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República de meninas do rúgbi tem mito de assombração e festa agitada

Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

15/01/2015 06h01

Imagine uma casa só de mulheres. Ou melhor, com oito mulheres. A primeira imagem que vem à cabeça pode ser um lugar barulhento, cheio de roupas e kits de maquiagem espalhados por todos os lados. Mas é num ambiente bem diferente da descrição acima que oito jogadoras da seleção brasileira de rúgbi vivem em São Paulo.

É na espaçosa casa com direito a quatro quartos, quintal e churrasqueira que elas dividem o sofá, as contas, as tarefas domésticas e, principalmente, os sonhos.

Sonhos cada vez maiores e mais palpáveis. Neste ano, elas vão disputar o Pan-Americano de Toronto e já têm vaga assegurada nas Olimpíadas de 2016. Para dar conta de tudo, elas enfrentam uma forte rotina de treinos, viagens e jogos se apoiam nas palavras de ordem estampadas na parede da sala de jantar: respeito e disciplina.

Mas uma boa dose de amizade e uma pitada de bom humor também ajudam a levar os compromissos com mais prazer e leveza.  Na casa, o riso rola solto e elas fazem piada sobre tudo. Existe até um mito de que a casa é mal assombrada.

“A gente tem uma brincadeira aqui em casa em que a gente gosta de assustar as pessoas. A casa é mal assombrada. Quando as pessoas vêm aqui, a gente dá um susto. No treino a gente brinca: ‘fulana saiu correndo do quarto ontem’”, conta a hooker Luiza Campos.

“É mal assombrada porque essa casa é colada em uma outra casa e tem a parede fina. A pessoa fala lá e parece que está falando aqui dentro. Dá um eco e qualquer barulho você escuta na casa inteira. Um dia me escondi embaixo da cama”, diz ela, arrancando gargalhadas das colegas.

Com a rotina desgastante, as meninas mal têm tempo para se divertir. No fim de semana, a balada até chega a ser cogitada no fim de semana, mas na hora H todas desistem ao serem tomadas pelo cansaço. Os passatempos preferidos são dormir, ouvir música, ver jogos de rúgbi e até assistir a uma novela teen todos os dias religiosamente.

“Malhação é religioso aqui em casa. A Cleici (Fernanda, abertura da seleção) coloca todo mundo para ver. Quando dá o horário de Malhação toca o sininho aqui em casa”, brinca Beatriz Futuro, a Baby, que é ponta da seleção.

Como o tempo para sair é restrito, o jeito é se divertir no próprio lar. Certa vez, a casa foi palco de uma festa à fantasia que não terminou muito bem. Lá pelas tantas horas da madrugada, a polícia apareceu depois das reclamações dos vizinhos. 

“A gente deu uma vez uma festa à fantasia e foi o caos na terra. Chegou a policia porque o som estava muito alto. Eu era a única ‘mais normal’ vestida de Tomb Raider e fui falar com eles. Mas no final das contas a gente abaixou o som e deu tudo certo. É bom também para se divertir porque se tiver disciplina demais dá uma neurose”, conta Baby.

A Confederação Brasileira de Rúgbi (CBRu) decidiu montar a casa em abril de 2013 para reunir as atletas que moravam fora de São Paulo e para que todo o grupo treinasse junto.  Hoje, dá para dizer que a casa é a extensão dos treinos.  

Assim como as posições no campo, em casa cada uma tem sua função bem definida. Nos quadros espalhados pela sala de jantar estão estampados a divisão das tarefas: quem cozinha, lava, seca, arruma os quartos. Mas a rotina já está tão bem estabelecida que elas nem precisam mais dos avisos.

É com essa mesma disciplina que as contas são divididas ‘irmãmente’. A Confederação banca o aluguel e custos básicos como água e luz. E elas fazem uma caixinha para pagar alimentação, segurança, internet e TV a cabo. Cada uma paga R$ 60 por semana para as compras coletivas.

Nesses quase dois anos juntas,  elas estabeleceram laços e vivem como uma família. Mas o mais importante é que os resultados só melhoraram: hoje elas são decacampeãs sul-americanas e estão garantidas no Pan de Toronto e nos Jogos de 2016.  

Baby Futuro, a atleta mais antiga da seleção que defende a equipe há dez anos, ressalta a evolução do grupo. “Estou na luta com a seleção desde 2004, de lá para cá mudou muita coisa. Nunca imaginei que poderia estar onde estamos, fomos aos poucos evoluindo, ganhamos sul-americanos, jogamos internacionalmente na elite. A estrutura melhorou, o patrocínio valorizou, até a gente como atletas, hoje podemos viver de rúgbi. Tudo que temos hoje, treinamento, tecnologia, preparação, alimentação, médico, a casa, poder estar aqui treinando juntas. Se não centralizasse, não estaríamos no nível de hoje, foi essencial”.