Fumava, cheirava e bebia

André Neles, ex-atacante do Palmeiras, conta ao UOL Esporte como ganhou o apelido 'Balada' e superou as drogas

Marcello de Vico e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo FERNANDO SANTOS/FOLHA IMAGEM

"Você está num barzinho tomando cerveja e vendo o cara cheirar. Aí o cara que cheirou te oferece. Você vai e pega. Na balada, entra no banheiro e tem cara cheirando: 'Você quer aí, negão?' E você vai e pega."

O depoimento acima descreve os problemas enfrentados por um ex-jogador que tinha potencial e acabou vendo o seu talento sendo desperdiçado.

Desperdiçado pela vida noturna agitada e pelo vício por drogas e bebidas. O nome era André Neles, mas a maioria dos torcedores lembra dele, mesmo, pelo apelido: André Balada. Foi um promissor atacante que apareceu no Atlético-MG no início dos anos 2000, foi vendido para o Benfica, mas entrou em decadência quando foi emprestado para o Palmeiras em 2003. Encerrou a carreira no fim de 2017, jogando pelo Alecrim-RN. Pouca gente soube de sua aposentadoria ou lembra dos últimos clubes pelos quais passou.

Em suas palavras, a sua maior chance foi no Palmeiras, mas não conseguiu lidar com a pressão e a sedução noturna de uma megalópole como São Paulo, além de reclamar das poucas oportunidades que recebeu do técnico Jair Picerni. Durante o período no time alviverde, o jogador rendeu-se ao álcool e às drogas e não conseguiu mais se reerguer profissionalmente.

O jogador morreu aos 42 anos, vítima de um ataque cardíaco fulminante, um ano depois de falar ao UOL Esporte sobre sua vida e carreira. A seguir, leia a última grande reportagem sobre o craque.

Arte/UOL

A droga é uma loucura. Você esquece filhos, esposa... Você esquece que tem mãe, que tem amigos, que tem profissão. A cocaína te joga no mundo do abismo e você fica cego, obcecado. E não consegue enxergar mais nada além da droga. É uma coisa demoníaca, entendeu?

André Neles

Arte/UOL Arte/UOL

Como nasceu o "Balada"

O nome é André Moreira Neles, mas o atacante se popularizou como André Balada. Segundo o ex-jogador, o apelido surgiu em um treino no Palmeiras no início dos anos 2000, quando um repórter da Record ouviu o volante Magrão o chamando de Balada. Rapidamente, a alcunha se espalhou e passou a ser usada nas transmissões.

"Ser chamado de Balada é algo que pegou. Na época do Palmeiras, eu ia muito para a noite, quase todos os dias. Só não ia em véspera de jogo porque concentrava. Aí o pessoal começou a me chamar. Pegou no Brasil todo e não teve como tirar. Fiquei conhecido até hoje. Muita gente pergunta na rua e ninguém sabe quem é o André. É André Balada", disse.

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"Até o Palmeiras, era só ascensão"

Aos 25 anos, André realizou o sonho de jogar com a camisa do Palmeiras ao ser emprestado pelo Benfica. "Fui sozinho para Portugal quando tinha 23 anos. Foi uma experiência muito boa, mas eu não joguei muito. Não consegui me adaptar ao estilo de jogo português. Fiz contrato com o Benfica de seis anos e joguei dois anos no clube. Nos outros anos, eu pedia para ser emprestado", disse André.

A saída para o Palmeiras vinha com o sonho de jogar. Mas o objetivo não se concretizou. No Palestra Itália, amargou também a reserva e ganhou mais notoriedade pelo apelido do que pelos gols. Foram apenas sete jogos. Só balançou as redes uma vez. Na época, o time jogava a Série B do Brasileirão e ele disputava posição com Vágner Love.

"Até eu chegar ao Palmeiras, era só ascensão. Foi um divisor negativo de águas. Depois, eu comecei a cair".

Se eu tivesse optado por outro clube, teria jogado mais e mostrado o meu futebol. Poderia ter sido diferente."

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Drogas surgiram no momento de baixa

Vulnerável com a reserva no Palmeiras, André não conseguiu suportar a pressão e acabou seduzido pelas drogas e pelas noites paulistanas. Nunca mais conseguiu recuperar o bom futebol.

"Foi o momento mais crítico da minha vida toda. Não só no profissional, mas também no lado pessoal. Porque eu bebia, eu fumava e eu cheirava pra tentar suprir aquele vazio. E o que era esse vazio? Jogar futebol. Era a única coisa que eu sabia fazer na vida. Eu não jogava futebol por dinheiro", disse.

Venho daquela geração que jogava descalço na rua. O meu pai me deu uma bola e falou: 'vai se divertir. Se você vier a ser jogador, tudo bem. Se não vier, também não tem problema, não'. Não tinha essa pressão, entendeu? Eu não fazia por dinheiro. Fazia porque eu gostava de jogar bola

André Neles

FERNANDO SANTOS/FOLHA IMAGEM

André Balada elege um vilão

Embora tenha enfrentado uma série de problemas extracampo, o ex-jogador aponta mais um culpado por seu fracasso no clube do Palestra Itália: o técnico Jair Picerni. André acusa o treinador de esquecê-lo no banco de reservas e relembra que foi escalado apenas uma vez como titular. Foi diante do Vila Nova, após pressão dos líderes do grupo, como o goleiro Marcos. Ele acabou substituído no intervalo por Thiago Gentil.

Picerni se defende: "É André o quê? Balada. A resposta está aí no nome dele. André Balada... Se ele tiver que falar mal, tem que falar dele, da vida dele. Não da minha. Ele nem me conhece. Quem se atrapalhou foi ele mesmo. Se ele não jogou é porque não era qualificado para jogar no Palmeiras. Nada pessoal, é profissional. Eu vou atrapalhar? Pergunta para o resto do grupo que estava na época. Se eu vejo hoje na minha frente nem conheço o cara. Dá um toque para ele não falar mais no meu nome".

Após a conquista da Série B pelo Palmeiras, o atacante, que pertencia ao Benfica, decidiu que não valia a pena seguir no clube do Palestra Itália e foi tentar a sorte de novo em Portugal. Em 2004, defendeu o modesto Marítimo.

"Fui para o Marítimo e tentei me adaptar a um novo clube. Achei que era como o Benfica, mas não é a mesma cultura. Eu não consegui jogar em Portugal", lamentou. O atacante se transformou em andarilho e acertou sua volta ao Brasil.

O meu problema não foi com o Palmeiras. Quem atrapalhou a minha carreira não foi o clube, foi o treinador. Porque o presidente (Mustafá Contursi), o diretor que me contratou e a comissão técnica confiavam em mim. O problema era o Jair Picerni. E ele falou: 'não vai jogar comigo'

André Neles, sobre Jair Picerni

Como titular eu joguei uma partida contra o Vila Nova e ele me tirou no intervalo. Fizeram uma pressão pra ele me colocar e, mesmo com a pressão do Marcão, não teve jeito. Quando o treinador não quer, não adianta. Ele te põe e te tira no primeiro tempo pra te queimar mais ainda

André Neles, sobre Jair Picerni

Arte/UOL

"Fui embora pra casa com um revólver, doidão"

Em um dos momentos em que estava mais perdido no Palmeiras, André comprou até uma arma. Para se defender do quê? Nem ele se recorda.

"Eu não sei o que deu na cabeça. Eu fui lá num lugar comprar droga e o cara falou: 'Ó, eu tenho um revólver pra vender aqui. Quer comprar?' Aí eu falei: 'Me dá aí', Eu peguei o revólver, dei 500 contos, entrei no carro e nunca mais vi o cara. Até hoje nem sei quem é o cara. Fui embora pra casa com o revólver, doidão. Eu não sabia o que eu estava fazendo. Somente no outro dia é que eu fui me ligar que eu tinha comprado um revólver. Eu nem sabia de nada. Nem mexer em revólver. Claro que eu credito isso às drogas."

Goleiro levou André Balada "na marra" para a igreja

Depois de uma passagem rápida pelo Marítimo e um retorno relâmpago ao Atlético-MG, André foi tentar a sorte no Figueirense em 2004. O começo teve os mesmos problemas do Palmeiras. "Nessa fase, eu tinha um monte de mulheres, mas, graças a Deus, não fiz mais filhos. Essa fase do Figueirense foi a pior porque eu já estava à beira da morte, na verdade. Eu já andava armado, já andava na favela, frequentava casa de traficante, vivia só doidão. E não jogava. Foram os piores momentos da minha existência".

A mudança pessoal começou a ocorrer após a ajuda de um colega de Figueirense. O goleiro Gustavo (na foto ao lado, com André) decidiu que era o momento de André dar um basta na "vida loka" fora dos campos. Depois de muita insistência, conseguiu convencer o centroavante a conhecer a sua igreja.

"O Gustavo falou: 'André, vamos na igreja comigo? Aí eu falei não: 'Não vou, eu não gosto de crente, não. Não vou mexer com isso, não. Igreja, não'. E eu corri do Gustavo umas quatro, cinco vezes. Eu não queria ir para a igreja de jeito nenhum. Até que um dia o Gustavo falou: 'Hoje você vai para a igreja comigo'. E eu falei: 'então, vamos para a igreja'".

"É onde começa a minha verdadeira história. Eu fui para a igreja e, chegando lá, o pastor falou: 'Você aí'. Ele nunca tinha me visto na vida. Eu nunca tinha ido para a igreja. Ele continuou: 'Vem pra frente que eu quero fazer uma oração pra você'. E o pastor colocou a mão na minha cabeça e, na hora que ele botou a mão na minha cabeça, eu caí no chão. Eu não vi mais nada e comecei a chorar. Parecia que tinha um negócio entrando no meu coração, me limpando, me purificando. E eu chorando, chorando. Mas era um choro de alegria, um choro de esperança, um choro de renovação".

André Balada ainda teve um período de transição antes de ser batizado, em 2006, na Igreja Evangélica Quadrangular, de Uberlândia. Atualmente, o ex-jogador frequenta a Igreja Advec, em Natal, ligada à Assembleia de Deus, liderada pelo pastor Silas Malafaia.

Eu estava vendo que ia morrer. Uma overdose, tomar um tiro, dar tiro em alguém, sair em confronto com a polícia, enfim... Doidão você não sabe o que faz. E eu falei: 'Não! Eu posso ter uma vida diferente!' A primeira coisa que fiz quando cheguei em casa foi jogar o revólver fora

André Neles

André é uma pessoa diferente. É uma pessoa especial, uma pessoa que tem a sua particularidade. Porém ele, de qualquer forma, não podia ficar da forma que estava. Se ele ficasse da forma que estava, hoje ele não estaria mais conosco. Mas se não fosse eu, com certeza Deus iria levantar outra pessoa

Ex-goleiro Gustavo

Sobre a abstinência: "Foi muito complicado"

André Balada diz que está livre das drogas e do álcool há mais de 11 anos, mas admite que o período de transição não foi nada fácil. O mais complicado era recusar os convites de amigos que o chamavam para sair, pois "a cerveja era a porta de entrada para droga".

"Se eu tomasse um copo, eu usava droga. Se eu não tomava, eu não usava. Então, o que eu fiz? Cortei o mal pela raiz. Me afastei de bar, de balada, de noite... Esses primeiros seis meses foram muito difíceis. Você está vindo de uma vida naquela pegada de balada e, de repente, abandona tudo da noite para o dia. Então, foi um momento complicado".

"Com o passar do tempo, um ano, mais ou menos, eu já conseguia sentar no barzinho para tomar um refrigerante, comer um petisco, jantar ou coisa parecida. Já não tinha mais o medo de a bebida me pegar de novo porque eu já tinha sido libertado. Então, foi um aprendizado muito grande."

Reprodução/Arquivo pessoal

As drogas se foram. Faltava o cigarro

André disse que deixou de ser Balada. Ressaltou que não bebe, não cheira, não sai com a mulherada e não vai mais para festas em boates. Segundo as suas próprias palavras, o último vício de que conseguiu escapar foi o do cigarro. Novamente, algo que atribui à fé adquirida.

"Resolvi me batizar nas águas aqui em Uberlândia-MG. Falei para o pastor que queria me batizar e ele falou: 'então, vamos batizar'. Depois que me batizei nas águas, eu parei de fumar. Sou cristão 100%: não bebo, não fumo, não uso droga, não vou pra balada. Eu estou sossegado".

Arte/UOL

Além das drogas, lesões comprometeram a retomada

Em 2005, André foi jogar no Fortaleza, mas uma série de lesões e cirurgias comprometeram seu rendimento. Foram três anos de agonia até retomar a carreira em 2008.

"Arrebentei o meu joelho e falei: 'Agora lascou tudo'. Machuquei o joelho, cartilagem, tive que ficar parado por oito meses. Pensei: 'Meu Deus do céu, agora que ninguém me segura'. Mas falei: 'Cheguei até aqui. Eu não vou desistir'. Então, fiquei o ano todinho de 2005 recuperado neste sentido. Com o meu joelho estourado, passei por muita luta, muita provação, mas não bebi, não usei droga e não fumei no ano de 2005. Eu passei limpo, limpo e limpo".

Aí, em 2006, tive que operar de novo. Fiquei 2005, 2006 e 2007 parado".

Arte/UOL

Sonho dos petrodólares virou pesadelo

Em 2006, ainda quando se convertia como evangélico, André teve mais uma oportunidade no exterior. Ele conseguiu uma oferta com os sauditas do Al-Ittifaq, mas foi no período em que estava com o joelho lesionado. O ex-jogador admite que também não avisou ninguém envolvido no negócio sobre os seus problemas físicos.

"Eu começava a correr e o joelho doía. E eu não falei nada com o treinador, presidente ou empresário que me levou. Não consegui jogar porque meu joelho doía muito. Eu estava passando por um processo de condicionamento e, nessa fase, meu joelho começou a doer demais. Eu pedi para o treinador para voltar para o Brasil. Acabei voltando, fiz uma nova cirurgia em 2006, fizeram um transplante de cartilagem", disse.

"Fiquei sem jogar 2007 também. Só voltei em 2008, no (Grêmio) Barueri. Então, na Arábia foi um momento muito delicado, com o joelho machucado, num país desconhecido, não conhecia a língua, não tinha o que fazer, não tinha o que falar".

Arte/UOL

Perrengues na periferia da bola: "comprei comida para jogador"

Depois do fracasso no futebol saudita, André passou por mais 19 clubes, alguns muito modestos, como Litoral-SC e Unitri-MG. Jogar em times grandes havia ficado no passado. No fim de 2017, as chuteiras foram penduradas após uma passagem pelo Alecrim-RN.

"Jogar em time pequeno é a coisa mais complicada que tem. Quando você joga em time grande, se adapta com os bons jogadores e é mais fácil pegar o ritmo. Mas quando você joga em time pequeno, é mais delicado. Não recebi na maioria dos times pequenos que passei."

"Teve clube em que eu cheguei a comprar comida para dar para jogador porque o clube não tinha condição de dar o lanche da noite. Tive que sair e comprar comida para os jogadores. Buscava na rodoviária. Já passei alguns perrengues, mas é normal do Brasil, né? Time pequeno é isso aí mesmo", completou.

Reprodução/Arquivo pessoal

'André Sossegado' tem 15 CDs gravados

Aposentado desde o fim de 2017, André está trocando a cidade de Uberlândia-MG por Natal-RN. O ex-jogador diz que tem uma vida confortável, apesar dos problemas fora dos campos. No lado religioso, atua como músico. Já teve mais de 15 CDs gravados com músicas próprias.

"Encerrei a carreira no Alecrim-RN e conheci a minha esposa, Rayanny Santos. Hoje, temos um filho de sete meses e tive a vida transformada por Deus. Ou seja, da morte, das drogas, ressuscitei e hoje eu tenho uma família, uma vida digna. Não dependo do futebol. O que eu consegui construir dá pra família viver. Mesmo fazendo um monte de besteira, mesmo bebendo, fumando, cheirando, eles não dependem mais de mim. Deus me deu uma nova vida e consegui controlar o meu dinheiro."

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