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"Vaquinha" vira alternativa para patrocínio, mas esporte ainda sofre com o conceito

Travessia do Atlântico, projeto de Beto Pandiani, que usou crowd funding - Reprodução
Travessia do Atlântico, projeto de Beto Pandiani, que usou crowd funding Imagem: Reprodução

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

05/02/2013 06h00

Já ouviu falar de financiamento coletivo? São projetos divulgados em sites específicos em busca de investimentos. Qualquer um pode contribuir, no melhor estilo vaquinha. O mundo da arte já se beneficia do conceito. No Brasil, centenas de livros, CDs, peças de teatro e ações dos mais variados tipos saíram do plano das ideias e viraram realidade graças a essa nova modalidade de captação de recursos.

O mundo esportivo também está entrando na onda e o crowd funding (a expressão em inglês que é mais usada para definir o modelo) já virou uma alternativa concreta para quem busca dinheiro e está encontrando dificuldades para encontrar patrocinadores. O conceito do financiamento coletivo, porém, ainda encontra dificuldades por aqui.

Nos próximos dias, dois projetos vão fechar suas tentativas de financiamento e exemplificam lados positivos e negativos da iniciativa. A “Travessia do Atlântico”, do velejador Beto Pandiani, arrecadou 83% dos R$ 150 mil que buscava e deve completar o valor até a data limite, dia 10. Já o “Força para a Força”, da bicampeão mundial de powerlifting (modalidade de levantamento de peso) Marília Coutinho, conseguiu 33% dos R$ 13.400 propostos e a responsável pretende cobrir, por conta própria, a soma restante até o dia 15, quando a iniciativa termina.

Projeto de vela chega perto de R$ 150 mil

  • Maristela Colucci/Divulgação

A iniciativa de buscar parceiros via financiamento coletivo para a “Travessia do Atlântico” foi uma meta ousada de Pandiani. Veterano de seis aventuras do gênero, ele conta com patrocínio de grandes empresas, que bancaram a maior parte da viagem. Ele, no entanto, separou uma das cotas de patrocínio para o empreendimento. O valor, R$ 150 mil, era alto para iniciativas do tipo. Mesmo assim, está muito perto da meta: usando o site O Pote (confira o projeto aqui: http://opote.com.br/novo/Projeto/Detalhes/14), ele arrecadou R$ 124.158,63 até segunda-feira – faltam R$ 25.841,37 a ser arrecadados até o dia 10 de fevereiro.

“Minha cota de apoio é de R$ 195 mil. Tirei os impostos, o valor ficou em R$ 160 mil. Pensei em colocar R$ 100 mil como meta, mas no final, coloquei R$ 150 mil. E está emocionante acompanhar o desenvolvimento do projeto”, conta Pandiani. “Eu fiquei muito surpreso com a resposta. Quando comecei, achei que a maioria dos doadores ficaria na faixa dos R$ 50 e R$ 100. Mas já são 280 pessoas que doaram em média R$ 500. É um valor muito alto”, completa.

Além da ajuda financeira, Pandiani comemora a repercussão que essas pessoas podem gerar ao projeto. “Quem contribuiu é multiplicador da minha história. Quem contribuiu para a travessia vai estar mais interessado em ler sobre o que está acontecendo e vai compartilhar mais. Eu não tenho doadores, mas embaixadores do projeto, que vão usar sua rede de relacionamentos para aumentar ainda mais o alcance da travessia. E esse valor é maior até do que até a própria colaboração financeira. O sucesso da viagem depende da divulgação, da penetração. O patrocinador tem a percepção de que o investimento foi bom quando, em uma conversa com amigos, ouve sobre o projeto em que ele apostou. E aposto que, com a força das mídias sociais e esses embaixadores, esse impacto pode aumentar bastante”, afirma o velejador.

A “Travessia do Atlântico” começa no dia 10 de março. A viagem será feita em um catamarã (barco com dois cascos) sem cabine, entre a Cidade do Cabo, na África do Sul, e Ilhabela, no litoral de São Paulo, e deve durar 30 dias. O processo de preparação, aliás, ajudou na captação de recursos: Pandiani divulgou toda a construção do barco, na Alemanha, nas redes sociais, lembrando, nos últimos meses, do processo de financiamento coletivo. “Eu tenho muito conteúdo das viagens anteriores. Além disso, fiz quase uma fotonovela da construção do Picolé [o nome do catamarã]. O que eu faço é oferecer histórias, filmes, reflexões, além do crowd funding, para não ficar árido e reter a atenção das pessoas”.

Bicampeã mundial se abate com fracasso

  • Helena Coutinho/Divulgação

O caso de Marília Coutinho e do “Força para a Força” é o exemplo negativo do financiamento coletivo. Bicampeã mundial de powerlifting, uma vertente não-olímpica do levantamento de peso, ela montou um projeto muito mais modesto do que o de Pandiani. Seu objetivo era arrecadar R$ 13.400,00 para que ela e o vice-campeão mundial Diego Figueroa participassem do NAPR/RPS International Open, um dos campeonatos mais importantes da modalidade, nos EUA, no dia 1 de março.

A tentativa de financiamento coletivo foi feita pelo site Catarse (mais informações aqui: http://catarse.me/pt/forca_para_forca) e termina no dia 15 de fevereiro. Até agora, a arrecadação foi baixa, com apenas 33% (R$ 4.400), e teve efeitos graves na preparação da dupla para o torneio. Diego não deve viajar.

Marília vai bancar sua viagem com recursos próprios, mas admitiu que sua rotina de treinos foi prejudicada pela baixa adesão e o trabalho que a tentativa de mobilização acabou gerando. “Eu achava que ia ter atingido o valor esperado há duas semanas. No começo, entrei em crise, sentei e chorei. Depois, me dei conta de como as relações podem ser perversas no esporte”, admite a atleta, que também é acadêmica: tem ph.D em biologia e vários livros publicados, incluindo sobre treinamento esportivo.

A origem da mágoa de Marília é a baixa adesão dos companheiros da modalidade ao seu projeto. “No esporte e no campo do treinamento impera um primitivo senso de concorrência intuitiva, sem estratégia e ligeiramente burra: ‘melhor que o outro se dane’. Não existe solidariedade. Quando você está no topo, é admirado. Quando percebem que você está pedindo alguma coisa, pisam em cima”, analisa Marília.

Pontos positivos e negativos

Apesar da diferença entre os dois processos, as vantagens que ambos ofereceram aos seus apoiadores foram bem parecidas. Em seu projeto, Pandiani ofereceu livros de suas aventuras anteriores, fotos em alta resolução, passeios no mesmo barco que fará a travessia do Atlântico e até palestras, dependendo do tamanho da contribuição.

“Arrecadar dinheiro em crowd funding é delicado. Você tem de ser muito cauteloso para não ser entendido como pedinte. Estudei muito antes de montar o projeto e preparei contrapartidas interessantes para os parceiros. Além dos livros e dos passeios, quatro empresas compraram as palestras. Se tivesse mais tempo, teria colocado ainda mais atrativos, preparado camisetas, bonés”, fala Pandiani.

Marília ofereceu edições eletrônicas de seus livros (e-books), espaço de patrocinadores, divulgação em mídias sociais e programas de treinamento personalizados.  “Eu sempre enfatizei que o que nós estamos propondo é uma troca. Não estamos pedindo dinheiro. Quem contribuir para o projeto recebe em troca um produto de valor alto. Coisas que todos me pedem, diariamente. Tenho certeza que, se tivesse feito o projeto para viabilizar um dos livros, a aceitação seria muito melhor. No Brasil, a cultura é mais valorizada do que o esporte, mesmo sabendo que os dois são formas de educação”, lamenta a atleta.

As críticas também são parecidas. Uma delas tem origem na essência do financiamento coletivo: o conceito do “tudo ou nada”. O autor do projeto só recebe o dinheiro se atingir a meta de arrecadação, para garantir que sua realização. “Isso torna todo o processo desesperador. É um conceito limitado demais. Além disso, o tempo de financiamento é curto”, fala Diego. “Para as artes, acho que funciona. O artista pode esperar o financiamento do projeto para saber se pode começar a trabalhar. Com o atleta, isso não é possível. Ele precisa manter o treinamento. O ideal era ter uma modalidade específica que não estivesse ligada ao valor integral”, completa Marília.

Além disso, o processo de pagamento ainda é complicado. “Ainda estamos longe do ideal nessa área de pagamento virtual. No meu caso, todos os pagamentos passavam por um processo muito rígido. O que aconteceu várias vezes foram pessoas tentando apoiar com um valor alto e o site não aprovava. Era preciso logar, confirmar o valor e confirmar a identidade da pessoa. Isso acaba assustando alguns interessados. Tem gente que desiste com tantas barreiras”, conta Pandiani.

 Futebol ainda busca exemplo de peso

  • Reprodução

Os dois exemplos mostram que o esporte ainda está buscando modelos para usar o financiamento coletivo. Inclusive o futebol. O esporte mais popular do Brasil já viu iniciativas darem certo e errado. Fluminense e Coritiba se beneficiaram. O clube carioca conseguiu mais de R$ 200 mil para a edição de um livro comemorativo de seus 110 anos. Já os paranaenses, por meio de sua torcida, arrecadaram mais de R$ 70 mil para comprar equipamentos para o “Green Hell” eletrônico, um show de luzes e fumaças que substituiu a festa com sinalizadores que marcava a entrada dos jogadores em seu estádio. O Palmeiras, por sua vez, tentou uma iniciativa mais ousada: ao contratar o meio-campista Wesley, buscou recursos de sua torcida. Pediu R$ 21 milhões e ficou bem longe da meta.

Para Rodrigo Maia, sócio do Catarse, o principal site de financiamento coletivo do país, esses casos mostram como o esporte pode se orientar para ter sucesso. “Creio que o financiamento colaborativo funcione para modalidades que enfrentam problemas de patrocínio. Acima de tudo, o crowd funding é um mecanismo que valoriza a narrativa. E a narrativa de um atleta que enfrenta dificuldades e, mesmo assim, continua a treinar é, por si só, rica. Tem o elemento paixão no meio e isso em geral conquista as pessoas. Não sei se seria tão eficiente para modalidades já estabelecidas, que já tem uma circulação de recursos mais abundante”, analisa. “No futebol, não acredito muito na compra de jogadores por crowd funding, como no caso do Palmeiras. Mas acho que iniciativas como a do Fluminense têm boas chances”, completa.