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O dia em que a homofobia deu uma vitória ao tênis brasileiro

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

21/04/2015 06h01

Uma atitude horrível. É assim que Fernando Meligeni classifica o comportamento da torcida brasileira em relação a Thomas Muster, principal nome da Áustria no confronto da Copa Davis em 1996. Início do quinto set da partida de duplas e o público inteiro gritou "Muster gay, Muster gay, Muster gay". A imprensa, os organizadores e a Federação Internacional de Tênis se calaram. Nenhuma voz se levantou contra a agressão verbal e homofóbica ocorrida no Hotel Transamérica, em São Paulo.

O episódio serviu de gatilho para uma série de fatos que terminou com um Muster, enfurecido, abandonando a quadra. Mas os jornais do seguinte se limitavam a analisar o comportamento do tenista, tratado como "ridículo". A respeito das ofensas da torcida, nenhuma linha.

Presidente da CBT (Confederação Brasileira de Tênis) na época, Nelson Nastás, afirmou que certamente haveria uma punição se o coro ocorresse hoje. Acredita que o caso tomaria projeção internacional. Justifica que quase vinte anos se passaram e cultura da sociedade mudou. "É um avanço porque até pouco tempo atrás não havia este respeito".

Meligeni lembra que na metade da década de 1990 sobrou para a Áustria. Por ter abandonado a partida, a confederação do país foi condenada a pagar multa de US$ 58,7 mil e Muster desembolsou US$ 2 mil. O Brasil saiu ileso. "Graças a Deus as coisas mudaram", agradece o ex-tenista. Ele acredita que a repercussão seria diferente se o caso acontecesse hoje.

Nastás declarou que algumas semanas depois foi marcado um julgamento em Londres com representantes da ITF (Federação Internacional de Tênis). O juiz foi ouvido e depois representantes de cada país. A CBT enviou vídeos para mostrar que a alegação austríaca de falta de segurança em quadra não fazia sentido. Convenceu. Mesmo com o resultado positivo, o coro de Muster gay levou a entidade a fazer uma campanha de conscientização dos torcedores.

Paulo Cleto foi capitão da equipe brasileira na Copa Davis durante 17 anos e estava comandando o time em setembro de 1996. Ele lembra bem a sucessão de fatos daquele confronto que valia vaga na elite da competição. Apesar dos brasileiros jogarem melhor no saibro, foi escolhido o carpete porque Muster também preferia esta superfície. Pela qualidade que tinha o então número três do mundo levaria a equipe adversária nas costas.

O plano era realizar as partidas num local inóspito para todos e assim equilibrar as forças. A pedido de Paulo Cleto, as arquibancadas foram colocadas perto da quadra para criar um clima de Libertadores. O ex-capitão recorda que se inspirou na Vila Belmiro. 

Um jovem Gustavo Kuerten de 20 anos ganhou do número dois da Áustria em sua partida na sexta. Meligeni foi batido por Muster. A tendência era Meligeni e Muster vencerem no domingo, portanto o jogo de duplas no sábado era crucial. A partida estava empatada em 2 sets a 2 e na primeira vez que os adversários sacaram foram quebrados. Como o carpete é um piso rápido seria difícil empatar.

Gustavo Kuerten conta em sua biografia que foi neste momento que surgiram os gritos homofóbicos. Ele descreveu a situação como horrível porque não era uma pessoa ou outra, mas todo o público.

Cleto relatou que havia um homem embriagado que usava óculos espelhados gritava muito. Neste ponto da partida ele primeiro berrou "dá o saque lambari", algo não compreendido, mas que provocou risos na torcida. Em seguida soltou um "Muster gay". Dessa vez foi acompanhado por todos os espectadores.

Diferente dos outros envolvidos no episódio, o ex-capitão acredita que Muster percebeu que perderia a partida e rodou a baiana. A intenção era criar um fato novo para desestabilizar os brasileiros. O austríaco reclamou que um torcedor estava usando o plástico de um tamborim para refletir o sol em seus olhos.

A história foi relatada em entrevista por Nastás e está no livro de Guga, mas Cleto disse que não ocorreu. De qualquer maneira Muster foi ao árbitro de cadeira reclamar do comportamento da torcida que esta altura berrava não só Muster gay, mas todos os tipos de xingamentos.

Apontado pelo número três do mundo, o homem de óculos espelhados foi convidado a se retirar por Cleto. Ocorre que o espectador pagou de machão e criaria confusão para não sair. Muster então falou que ia abandonar a quadra, o que realmente fez. Cleto conta que ele logo se arrependeu e tentou voltar, algo proibido pelas regras. O jogo estava decidido. O ex-capitão lembra que passado algum tempo recebeu uma camisa em que estava escrito Muster gay.

O austríaco comentou a situação em entrevista a Revista Tênis e disse não se arrepender de ter deixado a quadra. Acrescentou que não recebeu um tratamento justo e ressaltou que os torcedores não podem insultar um atleta ou xingar a mãe dele. Meligeni diz que encontrou Muster várias vezes depois do episódio e ambos conversaram sobre o assunto.

"Ele falou. 'Cara! A vez que pior me trataram foi no Brasil".