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Bellucci diz que sabe por que irrita a torcida brasileira

Fábio Aleixo e Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

16/06/2015 06h00

Thomaz Bellucci não é o esportista mais amado pela torcida brasileira e ele sabe o motivo de ser considerado um gênio nas vitórias ou um fracasso nas derrotas. O tenista número 1 do Brasil explicou que o estilo “low profile” não cativa o público que prefere um jogador vibrante. Outro fator é a expectativa criada sobre ele. O paulista de 27 anos sabe que a decepção e a frustração aumentam quando se tem Guga como parâmetro.

"As pessoas não conseguiam compreender a minha postura passiva, queriam que eu vibrasse mais, que jogasse com a torcida. Mas sempre fui mais low profile e isso acabava irritando o público, que acreditava que eu não estava dando 100%. Talvez isso tenha maximizado a  frustração de quem segue tênis. Isso (críticas) é uma coisa que superei", afirmou.

Este foi apenas um dos momentos da entrevista exclusiva que o jogador concedeu em visita ao UOL Esporte. Durante o bate-papo, no qual esteve bastante à vontade, Bellucci contou quem são os jogadores mais malas do circuito, falou como Roger Federer muda a aura do vestiário e afirmou que acha possível ganhar um Grand Slam.

O tenista não se esquivou de comentar a polêmica do Nadal com o árbitro brasileiro Carlos Bernardes e revelou quais regras mudaria no tênis. Para finalizar, deu seus pitacos sobre o Palmeiras. O atleta disse também que se pudesse escolher, jogaria sempre de verde, as cores do time do coração.

Reviravolta na temporada
“Realmente, o começo de temporada não foi como a gente esperava. Tive uma série de resultados negativos, não estava me encontrando na quadra. Vinha treinando duro e bastante e sabia que uma hora o resultado chegaria. Não tem segredo, não tem mistério no tênis. É trabalho árduo todo dia. E uma hora comecei a jogar um pouco melhor, me sentir melhor dentro de quadra. A partir de Miami consegui fazer dois, três bons jogos. E dali em diante estava confiante que estava perto de um resultado bom. Fui para a gira do saibro, consegui ganhar vários jogos. Junto com isso, evoluí fisicamente, não me lesionei. Tudo isso veio em um bom momento, pois são torneios no piso que mais me sinto confortável. O título de Genebra (ATP 250) foi muito especial. Veio para aliviar a pressão que tinha de não conseguir encaixar uma boa semana há algum tempo.”
Nota da redação: Bellucci conquistou o ATP 250 de Genebra em maio, colocando fim a um jejum de três anos sem títulos.


Objetivo de chegar ao Top 20
“É difícil colocar objetivo e data para chegar em certo lugar no ranking. Consegui evoluir bastante, mas daqui para o 20 primeiros são muitos pontos. Tem quase que dobrar os pontos para entrar entre os 20. Não dá para conseguir isso nos próximos meses. É mais a longo prazo. Quem sabe ano que vem? Sendo muito otimista, seria até o fim do ano. O objetivo agora é conseguir se consolidar entre os 30 primeiros e depois pensar adiante. Pensar passo a passo antes de colocar uma meta.”
Nota da redação: Bellucci ocupa o 40º posto do ranking da ATP, com 1.065 pontos. O 20º colocado, Tommy Robredo, tem 1.710.

O sonho de ganhar um Grand Slam
“Acho que é possível, não acho nada impossível. Ganhar Grand Slam é muito difícil hoje em dia porque temos três fenômenos, que são Federer, Nadal e Djokovic. São caras excepcionais que vão abrir uma grande lacuna quando pararem. Ganhar um Grand Slam é muito difícil, todos os jogadores são muito competitivos, você tem de lutar por todos os pontos. Mas não acho impossível, porque ninguém é imbatível, mas claro que é muito difícil de ganhar destes caras tops em cinco sets.”

Relação com a torcida brasileira
“Desde o começo da minha carreira, sempre foi criada uma grande expectativa em cima de mim e o fato de não ter muitos jogadores entre os melhores cria ainda mais expectativa. As pessoas querem ter alguém para assistir, torcer. Quando se tem uma grande expectativa, as frustrações são maiores. Teve anos que não joguei bem, não consegui bons resultados e as pessoas não entendem que atletas passam por momentos ruins e existem problemas pessoais. Sempre fui cobrado mais pela postura do que pelos resultados.

As pessoas não conseguiam compreender a minha postura passiva, queriam que eu vibrasse mais, que jogasse com a torcida. Mas sempre fui mais low profile e isso acabava irritando o público, que acreditava que eu não estava dando 100%. Talvez isso tenha maximizado a  frustração de quem segue tênis. Isso é uma coisa que superei. A pressão é presente na carreira de qualquer atleta e tem de saber lidar com isso. Não dá para querer chegar longe sem passar por pressão. Os melhores atletas sempre tem pressão.  O importante é saber lidar com isso."

Falta de conhecimento das pessoas
"Muita gente não tem consciência que tem jogador que vive como profissional e nunca consegue entrar entre os 200, 300 do mundo. Tem muitos jogadores que jogaram comigo que não conseguiram entrar neste grupo. Quantas milhares de pessoas jogam no mundo e só 100 são valorizadas? Tem mais de duas mil que passam despercebidas. Para o público, é difícil dimensionar quão competitivo é o tênis hoje em dia. Tem cara que é 300, 200 do mundo e pode ganhar de um 30, 40. Mas não é algo frequente. Se você não está no circuito é difícil dimensionar quão competitivo e tão difícil é ganhar de um top 100."

Pressão por ser o sucessor de Guga
“Com certeza aconteceu isso não só comigo, mas com atletas de outros esportes que sucederam um grande atleta, um fenômeno, como foi o Guga. A expectativa certamente vai ser maior. As pessoas vão achar que vão surgir grandes tenistas. O Brasil sempre teve bons jogadores, mas nenhum como o Guga. Talvez não surja um Guga nos próximos 50 anos, e é difícil as pessoas entenderem isso. Quem não vive diariamente o tênis, não entende quem foi o Guga. Ele foi um fenômeno. Obteve feitos que nem na Argentina, que tem vários tenistas, conseguiram alcançar. É uma coisa que para quem vem depois não é fácil.”
Nota da redação: Em entervista recenete ao jornal Folha de S.Paulo, Guga classificou Bellucci como o segundo melhor tenista brasileiro na história. 

A tão falada falta de consistência
“Muitas vezes não consigo render contra um cara de ranking pior das mesma maneira que rendo contra um cara melhor, como foi contra o Djokovic [na derrota por 2 a 1 no Masters 1.000 de Roma, em maio]. Um melhor jogador, sempre tira seu melhor. Você nunca vai ganhar de Nadal e Djokovic jogando mal. Por isso você consegue jogar bem contra melhores jogadores. A luta que tenho  é de manter  a consistência e o mesmo nível contra qualquer jogador. Se consigo manter este nível, é o cenário perfeito para ficar entre os 20 do ranking.”

Em defesa de Carlos Bernardes na polêmica com Nadal
“É uma questão muito delicada. Eu não vi os pontos nos quais o Nadal tomou warning [advertência]. Mas já vi muitos jogos do Nadal e ele realmente passa do tempo para sacar [o limite é de 25 segundos entre os pontos] e a regra tem de ser igual para todos. O Bernardes é um cara experiente, tem mais de 20, 30 anos no circuito e é a primeira vez que entrou em uma polêmica grande. É delicado. O Bernardes não pode ficar fora do circuito. É muito experiente. A ATP (Associação dos Tenistas Profissionais) tem de lidar com isso, porque o Nadal é experiente e tem peso grande no tênis também. Tem de ser feito da melhor maneira para que ninguém saia prejudicado.”
Nota da redação: Nadal pediu à ATP para não colocar o árbitro brasileiro Carlos Bernardes em seus jogos depois de receber advertências e se envolver em uma discussão no Aberto do Rio, em fevereiro.

Malas e desafetos no circuito
“Tem caras com menos amigos, que são mais fechados, que a galera olha meio estranho. Todo mundo sabe que o (Fabio) Fognini criou problemas dentro da quadra e muita gente não gosta dele. O  (Fernando) Verdasco e o Feliciano López são um pouco carimbados, muitos se incomodam com a postura deles fora da quadra. Você cruza com o cara, e ele nem te olha na cara. Tem muitos caras no circuito que se acham que são mais do que são. O jogador de tênis nada mais é que um jogador de tênis. Não é um Deus, um popstar para menosprezar o outro. Vejo alguns caras  menosprezando e se achando mais do que são. A postura de certos jogadores incomoda por mostrar arrogância.

Hoje o circuito é competitivo e muito fechado. Cada um viaja com seu técnico e preparador. Não tem tanta amizade como 20 anos atrás. O circuito mudou muito, e às vezes por não conhecer bem uma pessoa, acaba se fazendo um julgamento errado. O (Andy) Murray e o (Lukas) Rosol são dois caras que não são muito bem vistos e por isso se batem.”
Nota da redação: No ATP 250 de Munique, em maio, Murray e Rosol tiveram uma discussão acalorada durante o jogo e o britânico disse ao tcheco que ninguém gostava dele no circuito.

Os mais carismáticos
“Dos caras tops, o (Roger) Federer e o (Rafael) Nadal são bem legais. O Federer é um cara que fora da  quadra tem o mesmo carisma que tem dentro dela e com o público. Todo mundo gosta dele, é um cara que muda o clima no vestiário quando entra, fica um ar diferente. Ele é acessível a todos, te parabeniza pelas vitórias. É um cara supersimples.”

Pelo fim de cinco sets
“Quase nenhum jogador gosta de jogar cinco sets. É sacrificante quando você faz um jogo de cinco horas, tem 48 de descanso e precisa entrar em quadra para jogar outra partida em melhor de cinco. O jogo de tênis não precisa de cinco sets para ver quem é melhor, mas o tênis é tradicional e muito rígido. Nos últimos 50 anos, quase nenhuma regra foi mudada e vai ser difícil tirar isso do esporte. O mais perto que passa é na Copa Davis, de diminuir de cinco para três. Nos Grand Slams, acho difícil.”

Perrengues que já passou na carreira
“Isso acontece mais no começo. Já joguei no Irã, no Líbano. Nada contra estes países, mas para nós do Brasil é um cultura muito diferente. No Irã, estava jogando um Future (torneio de menor expressão) porque precisava de pontos e estava fazendo 40 graus. Saí na rua de camiseta, shorts e chinelo. Todo mundo estava olhando demais. Achei que tinha algo estranho. Depois fiquei sabendo que por causa da religião ninguém saía assim. Depois, já mais consolidado teve uns episódios na Copa Davis. Em Chennai [quando o Brasil perdeu para a Índia em 2010] não foi legal.  Uma vez fomos enfrentar a Colômbia [na Copa Davis de 2009] e fomos para Tunja, que fica no meio da selva. Estávamos a quase cinco mil metros de altitude, e nem conseguíamos respirar direito. E o hotel não era lá estas coisas. O chuveiro tinha água fria e a gente ia comprar frango no restaurante da esquina porque a comida era ruim.”

O lado de torcedor e a relação com o Palmeiras
“Vou aos jogos do Palmeiras e até me sinto mal pelos jogadores. Às vezes está no primeiro tempo e a  torcida vaia. O jogador já se sente mal. Já passei por situação parecida. Em casa você quer apoio da torcida e muitas vezes que vou aos jogos, vejo jogadores com mais medo de jogar em casa do que fora e isso é negativo para o Palmeiras. Mas eu sou zero corneteiro. No estádio, dificilmente você vai ver eu xingando jogador. Sou tranquilo, sei o que um atleta passa. Sei que o time está perdendo por vários motivos e não porque o jogador está fazendo corpo mole.”