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Mãe de Medina entregou até santinhos para bancar carreira do filho

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulio

05/05/2015 06h00

Não foi por falta de oportunidade que Simone Medina não desistiu do sonho do filho em ser campeão mundial de surfe. Ela precisou trabalhar em campanha política na chuva para pagar inscrição de campeonato. Abdicou da companhia do filho e do marido nos finais de semana. Aguentou a barra e a conta no vermelho quando a loja que servia de sustento da casa foi roubada várias vezes durante dois anos.

Esforço reconhecido semana passada ao ser chamada por Gabriel Medina para receber uma homenagem na frente de 80 jornalistas que cobriam a passagem do surfista num evento de patrocinador. Ela subiu no palco com o marido e a filha mais nova. Emocionada, ouviu o campeão do mundo falar que o título é de toda a família que teve de se sacrificar por um sonho em conjunto.

E pensar que Simone foi contra a aventura no começo. Exigiu acima de tudo que o filho terminasse o estudo. Sem o diploma ele não saia de casa mesmo na iminência de conseguir vaga na milionária elite do circuito mundial. Hoje ela acha lindo ter Medina na lista dos 100 mais influentes do mundo pela Revista Time e espera que ele honre a posição conquistada com bons exemplos.

Aliviada que tudo deu certo, Simone desfila bom humor e simpatia nos eventos com o filho. Bastante articulada, é daquelas pessoas que você chamaria para um café. Uma pergunta basta para que conte histórias engraçadas e/ou interessantes. Confira o relato da mãe número um do surfe mundial a respeito da trajetória do filho.

UOL Esporte _ O Medina diz que o título é da família porque todos se sacrificaram. Em que momento da carreira começou a entrar dinheiro pelo surfe?
Simone Medina _
A Rip Curl patrocina ele desde os 15 anos. Fechou o contrato no dia 1º de julho de 2009. Dia 12 de julho de 2009 ele foi campeão do WQS seis estrelas (na Praia Mole, em Florianópolis).

UOL Esporte _ Imagino que o contrato foi um alívio. Antes disso como que foi?
Simone _
Foi um alívio. Mas alívio foi até nesse dia que ganhou este campeonato porque a gente não tinha recebido ainda. A gente só fechou o contrato. Não tinha dinheiro, eles foram com o dinheiro contadinho pro Sul. Foram com um Golzinho prateado que a gente tinha. Fundiram o motor deste carro porque não tinha dinheiro nem para por nada de óleo. Aí quando o Gabriel recebeu o prêmio dele a gente tinha tanta dívida aquela época.
A gente tinha nossa loja, uma surfe shop, que tinha sido roubada várias vezes e a gente não tinha grana para fazer novas dívidas (comprar estoque). A gente precisava trabalhar com o que tinha sobrado. Colocava até umas premiações do Gabriel para vender porque ele ganhava roupa, sapato, não ganhava dinheiro. A gente tinha ficado com dívidas do roubo. Vocâ já tá com os boletos tem que pagar, capital de giro, tudo. Naquele época a gente era assim, enforcado.

UOL Esporte _ Que época foi isso?
Simone _ Quando começaram os roubos na loja dos 13 aos 15 anos (2007 a 2009) foi só dificuldade. Eu fazia até campanha política na chuva, na praia. Eles me pagavam R$ 50 o dia e já ia lá no banco depositar e pagar a inscrição de um campeonato que ele já tava na estrada. Foi com dificuldade, mas a gente sempre conseguiu se virar. Quando ele ganhou esse WQS seis estrelas (torneios profissionais de acesso a elite) ele falou mãe eu tenho um sonho de ter um quadriciclo, mas eu também quero que vocês paguem a dívida. Quero que a gente comece a viver em paz.

UOL Esporte _ Desculpe a indiscrição, era grande a dívida?
Simone _
Acho que tipo uns R$ 10 mil e ele ganhou R$ 40 mil do prêmio. Falei tá bom, vamos ver como é que vamos fazer porque precisamos guardar um pouco de dinheiro até você receber (o patrocínio) para correr os campeonatos. Você vai correr só (W)QS, e é mais caro. A gente conseguiu pagar todas as dívidas, comprou mercadoria para loja, começar a vida de novo. Com dinheiro da loja a gente matinha a casa e o dinheiro que o Gabriel ganhava, que no começo não era muito, a gente conseguiu pagar os campeonatos.

UOL Esporte _ E rolou o quadriciclo?
Simone _
Eu comprei o quadriciclo. Ele merecia né, trabalhou até agora, era o sonho dele. A gente pagou em vezes. Com o dinheirinho dele que foi entrando a gente tira um pouquinho. Ele viajando e eu falando para ele esse não dá, muito caro. A gente agora até tá sem carro. Tem esse aqui, era uma marca genérica meio estranha.

UOL Esporte _ Era usado?
Simone _
Não, mas era uma marca que ninguém conhece. Falou mãe pode ser esse mesmo, só me traz um grande que é para eu poder levar todos os amigos. Ele vivia com aquele quadriciclo com cinco, seis amigos pendurados. Falei não precisava levar tudo isso, leva dois. Era a alegria dele esse quadriciclo, mas aí teve de vender porque ele começou a correr (o circuito). Falei graças a Deus, vou vender isso aí.

UOL Esporte _ Você estava muito preocupada?
Simone _
Muito, 15 anos! Não tem muita responsabilidade com essas coisas. Primeiro brinquedo de verdade, motorizado. Depois eu me arrependi de ter comprado.

UOL Esporte _ Estamos falando de um tempo em que a carreira estava encaminhada. Quando veio a decisão de ser surfista profissional?
Simone _
Acho que ele ia fazer 13 (anos) e a gente chegou a perguntar se era isso mesmo que ele queria. Ele ia ter que abrir mão de muitas coisas, ia ter que perder para ganhar. O grande campeão perde muito para depois ganhar. Tinha que renunciar a muitas coisas da vida de criança dele, da vida de adolescente. Foi tudo explicado e a gente deixou bem livre para escolher. Ele virou e para nós e falou: "eu quero ser surfista profissional e vou ser campeão mundial, vocês vão ver".

UOL Esporte _ Falou num tom sonho de moleque ou com certeza de que ia acontecer?
Simone _
Como uma criança, mas uma certeza que ia fazer. Pensei: nossa, que estranho! Porque o Gabriel até agora estudou, viveu aqui em Maresias, jogava bola, andava de bike. Normal. Falei: "ai meus Deus, que perigo! Quero que ele estude. A preocupação de mãe. Na hora eu não embarquei com ele no sonho. Quem embarcou foi o Charles (padrasto e técnico).

UOL Esporte _ Qual a reação do Charles?
Simone _
Foi: você quer mesmo? Então tá. Nós vamos treinar para isto. Eu vou te colocar para correr os campeonatos e eu vou com você. Me enfrentaram um pouco porque eu disse só vai correr campeonato se for final de semana porque ele precisa estudar. Enquanto ele não terminar a escola eu não deixo sair de casa. Eles concordaram e o Charles piscava para ele e eu falava não pisca, tô falando sério. Eu não embarquei neste sonho logo de cara. Quem embarcou mesmo foi o Charles.

UOL Esporte _ Quando você achou que ia dar certo?
Simone _
Quando o Gabriel ganhou o primeiro QS com 15 anos. Eu comecei a sonhar com ele porque achei tudo tão precoce, eu passei tão mal aquele dia. Senti algo que nunca tinha sentido na minha vida. O cérebro não dimensiona o que é triste e o que é feliz, então eles batem junto e dão a mesma sensação. Você passa mal de felicidade, muito mal.
Falei: nossa! Será que realmente ele vai buscar isso? Acho que é melhor embarcar no sonho com eles senão vou ficar dormindo enquanto eles tão sonhando. Aí comecei a acreditar e a me empenhar. Abri mão de estar com meu marido, de criar minha filha, que é filha do Charles também (Charles é padrasto de Medina). É o sonho dele ter uma menina e ele mal fica com ela. Todos nós acabamos sonhando juntos porque todos nós abrimos mão de algo. Eu abri mão de ter minha família reunida. Não abri mão dele estudar tá!

UOL Esporte_ Então ele completou o Ensino Médio?
Simone _
Ele entrou no WCT (circuito com os 36 melhores do mundo) com 17 anos, um ano antes que ele estava prestes a fazer os pontos para entrar eu falei: olha! Você tem chances de fazer os pontos para entrar, mas eu já vou te adiantar uma coisa. Você termina logo a escola porque sem terminar você não vai a lugar nenhum.

UOL Esporte _ Você não ia mesmo deixar que ele fosse para o circuito?
Simone _
De jeito nenhum. Tem coisas na vida que são prioridades e eu trabalhei muito para deixar algumas coisas se perderem. Ele falou, ah é isso que você quer e correu com os estudos. Terminou com 16 anos, me deu o diploma e falou assim: agora você tem o que você quer. Agora eu vou viver o que eu quero viver. Respondi: agora eu vou com você. Vambora.

UOL Esporte _ Quando ele ganhou ano passado, foi eleito um dos mais influentes do mundo o que a senhora...
Simone _
O que eu acho? Um privilégio e uma responsabilidade enorme você influenciar de alguma maneira uma geração inteira de crianças que tão vindo e se espelhando em você.

UOL Esporte _ A senhora cobra isso dele?
Simone _
Cobrar eu não cobro porque acho que foi uma coisa conquistada. Mas eu falo que ele precisa realmente se preocupar com o comportamento dele, as coisas que faz, como caminha daqui pra frente. Falo que a melhor receita é não perder a essência, não mudar o jeito dele ser porque já vai estar ótimo. Ele é muito simples, muito fácil de entender.

UOL Esporte _ Para terminar. Vi em blogs que apelidaram ele de moreno...
Simone _
Então, eu também vi e achei estranho. Quem é esse moreno aí? Não sei quem é. Eu continuo chamando de Gabriel, Biel, Bi.