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Doida? "Acho que morreria feliz se fosse surfando", diz Maya Gabeira

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

02/10/2014 06h00

“Depois que apaguei, só lembro que a minha primeira respiração foi muito marcante”. Um ano depois de arriscar sua vida em um grave acidente enquanto encarava uma onda gigante em Nazaré, Portugal, Maya Gabeira tem gravadas na memória fortes recordações do que podia ser seu momento final.

“Uma onda arrancou meu colete salva-vidas”.

“Não tinha forças para me segurar”.

Sair viva após oito minutos de suspense soa como um milagre. O difícil é crer que a carioca voltaria a encarar este mar. Pode acreditar, é isso que ela promete fazer.

Os planos de Maya eram ousados: retornar a Nazaré neste mês de outubro, no aniversário de um ano de sua queda. Não será desta vez. Mas não é um cancelamento do reencontro, ele só foi adiado por uma lesão nas costas ainda em tratamento.

Em entrevista ao UOL Esporte, Maya relembrou os momentos aflitivos daquele dia e falou sobre os medos que um surfista de ondas gigantes encara ao decidir em segundos se solta ou não o jet ski e encara a força do oceano. Risco ela sabe que há. E não é que ela queira viver seus últimos momentos no mar, mas Maya acredita que “morreria feliz” se o fizesse junto com sua prancha.

Chamada de maluca pela sua profissão e por sua coragem, a carioca ainda diz que o preconceito contra surfistas é “inveja”, comenta seu apoio à legalização à maconha – um assunto que conheceu desde cedo, já que sempre teve um debate aberto com o pai, o político Fernando Gabeira – e diz o que pensa do rótulo de musa.

UOL Esporte - Maya, primeiro gostaria de saber sobre sua parte física. Hoje você já está 100% e de volta às ondas gigantes?
Maya Gabeira:
Estou totalmente recuperada do acidente que aconteceu em Nazaré, há cerca de um ano. Já voltei a surfar ondas grandes, mas estou cuidando de uma lesão antiga nas costas e estou em fase de reabilitação.O mais complicado neste processo foi lidar com a opinião externa. Sempre tive certeza de que com muita dedicação e esforço conseguiria voltar ainda mais bem preparada do que estava, antes de Nazaré.

Li que você planejava voltar a Nazaré este ano. Vai rolar? E por que voltar para lá?
Havia este plano, mas, por causa desta lesão nas costas, achamos melhor adiar este retorno a Nazaré, para que esteja 100% preparada fisicamente para enfrentar aquelas ondas.É o que eu amo fazer, e aquela onda e lugar me encantaram. Mas reconheço que, quando voltar lá, vai ser um turbilhão de sentimentos.

Correr atrás de ondas gigantes é conviver com um certo medo? Depois de um acidente desses, ele aumenta?
O medo é um sentimento que temos de aprender a lidar para enfrentar ondas gigantes. Quando se está lá, no mar, encarando uma das maiores forças da natureza, é uma questão de sobrevivência. Quando você sofre um acidente, como já aconteceu comigo em Nazaré e em Teahupoo, você fica com um certo receio, mas tem que dominar estes pensamentos. Tudo para voltar a fazer o que eu amo: surfar ondas gigantes.

Alguém já te chamou de doida por querer voltar para lá?
Muita gente me chama de doida há muito tempo por fazer o que eu faço (risos). Quando voltei a Teahupoo, também me chamaram de doida. Depois do acidente ano passado, também me chamaram de doida, principalmente depois que eu disse que gostaria de voltar. Então, acho que estou acostumada a acharem isso de mim, mas eu sei que não tem nada de maluquice. Só voltaremos – eu, (Carlos) Burle, (Pedro) Scooby e (Felipe) Gordo – com a certeza de que teremos a melhor estrutura possível para enfrentar um swell daqueles.

Como você lida como fato de estar arriscando sempre a vida?
Ninguém quer fazer algo que sabe que vai morrer, mas a única certeza que temos na vida é que todos vamos morrer um dia. Espero que não seja surfando. Se for, acho que morreria feliz.

Você realmente viveu uma experiência de quase morte lá. Como é relembrar isso um ano depois?

Não é a melhor coisa do mundo (risos). Depois que caí, no terceiro bump da onda, tomei três ondas muito grandes da série na cabeça, que me seguraram embaixo d’água por muito tempo. Tanto que uma delas arrancou meu colete salva-vidas e isso foi muito ruim, pois já estava quase sem forças e perdi a flutuabilidade. Conseguia ver o (Carlos) Burle vindo, mas não tinha forças para me segurar. Depois que apaguei, só lembro que a minha primeira respiração foi muito marcante.

O que passa na cabeça quando você tem de decidir se solta a corda ou não para pegar uma onda gigante, que te representa um risco até de vida?

Na hora é tanta adrenalina que você esta concentrado em surfar a onda até o fim. Não pensa no que pode acontecer depois, caso você caia. A preocupação é 100% em surfar a onda, controlar a prancha.

Maya Gabeira - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Você ainda sente que há preconceito contra os surfistas? Sei que sua rotina é pesada, o dia todo trabalhando para o esporte, mas há quem não se dê conta...
Acho que aquele preconceito que existia há 30, 40 anos, de que todo surfista é maconheiro, não quer nada da vida, já mudou muito. O surfe é um esporte e um surfista profissional, seja de ondas grandes ou do circuito mundial, é um atleta como qualquer outro: jogador de futebol, vôlei, basquete, piloto... Talvez o que role não seja mais preconceito com o surfista, mas uma certa inveja por viajarmos o mundo para lugares paradisíacos (risos).

Você falou sobre o preconceito de quem acha que surfista é maconheiro. Em tempos de eleição, qual a sua posição sobre a legalização da maconha? Você costuma dizer que o surfe é sua droga, não é?
Não tenho preconceito com a maconha e acredito que a legalização poderia ser algo positivo. Não incentivo ninguém a fumar, não acho saudável, mas se bebida e cigarros estão ao alcance de todos, acho a maconha menos agressiva e danosa. O esporte foi e sempre será o meu foco, achei minha felicidade e bem estar no surfe, na natureza… e isso me satisfaz.

Já te incomodou ser mais alvo da imprensa pela beleza, ou pelo seu pai, do que pelo lado esportivo?
Nunca me incomodou, acho até um elogio. Sei que minhas conquistas não serão minimizadas por esses fatores.

Por fim, o que esse acidente mudou na sua vida? Você acha que tirou algo de positivo dele?
Me trouxe mais uma experiência de vida que é imensurável. Eu sempre fui muito grata e satisfeita com a vida, mas hoje me sinto ainda mais. Também me sinto com mais fé e mais madura.