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Funcionários do Esporte são multados em caso que derrubou Orlando Silva

Orlando Silva e Agnelo Queiroz: sigilos quebrados e investigação sob segredo no STJ desde 2011 - Marcelo Camargo/Folha Press
Orlando Silva e Agnelo Queiroz: sigilos quebrados e investigação sob segredo no STJ desde 2011 Imagem: Marcelo Camargo/Folha Press

Aiuri Rebello e Ricardo Perrone

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

04/12/2013 06h00

O TCU (Tribunal de Contas da União) condenou a pagamento de multa sete funcionários e ex-funcionários do governo federal por envolvimento no escândalo de desvio de verbas públicas no Programa Segundo Tempo, que derrubou o ex-ministro do Esporte Orlando Silva da pasta em 2011. De acordo com o tribunal de contas, os servidores, todos então trabalhando no Ministério do Esporte, tiveram participação na liberação de dinheiro para uma ONG do Distrito Federal envolvida no suposto esquema de corrupção. As irregularidades praticadas pela instituição ainda estão sendo investigadas.

Dos sete servidores condenados pelo TCU, dois ainda trabalham no Ministério do Esporte. O valor total das penalidades aplicadas somadas é de R$ 71 mil. Além disso, o órgão de controle ratificou a decisão de cobrar de volta da ONG e seus responsáveis R$ 650 mil do contrato em questão, hoje reajustados para cerca de R$ 1,3 milhão com uma multa acrescida. A Justiça já havia determinado a devolução deste dinheiro.

Em 2005, o Ministério do Esporte firmou o convênio número 26, com a Federação Brasiliense de Kung-Fu, para a implantação no DF do Programa Segundo Tempo, de fomento e oferta de práticas esportivas para jovens fora do horário de aula. O contrato com a federação, presidida pelo policial militar reformado João Dias Ferreira, era de cerca de R$ 2 milhões, hoje corrigidos para R$ 3,7 milhões. O TCU não concluiu o julgamento das contas deste primeiro contrato até hoje. De acordo com o tribunal, em março de 2006 apareceram as primeiras denúncias na imprensa sobre a implantação do Segundo Tempo do DF pela federação de kung-fu. No mesmo mês a fiscalização do Ministério do Esporte confirmou as irregularidades e abriu uma investigação. 

Mesmo assim sete meses depois, em outubro daquele ano, o Ministério do Esporte firmou um novo convênio com o policial militar, desta vez através da Associação João Dias de Kung-Fu Desporto e Fitness. O convênio número 211 previa a liberação de mais R$ 650 mil também para a implantação do Programa Segundo Tempo, desta vez em 25 núcleos na cidade de Sobradinho. Foram duas parcelas: uma de R$ 184 mil e outra de R$ 461 mil. Quando a segunda parcela foi liberada, em 2007, a fiscalização do próprio ministério contra João Dias Ferreira já tinha levado à inscrição da federação de kung-fu no cadastro de quem não pode receber dinheiro do governo. Além disso, a prestação de contas da primeira parcela deste novo contrato também não havia sido prestada de forma regular.

'Negligência e imprudência'

De acordo com o TCU, João Ghizoni e Júlio Filgueira, que se sucederam na Secretaria Nacional de Esporte Educacional à época, e a equipe da secretaria, formada pelas servidoras Gianna Lepre Perim, Marília Fonseca Cerqueira e Milena Carneiro Bastos, encaminharam o processo, autorizaram e recomendaram a assinatura de um novo convênio mesmo sabendo das suspeitas sobre a entidade e seu dono. O secretário geral do Ministério do Esporte na época, Rafael de Aguiar Barbosa, e o secretário executivo da pasta, Wadson Ribeiro, assinaram o novo convênio e liberaram os recursos.

As multas aplicadas aos sete pelo TCU vão de R$ 3 mil a R$ 20 mil, dependendo da responsabilidade de cada um no episódio. Para o TCU, houve no mínimo "negligência e imprudência" no caso. As defesas apresentadas pelos sete, basicamente alegando que naquele momento não era ilegal firmar outro convênio com a entidade suspeita ou dizendo que não sabiam dos problemas, não foi aceita pelo tribunal. Para o TCU, não é crível que os responsáveis pelos convênios não soubessem de nada.

De acordo com o Ministério do Esporte, Gianna e Milena continuam trabalhando por lá. Questionada qual a data e motivo do afastamento dos outros servidores multados no episódio e se a condenação mudava em algo a situação das servidoras que ainda trabalham lá, a assessoria de imprensa do ministério não respondeu.

"O Ministério do Esporte identificou em 2008 irregularidades em convênios firmados com a Federação Brasiliense de Kung-fu e com a Associação João Dias de Kung-Fu, Esportes e Fitness, tendo tomado a iniciativa de adotar todas as providências cabíveis", afirma a nota enviada ao UOL Esporte. "Em dezembro daquele ano, o Ministério do Esporte instituiu processo de Tomada de Contas Especial contra João Dias Ferreira por motivo de irregularidades detectadas no convênio 026/2005, firmado com a Federação Brasiliense de Kung-fu".

Queda do ministro

Depois de liberar todo o dinheiro, sem prestação de contas e após diversas denúncias de irregularidades nos dois contratos com o policial militar no DF, em 2008 o Ministério do Esporte instaurou Tomada de Contas Especial especial contra as duas entidades presididas por ele e investigações foram abertas no TCU e na CGU (Controladoria Geral da União). Em 2010, João Dias Ferreira foi preso na Operação Shao-Lin, da Polícia Civil do DF, acusado de desviar pelo menos R$ 2 milhões dos contratos com o governo no Programa Segundo Tempo. As investigações apontaram que das 5 mil crianças que deveriam ter participado do programa por meio das entidades de kung-fu do policial militar, apenas 107 foram atendidas. O restante do dinheiro foi desviado com o uso de notas fiscais falsas para justificar os gastos com alimentação, materiais esportivos, instrutores e infraestrutura esportiva, com aluguel de quadras e outros espaços.

Em 2011, já em liberdade, João Dias Ferreira denunciou à revista Veja que o então ministro do Esporte, Orlando Silva, participava do esquema, e que já havia recebido dinheiro dentro de uma caixa de sapatos na garagem do ministério. Todas as ONGs que firmavam convênios com o ministério para o Segundo Tempo supostamente tinham de pagar propina. O esquema de corrupção, que teria sido implantado na pasta do Esporte na gestão do antecessor de Silva, o hoje governador do DF pelo PT Agnelo Queiroz, para abastecer o "caixa dois" de campanha do PCdoB. Queiroz foi ministro do Esporte de 2003 a 2008, quando Silva assumiu. Apesar de sempre ter negado as acusações, Silva não resistiu à pressão e deixou o cargo poucos dias depois das denúncias do PM contra ele.

A PGR (Procuradoria Geral da República) solicitou ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de uma investigação das suspeitas sobre o suposto esquema de corrupção no Ministério do Esporte. O caso corre desde 2011 sob segredo de Justiça no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Os dois ex-ministros do Esporte, assim como João Dias Ferreira e outras pessoas, tiveram seus sigilos fiscais e bancários quebrados, mas até agora o inquérito não foi concluído e ninguém foi denunciado por nenhum crime de corrupção.

No final de outubro, João Dias Ferreira foi preso por receptação de equipamentos de construção roubados. O PM reformado havia sido preso outras duas vezes depois da Operação Shao-Lin por motivos diversos, uma em 2012 e outra no fim de 2011. O ex-ministro Orlando Silva, hoje vereador de São Paulo pelo PCdoB, foi procurado pela reportagem em seu gabinete na câmara municipal para falar sobre o assunto, mas sua assessoria de imprensa não o localizou antes do fechamento deste material para comentar o caso. Os servidores e ex-servidores do Ministério do Esporte, assim como Ferreira, não foram localizados para manifestar-se. Agnelo sempre negou as denúncias, mas na época admitiu que conhecia o PM, devido à militância dele no PCdoB, sigla à qual o governador era filiado antes de se transferir ao PT.