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Nativos jogam duro com surfistas gringos no Havaí. Mas Medina é exceção

Rafael Reis

Do UOL, em Oahu (EUA)

19/12/2014 06h00

O localismo havaiano já ganhou ares lendários. Desde relatos orais a filmes hollywoodianos, são tantas as histórias que fica até difícil distinguir mito de realidade. Muitos fatos, porém, são inegáveis, e alguns envolveram brasileiros em pleno Pipe Masters. Em 2005, Paulo Moura foi agraciado com um tapa na cara de Makua Rothman. Dois anos depois, Neco Padaratz saiu da bateria contra Sunny Garcia perseguido pelo brutamontes havaiano. Se isso aconteceu diante de câmeras do mundo todo, dá para supor o que se passa no underground da ilha. Para quem não entende a forma de agir dos grupos mais radicais, uma rápida busca na internet pode tirar qualquer dúvida, mas sim, ela pode ser bem violenta e, infelizmente, costuma sair impune no North Shore, onde muitas das regras são ditadas pelos próprios locais.

A origem do localismo aponta para uma forma de preservação das praias havaianas, com a criação de grupos como Hui O He’e Nalu, ou simplesmente Da Hui, na década de 70. Quando as ondas perfeitas foram descobertas por estrangeiros  -haoles para os havaianos-, a migração internacional em busca dos tubos da vida tornou a situação de superlotação dos picos quase incontrolável e, por isso, há quem defenda que o localismo é o que mantém a ordem e o respeito na ilha.

Apesar de tudo isso, não há como negar que o fenômeno carrega em si fortes cargas do egocentrismo humano. Ou seja, alguns locais querem simplesmente se sobressair aos outros e possuir as ondas, nem que pra isso seja necessário se utilizar da intimidação e da força. Para realizar a etapa em Pipeline, a própria ASP faz acordos com os locais. Mas tem algo que negociação nenhuma pode resolver: o respeito que os surfistas estrangeiros precisam conquistar para poderem surfar em paz por ali.

“Eu acho que você só tem que respeitar os locais, e se você os respeitar, eles o respeitarão de volta. É bem simples.", simplifica o jovem havaiano Makai Mcnamara, classificado nas triagens deste ano e filho de Liam Mcnamara, que por muitos anos foi um dos “xerifes” de Pipe.

Aos 19 anos, Liam tem se mostrando um verdadeiro Pipe Masters, dominando os tubos com a maestria de grandes veteranos havaianos. Não é à toa. O surfista foi formado nessas ondas, estudou na escola que fica em frente ao pico, tem sobrenome e lugar cativo no outside mais concorrido de todos. Tudo isso facilita e muito.

"Eu acho que é realmente difícil não ser daqui, vir pra cá e surfar muito bem. E acaba sendo difícil treinar porque tem tantos locais que não estão disputando o WCT e querem surfar um pouco também. É difícil, mas você tem que esperar e estar no mar todos os dias, o dia inteiro, se você quiser surfar bem. Se você estiver no mar tempo suficiente, as pessoas vão respeitar você, e você tem que respeitar os locais também, aí você vai conseguir pegar as suas ondas", completa Makai.

Por mais respeitoso que seja o surfista, na prática, treinar em Pipeline para a última etapa da temporada pode ser bastante complicado para os tops mundiais.

“O mar está irado, mas não dá para pegar essas (apontando para um belo tubo surfado por um local). Se você reparar quem vai nas boas mesmo são só os locais: Jamie Obrien, Kalani Chapman e companhia”, explicou o brasileiro Jadson André após um treino em Pipe.

“O bom é que deixa a gente com um pouquinho mais de vontade de ir pra bateria e pegar um monte de onda, porque você fica meio frustrado e não consegue pegar, aí chega na bateria e tem três caras e fica muito mais fácil. A gente tenta aproveitar o máximo. E quanto mais baterias você passar, mais você vai aproveitar", revelou Miguel Pupo rindo.

Mas sendo o próprio Pipe Masters a única oportunidade de surfar Pipeline tranquilamente, os surfistas estrangeiros tem que se desdobrar para chegar à etapa adaptados com a onda e em condições de brigar pela vitória. É aí que o líder do ranking, Gabriel Medina, pode levar vantagem para garantir seu primeiro título mundial.

“Os havaianos sempre trataram o Gabriel bem. Não sei se é porque ele sempre surfou bem desde pequeno, então eles sempre trataram o Gabriel bem. E até os mais blacktrunks são bonzinhos com o Gabriel, eles tratam ele bem. Não sei se é o jeito do Gabriel, sereno, calmo. Todo lugar tem um apoio, até dentro da água também. Já uns 2 ou 3 mais blacktrunks chegaram para o Gabriel e até deram toques pra ele dentro da água e tudo. A gente sente isso, que parece que eles estão até torcendo para o Gabriel, eles gostam do menino, é legal”.

Em comparação com muitos outros surfistas do tour, Gabriel não tem tantas temporadas no Havaí. Mas as boas apresentações por aqui, o jeito tranquilo e a personalidade pouco alardeante do brasileiro vão lhe abrindo as portas na ilha.

"Eu acho que Gabriel é um ótimo surfista. Ele é só dois anos mais velho que eu. Eu lembro dele surfando em competições amadoras com 13, 14 anos, e ele foi sempre muito bom. Eu acho que ele merece estar onde está agora. Ele se testou em todos os lugares do mundo, então, sim, eu acho que ele tem uma grande chance de vencer esse ano, com certeza", elogia Mcnamara.

Na onda mais concorrida do planeta, Gabriel Medina pode estampar seu nome na galeria dos imortais com o título mundial de 2014. Mas se vencer também a etapa e se tornar um Pipe Masters, dará um passo decisivo rumo à seletíssima elite dos estrangeiros respeitados no Havaí.