Adeus a Gordon Banks

Dono da "Defesa do Século", goleiro inglês foi campeão mundial em 66 e fez história na Copa de 70

Do UOL, em São Paulo S&G/PA Images via Getty Images

Gordon Banks conseguiu uma façanha que nenhum supercraque foi capaz. O goleiro inglês, morto na terça-feira, 12 de fevereiro, aos 81 anos, precisou de um único instante para entrar na galeria de imortais da história do futebol. Foi com um movimento em reflexo que ganhou o mundo como "A Defesa do Século" - e que frustrou uma finalização plasticamente perfeita de Pelé, de cabeça. 

Mas talvez seja injustiça resumir o legado de Banks debaixo das traves por apenas uma fração de segundo, em um lance da derrota da Inglaterra para o Brasil na Copa de 1970. O goleiro foi, por exemplo, um dos sustentáculos da campanha do "English Team" em 1966, na única vez em que os inventores do futebol conquistaram um Mundial. 

Banks não defendeu nenhum time grande e, tirando a Copa de 1966, teve uma carreira econômica em troféus: só duas Copas da Liga Inglesa, com Stoke City e Leicester. O homem que parou Pelé também venceu uma cegueira parcial para estender a trajetória nos campos. Um retrospecto suficiente para ser saudado como um dos maiores goleiros da história - uma reverência na Europa e também entre lendas brasileiras.

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Jairzinho: "Aquele foi o jogo dos goleiros"

"Fui eu quem cruzou aquela bola para a cabeçada do Pelé. Nós estávamos tensos na partida, uma partida muito equilibrada com alta condição de finalização de ambas as partes. Foi um jogo muito aberto, dois ataques de alto nível assim como nós tínhamos eu, Tostão, Pelé, Rivelino e o próprio Gerson, o canhota, eles também tinham uma seleção forte, com jogadores de alto nível. O Lee, atacante inglês, quase fez um golaço com defesa extraordinária do Félix. 

Esse jogo de 70 foi o jogo dos dois goleiros, onde eles mostraram ao mundo que estavam preparados e quis o destino que o Brasil ganhasse justamente por uma ação extraordinária que eu tive numa jogada do Tostão pela esquerda, levando três defensores ingleses, tocando para o Pelé e o rei dando o drible de corpo, dominando e passando para mim. Eu entrei cara a cara com o Banks e bati no meio dele e saí vibrando, foi o gol do título. A própria imprensa escrita, de televisão, todo mundo anunciou depois do jogo que era lamentável eles terem visto uma decisão antecipada. 

Todos os meus gols em 70 foram especiais, mas esse foi o gol que deu o título, deu tranquilidade para a seleção brasileira, deu ainda mais confiança. Nós estávamos vindo de uma vitória espetacular sobre a Tchecoslováquia e [a vitória] confirmou o nosso favoritismo ao ganhar da campeã de 66.

O mundo está se lamentando a perda de um dos maiores goleiros que deu alegria para o futebol inglês e o futebol mundial. Eu tive uma grande alegria de enfrentá-lo em 70. Quer dizer, deixa uma alegria para nós, que jogamos contra ele, uma referência de um goleiro de alto nível. E agora nós todos estamos sofrendo a perda desse maravilhoso goleiro, os ingleses e todos nós, principalmente os brasileiros que tiveram o prazer de encontrar a Inglaterra em 70. Fica aqui os meus pêsames e que ele possa descansar em paz."

Jairzinho, o Furacão da Copa de 70

A melhor foi a defesa de pênalti cobrado por Geoff Hurst pelo Stoke City na semifinal da Copa da Liga de 1972

Gordon Banks, sobre sua melhor defesa, em entrevista ao Daily Mail

Staff/Central Press/AFP

Além do gol perdido de Pelé

A IFFHS (Federação Internacional de História e Estatística) colocou Gordon Banks como o segundo maior goleiro do século 20, só atrás do soviético/russo Lev Yashin. Então certamente há muito mais do que apenas a grande defesa no duelo com Pelé. O inglês passou praticamente a carreira inteira defendendo a meta de times pequenos de seu país. Portanto, teve muito trabalho - e boas chances de aparecer.

Após o começo pelo modesto Chesterfield, no final dos anos 50, Banks foi para o Leicester, onde ganhou a Copa da Liga Inglesa de 1964. Já consagrado, venceu a mesma competição em 1972, desta feita com o Stoke City. Foram 14 temporadas entre Leicester e Stoke.    

Já veterano, perto dos 40 anos, conseguiu um desfecho digno de sua trajetória, ao reforçar o Fort Lauderdale Strikers na liga americana, a mesma onde Pelé atuava pelo New York Cosmos. O inglês foi considerado o melhor da posição no campeonato de 1977, com 29 gols sofridos em 26 partidas. 

O inglês foi uma unanimidade em sua posição por várias temporadas, eleito pela Fifa o melhor goleiro do mundo em seis anos consecutivos, de 1966 a 1971, dominando uma época que tinha o alemão Sepp Mayer e o uruguaio Ladislao Mazurkiewicz, entre outros. O campeão da Copa de 1966 defendeu a seleção inglesa em 73 oportunidades. Banks encerrou a carreira em 1978, defendendo o Strikers.

David Bebber/Reuters

Pelé: "Eu estava pronto para comemorar"

"Para muitas pessoas, a memória de Gordon Banks é definida pela defesa que ele fez contra mim em 1970. Entendo o porquê. A defesa foi uma das melhores que já vi - na vida real e em todos os milhares de jogos que assisti desde então. Quando você é um jogador de futebol, sabe imediatamente como acertou na bola. Eu acertei o cabeceio exatamente como eu esperava. Exatamente onde eu queria que fosse. E eu estava pronto para comemorar.

Mas então esse homem, Banks, apareceu à minha vista, como uma espécie de fantasma azul, é como eu o descrevi. Ele veio do nada e fez algo que eu achava que não era possível. Ele empurrou meu cabeceio para cima e para cima. E eu não pude acreditar no que vi. Mesmo agora, quando assisto, não consigo acreditar. Eu não posso acreditar como ele pulou tão longe, tão rápido.

Eu marquei tantos gols na minha vida, mas muitas pessoas, quando me conhecem, sempre me perguntam sobre isso. Embora fosse realmente fenomenal, minha memória de Gordon não é definida por isso - é definida por sua amizade. Ele era um homem gentil e caloroso que dava tanto para as pessoas. Então, eu estou feliz que ele tenha defendido meu cabeceio - porque esse ato foi o começo de uma amizade entre nós que eu sempre apreciarei."

Pelé, em texto publicado no Facebook

Abandonou a escola para trabalhar

Nascido e criado em Sheffield, Gordon Banks era o mais novo de quatro irmãos. Os anos de dificuldades financeiras foram retratados na biografia "Banksy", publicada em 2002. Sua família, pobre, tinha o sustento no trabalho de operário do pai.

O jovem Gordon se dividia entre os estudos, o trabalho e o futebol amador até abandonar a escola aos 15 anos para aumentar a renda familiar. Os bicos incluíam ensacar carvão e carregar tijolos. Nessa época, ele foi escalado por acaso por um time local amador, o Millspaugh Steelworks FC: o goleiro titular não apareceu para um jogo e a saída foi selecionar um substituto direto da arquibancada. 

A vida dupla, no trabalho pesado e dentro de campo, durou até 1953, quando um olheiro o levou para o Chesterfield em um contrato profissional de meio-período.

Staff/Central Press/AFP

Tostão: "Tinha muita elasticidade"

"A lembrança que eu tenho dele não só por aquela defesa, mas pela história dele.

Em 66, já era excepcional [na Copa] em que a Inglaterra foi campeã do mundo e a gente já sabia das qualidades dele. Então, para mim, não foi tão surpreendente aquela defesa na cabeçada do Pelé que entrou para a história. Ele jogou bem.

A lembrança que eu tenho é que ele tinha muita elasticidade. O contato mais próximo que eu tive com ele foi neste jogo mesmo de 70. Muita gente pode até achar que foi um goleiro de uma única defesa, mas não foi, ele era um grande goleiro, mantinha a regularidade.

Foi um goleiro muito bom. Ele tinha uma fama internacional desde a copa de 66 e já era um dos maiores goleiros do mundo na época".

Tostão, campeão da Copa de 70

Chris Morphet/Redferns Chris Morphet/Redferns

Perdeu o olho em um acidente

Em 1972, quando voltava para casa após uma sessão de fisioterapia no centro de treinamento do Stoke City para tratar de uma pequena lesão, Banks sofreu um acidente de carro. Era domingo, e ele esperava almoçar em casa. Porém, ao tentar ultrapassar um caminhão, seus planos mudaram drasticamente, os planos daquela tarde e dos anos que viriam. Seu Ford Consul bateu de frente com um carro na pista contrária.

A colisão rendeu mais de 200 pontos no rosto, outros 100 apenas no globo ocular. Perdeu totalmente a visão do olho direito.

Só teve a real noção do que isso significaria quando, ainda no hospital, tentou agachar para pegar uma xícara de chá e encontrou apenas vento. Em entrevista à imprensa local, lembrou sobre a situação: "se eu não consigo acertar o ângulo exato para pegar o chá, como é que vou calcular o voo e a velocidade de uma bola?"

A notoriedade dele era tanta na época, que ao receber alta viu sua casa ser cercada por fotógrafos e repórteres em busca de imagens do astro ou de uma declaração sobre o acidente.

Apesar da equipe do Stoke estar confiante no retorno do goleiro aos gramados, Banks preferiu aposentar as luvas em meados de 1973.

Quatro anos depois ensaiou um retorno como astro do Fort Lauderdale Strikers, na Liga Norte-Americana de Futebol (NASL), nos Estados Unidos. A mesma liga que existiu entre 1968 e 1984, e recebeu os craques Pelé, Carlos Alberto e Franz Beckenbauer.

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Clodoaldo: "Foi um exemplo de postura"

"O time da Inglaterra era muito forte defensivamente e muito preparado fisicamente, com jogadores fortes, posicionamento considerado na época o melhor de todos os tempos. Então, quando o Pelé cabeceou, a gente viu aquela muralha no gol da Inglaterra e eu falei: 'nossa vai ser difícil'. Depois teve aquela jogada magistral do Tostão, que depois foi para o Pelé e o nosso grande furacão fez o gol e ganhamos de 1x0.

Foi um jogo difícil e, para mim, o jogo que decidiu a Copa do Mundo de 70. Quando nós saímos de campo, o nosso semblante é de que tínhamos dado ali um grande passo rumo à conquista, e com essa muralha, o Banks.

Um ex-goleiro que a gente tem como exemplo. Ele foi um exemplo de postura. Um goleiro muito moderno na época, que saía muito bem do gol.

Hoje tem goleiros que tentam jogar com os pés, eu sou favorável primeiro que o cara cumpra o seu papel e, para o goleiro, o primeiro papel é defender. Isso o Banks fazia magistralmente bem.

É uma perda muito grande para o nosso esporte."

Clodoaldo, volante na Copa de 70

Homenagens em vida

Notícias sobre a fragilidade da saúde de Banks, que havia sido diagnosticado com câncer nos rins em 2015, acabaram se alastrando pela Inglaterra. Nos meses anteriores à sua morte, executivos haviam dado início a uma campanha secreta para dar ao goleiro, ainda em vida, o título de cavaleiro, maior honraria do império britânico que lhe concederia o nome Sir Gordon Banks. Ele havia recebido apenas a Ordem do Império Britânico, em 1970, algo considerado pequeno para a história do atleta e sua importância para o país. 

Nos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, Banks esteve entre as mais de 8 mil pessoas que carregaram a tocha olímpica antes da festa de abertura.

A imagem que abre este especial, do capitão Bobby Moore tentando pegar a taça Jules Rimet da mão de um sorridente Banks após a Inglaterra bater a Alemanha Ocidental e se sagrar campeã da Copa do Mundo 1966, foi imortalizada em uma estátua em homenagem ao goleiro em 2008. A inauguração da obra, localizada próxima ao estádio do Stoke City, contou com a presença de Pelé e do arcebispo Desmond Tutu.

A mesma estátua, agora, foi transformada em altar para homenagens póstumas ao atleta. São flores, cachecóis, fotos, camisas, luvas, livros e bandeiras relembrando o goleiro que marcou a história do futebol mundial.

Carl Recine/Reuters Carl Recine/Reuters

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