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Futebol de botão tenta sobreviver à "era do videogame" e teme ficar sem nova geração

Futebol de mesa sobrevive com a paixão de jogadores em clubes como o Corinthians - Bruno Freitas/UOL Esporte
Futebol de mesa sobrevive com a paixão de jogadores em clubes como o Corinthians Imagem: Bruno Freitas/UOL Esporte

Bruno Freitas

Em São Paulo

19/12/2011 12h00

Existe um grupo de fãs de futebol que gerem sua própria entidade, confeccionam tabelas de campeonato como bem entendem e viabilizam contratações de jogadores impensáveis no mundo real. Composto de bolinhas de feltro, jogadores em fórmula de círculo e goleiros retangulares, o jogo de botão que abrigou sonhos malucos de tantos meninos nos estrelões da vida agora luta para sobreviver na desleal batalha contra o detalhista universo dos videogames, na esperança que uma nova geração de adeptos não deixe o esporte acabar.

Popular brincadeira de garotos brasileiros até a explosão dos jogos eletrônicos, o futebol de botão hoje sobrevive através da paixão de adeptos saudosistas, boa parte deles ligada a clubes grandes. Em geral, trata-se de uma turma acima da casa dos trinta (ou quarenta), que luta para transmitir o vício das palhetas para seus filhos, geralmente já seduzidos pela quase perfeição das partidas de videogame, que têm nos ídolos dos campos poderosos divulgadores espontâneos.   

"A garotada realmente não está interessada. É uma ameaça ao esporte. Em dez ou 15 anos não sei se o futebol de mesa ainda vai existir", diz Daniel Stankevicius, jogador da equipe de futebol de mesa do Corinthians (ou "botonista", como são conhecidos os atletas da modalidade).

A reportagem do UOL Esporte visita uma noite de treinamento da equipe corintiana no Parque São Jorge, em uma sala especialmente adaptada para a prática, com piso emborrachado para eventuais quedas de peças e climatização através de ar condicionado. Um dos atletas no local é Nilton Lombardi, que prepara uma de suas equipes com um produto lustra móveis, com a finalidade de fazer seus jogadores deslizarem adequadamente. O integrante da categoria máster (acima de 42 anos) conta que conseguiu a façanha de fazer o filho Yuan se interessar pela modalidade.

FRASE

Estamos numa onda de volta de algumas coisas do passado, como o vinil, aquelas geladeiras mais antigas. Quem sabe não aconteça o mesmo com o futebol de mesa

Tadeu Sanchis, jogador do Corinthians, quinto lugar no 1º Mundial da modalidade, disputado na Hungria

"Ele tem 16 anos, é o quarto do ranking paulista sub-20. Eu sou o 24º da minha categoria. Antes eu deixava ele ganhar às vezes, mas hoje já sou 'pato' dele", celebra Nilton, com orgulho do feito de recrutar um jovem para a missão de levar adiante o futebol de mesa.

Renan Roberto é outro integrante da equipe do Corinthians, praticante que tem como hobby decorar seus próprios times. Em um deles, no azul claro do Manchester City, colocou o rosto de seu filho de oito anos em um dos jogadores. Mesmo assim, afirma reconhecer que dificilmente o garoto deixará o videogame em segundo plano para abraçar o esporte da bola de feltro.

À frente da Federação Paulista de futebol de mesa, Jorge Farah é um dos grandes entusiastas nacionais do esporte. Ele dirige a entidade com cerca de 2,3 mil filiados (mas apenas uns 350 ativos) e mantém um blog onde apresenta sua coleção de raridades de times antigos. No debate sobre a sobrevivência do botão como modalidade e brincadeira lúdica, o dirigente de 53 anos diz que é um erro encarar o videogame como um inimigo.

"Há um equivoco que se cometeu anos atrás por quem joga o futebol de mesa. O videogame não é nosso concorrente. O jogo eletrônico e o botão são coisas muito distintas", afirma o dirigente, que ressalta a vantagem de sua modalidade como ferramenta de fantasia.

O CULTO AO MODELO "BRIANEZI"

Conhecido modelo de quem jogava futebol de mesa nos anos 70 e 80, o 'Brianezi' é cultuado até hoje por fãs da modalidade. A loja da família que batizou seus botões com o sobrenome ficava no bairro paulistano do Belém e, no auge de produção, contava com um catálogo de 245 times.

Criador da marca, Paulo Brianezi começou a confeccionar as equipes no fundo da loja de que era dono e oficializou o negócio em 1973. O proprietário morreu no fim dos anos 70 e deixou a fábrica em São Paulo para o filho Lúcio.

Mais adiante, no início dos anos 90, o empreendimento sofreu com a obrigatoriedade do pagamento de royalties e parou de funcionar em 2001. Mesmo assim, segue na memória dos fãs. "Aqueles times da Brianezi, com as duas faixinhas laterais, são muito adorados", diz Jorge Farah, presidente da Federação Paulista.

"O pessoal do videogame fica tão fixado na TV, que não tem tempo de pensar. Não pode criar nada, as jogadas já estão lá todas programadas", conclui Farah.

FABRICANTES FALAM EM TEMPOS DIFÍCEIS PARA O MERCADO

A realidade de interesse em queda pelo esporte de mesa também chegou naturalmente aos fabricantes de times de botões. Eduardo Toscano é uma referência na produção de modelos do esporte desde 1991 e admite a dificuldade atual do mercado.

"A gente conversa com outros fabricantes, alguns fornecedores, e dá para perceber que de um ano e meio para cá a coisa está bem difícil. Não sei dizer se é exatamente em razão dos jogos eletrônicos, mas o mercado está complicado", afirma o proprietário da "Edú Botões", oficina no bairro do Butantã, que já contou com sete funcionários e hoje opera com o dono e seu pai.

"O pai chega aqui para comprar e fala: 'Quero mostrar o futebol de botão para o meu filho, jogar com ele. Porque quando chego em casa, ele está lá com o joystick na mão, mal olha para minha cara'", relata Toscano, que diz lucrar mais hoje em dia com trabalhos especiais para empresas como Rede Globo e agências de publicidade.

Em outro ponto da cidade, na Mooca, Lennon Biscasse gerencia a fábrica "Futmesagol", com mais de 40 anos no ramo. O fabricante também admite a fase de dificuldades, mas, além dos videogames, aponta para a questão de royalties dos famosos clubes brasileiros como elemento complicador do mercado.

A empresa de brinquedos Gulliver detém um antigo contrato de licenciamento e é atualmente quem abastece a demanda existente das lojas, de esporte ou para crianças, com modelos de botão mais simples.

Além de algumas estantes menos nobres das lojas, o futebol de mesa sobrevive na paixão de seus adeptos, que vão buscar novos times onde eles estiverem. Em uma cena que ilustra a esperança de vida da modalidade, a reportagem do UOL Esporte encontra na oficina de Eduardo Toscano seis novas mesas de jogo encostas, à espera de seus compradores, em campos conhecidos no passado como estrelão. Um dos consumidores ajeita a miniatura de estádio acima do carro e parte, prometendo incentivar o filho a fazer gols usando palhetas, e não somente com joysticks.

CHICO BUARQUE E OUTRAS CELEBRIDADES BOTONISTAS

Segundo consta, o futebol de botão tem uma extensa lista de adeptos famosos, nomes como Chico Buarque de Holanda, que na foto ao lado trava um duelo com o colega de música Vinicius de Moraes. Mas a lista de botonistas ilustres é maior.

"O Jô Soares joga, o Chico Anysio disse numa entrevista na TV que ganhou um campeonato no Rio. Tem o Chico Buarque, Oscar Schmidt, Delfim Netto (político), Osmar Prado (ator da Globo). Todos esse são apaixonados pelo botão", conta Jorge Farah, presidente da Federação Paulista.

HISTÓRIA COMEÇA NOS ANOS 20

O carioca Geraldo Cardoso Décourt é considerado o criador do esporte conhecido hoje como futebol de mesa. Com 19 anos de idade, em 1927, batizou o jogo com o nome Celotex, devido ao material usado na época para as confecções das mesas, que tinha esse nome e era importado de Chicago da The Celotex Co. Alguns meses depois o pioneiro publicava o primeiro livro com as regras oficiais e passou a divulgar a modalidade em jornais e revistas. Também organizou torneios e campeonatos.

CORINTHIANS x PALMEIRAS TAMBÉM FERVE NO BOTÃO

A rivalidade entre corintianos e palmeirenses é tão quente no futebol de mesa quanto é nos gramados. A tradicional equipe alviverde ganhou as três primeiras edições do Campeonato Brasileiro de equipes, mas a turma do Parque São Jorge deu o troco em 2010, no ano do centenário.

Mesmo assim, os jogadores das duas equipes se dão bem e respeitam uma espécie de código de ética em competições. "Quando a gente vai jogar lá, não entra no clube com a camisa do Corinthians. Quando eles vêm jogar aqui, a mesma coisa. Só colocamos as camisas dentro da sala de jogo", conta o botonista corintiano Daniel Stankevicius.