Sabe o que são os "brasileiros de plástico"? Você torcerá por eles em 2016

Guilherme Costa e José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

  • Julio Cortez/AP

    Tony Azevedo e Felipe Perrone duelam em EUA x Espanha; em 2016, ambos jogarão pelo Brasil

    Tony Azevedo e Felipe Perrone duelam em EUA x Espanha; em 2016, ambos jogarão pelo Brasil

Eles foram criticados e vítimas de certo preconceito antes da última edição dos Jogos Olímpicos. Ganharam rótulo depreciativo e olhares tortos de um povo nacionalista ao extremo. E depois, com medalhas, caminharam do estigma à redenção. Essa é a história dos "britânicos de plástico", como ficaram conhecidos os atletas que se naturalizaram para competir pela Grã-Bretanha em Londres-2012 - 61 entre os 542 que representaram o país.

O fundista Mo Farah, nascido na Somália, ganhou dois ouros no atletismo e capitaneou uma legião de britânicos "não originais" (cerca de 50) que arremataram 24 das 65 medalhas que o Reino Unido conquistou em casa. Tradicionais publicações locais, como o jornal The Guardian, os chamaram de "o segredo do sucesso" do "GB Team" (Equipe da Grã-Bretanha), que pulou de 47 medalhas em 2008 para 18 a mais nos Jogos seguinte.

Em 2016, será a vez de o Brasil receber os Jogos Olímpicos. E assim como aconteceu em Londres-2012, o dono da casa resolveu recorrer a "brasileiros de plástico" para turbinar o desempenho esportivo. O número é bem menor do que o do último anfitrião, é verdade, mas o contingente de atletas importados já tem crescimento significativo no país sul-americano em comparação com a última participação no evento.

Em Pequim-2008, o Brasil não tinha nenhum estrangeiro. Em 2012, houve dois casos. Ambos podem estar também na edição do Rio: o norte-americano Larry Taylor, no basquete, e a chinesa Gui Lin, no tênis de mesa.

Em 2016, porém, Larry Taylor e Gui Lin podem ser apenas parte de um grupo bem maior. A lista é puxada pelo polo aquático, que pode ter até sete atletas que já defenderam outras seleções. A lista foi montada pela CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) depois de a entidade ter identificado que faltava experiência internacional à seleção brasileira, ausente dos Jogos Olímpicos desde 1984.

"O brasileiro tem habilidade para o esporte, mas talvez a gente tenha de identificar um perfil diferente, com jogadores mais altos e fortes. É uma questão de opção: garotos mais altos e fortes preferem o basquete ou o voleibol. Temos de puxar essa garotada maior, e os Jogos Olímpicos estão aí para isso. Queremos ter uma base forte para chamar atenção e deixar um legado", disse Ricardo Cabral, responsável pelo polo aquático na CBDA.

A lista de estrangeiros que podem defender o polo aquático brasileiro é formada por perfis bem diferentes. Felipe Perrone, por exemplo, já defendeu a seleção brasileira, mas trocou o país natal pela Espanha quando tinha 17 anos. Chegou a ser capitão da seleção europeia.

"Saí do Brasil porque não me senti realmente representado pelo país. O esporte tinha pouco espaço, pouca divulgação, e os jogadores eram amadores. Fui para a Espanha em 2003, e em 2005 eu comecei a jogar pela seleção", contou Perrone, cuja avó nasceu na Catalunha. O jogador é tratado pela CBDA como o ponto nevrálgico na montagem da nova seleção.

A história de Tony Azevedo é diferente. Filho de brasileiros, ele foi vice-campeão olímpico de polo aquático pelos Estados Unidos em Pequim-2008. A lista de estrangeiros ainda tem um grupo que tenta naturalização brasileira, formado pelo espanhol Adriá Delgado, o australiano Pietro Figlioli, o cubano Ives González, o croata Josip Vrlic e o sérvio Slobodan Soro.

A Fina (Federação Internacional de Natação) faz duas imposições para que um atleta possa mudar de nacionalidade: ele deve morar no novo país por pelo menos um ano e deve ficar um ano longe da seleção anterior. É o caso de Adriá, que atua no Fluminense. Natural de Barcelona, ele havia jogado nas categorias de base da Espanha e esteve no Brasil pela primeira vez há quatro anos. 

"Em 2010, falei com o meu pai sobre a possibilidade de ter dupla cidadania e assim poder ir para o Brasil de férias ou para jogar o que eu mais gosto, que é o polo aquático. Disputei meu primeiro jogo em maio de 2013, e foi uma estreia inesquecível: ganhamos pela primeira vez na história dos Estados Unidos na casa deles", relatou o atleta.

A diferença que os "brasileiros de plástico" podem fazer no polo aquático é facilmente mensurável. No ano passado, na semifinal da Liga Nacional, o Fluminense bateu o Flamengo por 20 a 7. Felipe Perrone fez oito gols em apenas 11 minutos na piscina.

Outro caso é o do lutador do Cazaquistão Garat Maripov. Ele tem tido auxílio da Confederação Brasileira de Lutas e do COB (Comitê Olímpico Brasileiro) para conseguir o processo de naturalização e poder concorrer às seletivas nacionais por uma vaga na luta olímpica. Há três anos reside no país sul-americano.

"Garipov optou vir lutar no Brasil. Eu disse que o ajudaria, mas nunca ofereceria nenhum tipo de regalia. Ele participa dos nossos treinamentos, mas ainda não é brasileiro. Quando ele for brasileiro, poderá lutar em seletivas e torneios classificatórios. Enquanto isso não acontece, ele é bem recebido em nossos treinamentos", explicou o presidente da confederação, Pedro Gama Filho.

Há até casos de atletas que se candidatam a ser "brasileiros de plástico". A Confederação Brasileira de Esgrima, por exemplo, já recebeu três manifestações de esportistas que estavam filiados a outros países e querem defender a sede dos próximos Jogos Olímpicos.

O mais próximo de concretizar o processo é Ghislain Perrier, nascido em Fortaleza, que competia pela França até o ano passado. Atleta do florete, ele pediu para disputar uma vaga na seleção brasileira. Para isso, tem disputado competições nacionais representando o Pinheiros.

Perrier, que chegou a estar entre os cem melhores do ranking mundial, ainda pode ter companhia de duas atletas em situação parecida (uma espanhola e uma norte-americana, ambas com cidadania brasileira). As duas têm disputado competições pelo Clube Militar do Rio de Janeiro.

O número exato de "brasileiros de plástico" na esgrima, porém, será definido apenas a partir do próximo ano, quando começarão as seletivas nacionais para a modalidade.

Em 2012, houve exemplos um pouco diferentes, como os de Rosângela Santos, do atletismo, e Rodrigo Pessoa, do hipismo. Ambos nasceram em outras nações, mas são filhos de brasileiros e construíram história esportiva no país.

É o caso inverso de Inge Vermeulen, que nasceu em Americana, no interior de São Paulo, e defendeu durante anos a seleção holandesa de hóquei na grama. Ela vai disputar os Jogos Olímpicos de 2016 pelo Brasil.

O COB diz que não condena uso de estrangeiros ou naturalização de atletas, desde que as confederações cumpram todos os trâmites e façam seletivas justas.

"As confederações têm autonomia para decisões, e cabe ao COB apoiá-las. A naturalização de atletas é algo que ocorre no mundo inteiro e caso esteja dentro das leis do país e das regras do jogos, não vemos problemas", disse a entidade.

A presença dos estrangeiros nos planos do Brasil para 2016, aliás, vai muito além dos atletas. Confederações nacionais já contrataram mais de 40 técnicos gringos para a próxima edição dos Jogos Olímpicos. O COB ainda não fez nenhuma previsão de ouros, pratas ou bronzes para o evento. Até aqui, o país preferiu apostar no plástico.

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