes, segurança de uma academia

Ele anda de bermuda e chinelo, muitas vezes sem camisa, parece um surfista. Ele me deu um autógrafo na porta do prédio

Daiana de Amorim, dona de uma peixaria

Ivan Storti/UOL Esporte

Saída do morro para a praia

Sampaoli assinou com o Santos na segunda quinzena de dezembro, meses depois de comandar a seleção argentina na Copa do Mundo da Rússia. Depois do fracasso no Mundial, o treinador chegou a ser visto em uma praia de Miami, nos Estados Unidos, curtindo as férias ao lado da esposa.

Em Santos, Sampaoli nem precisou se preocupar com grandes deslocamentos para ir à praia. Nos primeiros dias, o argentino morou em hotel no Gonzaga, bem próximo à orla santista. Em março, mudou-se para o Morro Santa Terezinha, lugar mais reservado da cidade, mas distante das areias.

A característica fez Sampaoli mudar de ideia em menos de uma semana, trocando as mansões do morro por uma cobertura que pertenceu ao goleiro Rafael Cabral, campeão da Copa Libertadores da América com o Santos em 2011. De volta às ruas próximas à praia, Sampaoli abandonou, por exemplo, o carro, que praticamente não é usado por ele. "Lá ele demorava mais para fazer as coisas, porque era mais longe de tudo. Aqui fica fácil. Ele consegue ser quem ele é", disse o amigo Gustavo.

Hábitos simples

Pela manhã, Jorge Sampaoli tem apenas de atravessar a rua de sua casa para chegar à padaria onde toma café, compra pão e algumas vezes almoça. O lugar é famoso em Santos e bastante movimentado, mas nada que desencoraje o treinador. "Sempre reconhecem ele. Uma vez estava almoçando e parava de comer a todo momento para tirar fotos com os clientes", conta uma das atendentes do lugar.

Assim como nas coletivas, o argentino opta por falar em espanhol, mas isso não é um problema. Segundo os funcionários que trabalham no local, é fácil entender o técnico e ele é sempre simpático. A língua só faz o treinador ser ainda mais facilmente reconhecido, apesar de não ter muito como se camuflar devido à baixa estatura e às tatuagens que cobrem seus braços.

Nem sempre o argentino vai ao local sozinho. Às vezes tem a companhia da esposa que mora com ele ou do amigo Gustavo Pinelli.

Daniel Vorley/AGIF
Diego Salgado/UOL Esporte

A vinda da esposa e do amigo

Em 25 anos de carreira como treinador, Sampaoli nunca teve tanta companhia em uma cidade fora da Argentina. Depois de um mês e meio em Santos, o técnico viu a esposa, que é chilena, e Gustavo Pinelli se juntarem a ele na cidade. As quatro cachorras que é dono também foram trazidas para o Brasil na mesma viagem.

Gustavo, por exemplo, acompanha o amigo pela primeira vez, pois se separou recentemente e já tem filhos grandes. Tê-lo por perto é uma forma de se sentir em Casilda, onde se conheceram quando tinham 18 anos. Desde então, eles se tornaram grandes amigos, com direito a viagens em família.

Sampaoli tem dois filhos adultos que vivem na Argentina - um tem um comércio e a outra é professora de educação física. Na época em que treinava o Sevilla, ambos o visitavam com frequência, até mais que a esposa, que não se mudou para a Espanha. Agora, em Santos, o argentino a tem por perto.

Getty Images

Paixão animal

Sampaoli tem quatro border collies, raça de cachorros de tamanho médio. Todas são fêmeas e chilenas, adquiridas na época em que treinava a La U, no Chile. A mais nova tem cinco anos e a mais velha tem sete.

A raça tem pelagem branca com manchas predominantes em cores variadas, as cadelas de Sampaoli são de quatro cores diferentes: Lola, de pelagem cinza (merle azul), Satia, de pelagem preta, Nala, de pelagem marrom, e Bucha, de pelagem caramelo.

As cadelas são uma paixão de Jorge Sampaoli e recebem os cuidados do amigo Gustavo. Cães de trabalho, os border collies têm alto nível de energia e são conhecidos pela inteligência. Como o técnico nem sempre tem tempo, é ele quem vai todos os dias ao apartamento de Sampaoli para passear com as quatro fêmeas. Quando consegue um tempo, o treinador do Santos também sai com as cadelas. Isso acontece quase sempre na parte da noite, depois que ele retorna do CT do Santos.

Reprodução

Bicicleta de presente

Jorge Sampaoli completou 59 anos no mês passado e ganhou de presente de aniversário dos diretores do Santos uma bicicleta. Foi então que Sampaoli trocou a corrida na beira do mar por pedalar na ciclovia da orla da praia de Santos. Na ocasião de seu aniversário, o técnico chegou a dizer a pessoas próximas que sentia um carinho muito genuíno de todos na cidade.

Recentemente o argentino foi flagrado indo para o treino do Peixe no CT Rei Pelé utilizando a bicicleta. De sua cobertura até o centro de treinamento do Santos são cerca de quatro quilômetros e o treinador utiliza a ciclovia do Canal 2 para chegar até o CT.

O argentino costuma fazer isso quando não tem tempo para pedalar cedo na praia ou quando tem mais tempo livre. Ele gosta de chegar cedo ao CT do Santos e costuma sair depois de todos os jogadores, sempre estudando o adversário seguinte.

O técnico também gosta de malhar e o faz em todos os intervalos possíveis que tem no CT. Funcionários do Santos já aprenderam: quando não sabem onde Sampaoli está, é só procurar na academia e irão encontrá-lo malhando. Nas viagens do Peixe para jogar fora de casa, o argentino também sempre arruma um tempo para treinar.

Acervo pessoal

Debutante nos esportes de praia

Desde seus primeiros dias em Santos, hospedado ainda em um hotel, Sampaoli descobriu os esportes de praia. Foi durante uma de suas corridas pela orla que o argentino parou próximo a uma rede de futevôlei no canal 3 e foi imediatamente reconhecido.

Convidado para jogar, o argentino não se intimidou e aceitou. No entanto, com Sampaoli não existe brincadeira. Viciado em vencer, o técnico do Santos se mostrou competitivo até no futevôlei, vibrando a cada ponto e se lamentando a cada erro.

"Ele chegou na rede muito simples, muito humilde. É competitivo, não quer perder não. Ele é muito 'gente boa', sensacional. Foi a primeira vez que jogou na vida, mas tem qualidade", disse Gilberto, frequentador assíduo do futevôlei na praia de Santos e que formou dupla com o treinador.

Depois do futevôlei, Sampaoli conheceu o tênis de praia e gostou tanto de praticar que chegou a pagar para ter aulas com um professor da modalidade. Além dos dois, o argentino também gosta de brincar de futmesa, espécie de tênis de mesa jogado com os pés e uma bola de futebol, o qual Sampaoli também brinca com os jogadores do Santos dentro do vestiário.

Ivan Storti/UOL Esporte

Obsessão pelo trabalho

Sampaoli curte uma praia, mas o trabalho vem sempre em primeiro plano. Na chegada ao Santos, ele chegou a comandar treinos em dois períodos e não escondeu o nível de exigência nas atividades no centro de treinamento santista.

Por levar muito a sério, Sampaoli quase sempre aparece pilhado à beira do campo. A atuação reserva centenas de passos na área destinada aos treinadores e muitas reclamações com o quarto árbitro.

Sampaoli também evita a imprensa. Desde que chegou ao Santos deixou claro que só falaria em entrevistas coletivas, mas mesmo essas são pouco numerosas e, até aqui, apenas após os jogos. O argentino não concede entrevistas exclusivas, quase sempre foi assim em todos os clubes que passou durante sua carreira. Para ter um bate-papo bom com o treinador, o caminho mais fácil é mesmo a praia.

Topo