Como o Brasil perdeu o direito de disputar uma modalidade no Rio-2016
Dê Rana
Do UOL, em São Paulo
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Divulgação/CBHG
Jogadoras se reúnem e conversam em jogo de hóquei na grama
A falta de planejamento fará o Brasil repetir a Grécia e ser o segundo anfitrião olímpico sem um time numa modalidade coletiva olímpica em quase 100 anos. Afinal, ao convocar sete estrangeiras para disputar a Liga Mundial Feminina de Hóquei Sobre Grama, o Brasil desagradou a única empresa interessada em patrocinar o time e perdeu sua última esperança de classificação para disputar os Jogos do Rio, em 2016.
Antes de explicar a história, é importante frisar: o Brasil não tem tradição alguma no esporte e as chances de um vexame eram grandes. Já para tentar a classificação, o país mostrou um baixo nível técnico. O time não cumprirá, no feminino, qualquer uma das duas condições impostas pela Federação Internacional de Hóquei (FIH): ficar entre os 40 primeiros do ranking mundial no fim de 2014 (é 41º e sem chance de melhorar) ou terminar em penúltimo os Jogos Pan-Americanos de Toronto-2015 – a equipe não se classificou para o Pan no ano que vem.
Por não ter chances de conseguir a vaga no feminino no campo, COB, Ministério do Esporte e CBHG (Confederação Brasileira de Hóquei sobre a Grama e Indoor) admitiram o fracasso e repassaram recursos financeiros para o time masculino, que deverá se classificar para o Pan e, lá, vai brigar para ser o sexto e atingir o critério imposto pela FIH.
Com as verbas concentradas nos homens, as meninas foram alijadas de disputar a primeira fase da Liga Mundial, a partir de 8 de setembro, em Guadalajara (México). Era a última chance delas. A ideia era mostrar boa vontade, alguma qualidade técnica, e sensibilizar a FIH a afrouxar as exigências.
Sozinhas e com alguma esperança, as jogadoras começaram, pela internet, uma malsucedida campanha de arrecadação de fundos para disputa a Liga Mundial. Paralelamente, a Federação de Hóquei de Santa Catarina (FHESC) passou a buscar patrocinadores que arcassem com os R$ 180 mil previstos. Na previsão de custos fornecida pela CBHG, alega a federação catarinense, estava previsto 12 embarques de Florianópolis para Guadalajara. Nada mais justo: o Florianópolis é tri e Desterro, da mesma cidade, tetracampeão brasileiro.
A ideia de uma "seleção catarinense" convenceu um patrocinador local, que bancaria os custos da viagem de toda a seleção. Para que as passagens fossem compradas com alguma antecedência, a FHESC solicitou à CBHG uma lista de convocadas. Entre os 18 nomes, apenas duas atletas do Desterro e duas do Florianópolis. Por outro lado, o campo "clube" de quatro delas é preenchido por "Holanda". Outras três são de "Argentina". Os patrocinadores catarinenses, sentindo-se enganados, não viram mais motivos para apoiar o time, que teria mais holandesas que jogadoras do estado.
"Com essa nova realidade, fomos obrigados a relatar aos nossos parceiros, que, indignados com a situação, cancelaram não somente o aporte para a viagem, como também todo o projeto de patrocínio da FHESC", escreveu, às atletas, Luiz Carlos da V. Paes, presidente da federação.
"A CBHG tentou reverter a decisão junto à FHESC, mas não conseguiu. Por causa da decisão da FHESC e do patrocinador dela, a CBHG está muito desapontada por se ver obrigada a cancelar a participação da seleção feminina na Liga Mundial", respondeu, também em e-mail às atletas, Bruno Patricio Oliveira, diretor-técnico da CBHG.
O e-mail tem o mesmo texto em português e inglês. A convocação, feita por Eduardo Martins Jr, dias antes, é traduzida também para o espanhol. Afinal, no desespero por uma evolução técnica, a CBHG passou a buscar nos últimos anos atletas de origem brasileira na Holanda (especialmente jogadoras adotadas quando criança) e na Argentina, os países com melhores resultados recentes na modalidade. É como se uma nação de menor expressão no futebol convocasse jogadores brasileiros, de qualquer nível, apenas por serem brasileiros.
"Qualquer holandesa é convocada só por ser holandesa, independente de ser melhor ou pior que as brasileiras. Tem uma nessa lista que eu não sei nem a cor do cabelo", conta, sob a condição de anonimato, uma das líderes do grupo brasileiro.