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Ostentação só na pose. Com R$ 2, dá para "pagar de bacana" no Jockey Club

Milka Borges (à esquerda) com a sobrinha e a irmã durante o GP São Paulo - Daniel Lisboa/UOL
Milka Borges (à esquerda) com a sobrinha e a irmã durante o GP São Paulo Imagem: Daniel Lisboa/UOL

Daniel Lisboa

Do UOL, em São Paulo

06/05/2015 06h00

Se você não acompanha turfe e nunca colocou os pés no Joquey Club de São Paulo, é possível que imagine seus frequentadores como endinheirados. Gente privilegiada, que gasta somas proibitivas em um programa distante dos "reles mortais".

Isso até pode ser verdade para alguns deles, mas, se você pensa que ir a este tradicional centro do turfe paulistano é coisa só para "bacana", está muito enganado: apesar da pompa e elegância que a instituição procura passar, na prática é diferente. É possível passar o dia lá com apenas R$ 2.  

Este valor para lá de módico é a quantia mínima que você é obrigado a apostar em um páreo, mesmo em dia de Grande Prêmio como no domingo passado (quando foi realizada a 91ª edição do GP São Paulo). A entrada é gratuita todos os dias da semana. Ou seja, se você entrar, fizer apenas uma aposta e não consumir nada, pode “pagar” de aristocrata e, com sorte, ainda sair com uma bolada.

O único porém é o vestuário: esqueça bonés, regatas, bermudas e afins. Uma gravatinha também vai bem, porque este repórter foi barrado duas vezes mesmo com a pulseira de imprensa lilás-fosforescente brilhando no pulso. 

Não é só para rico

Proprietário de uma das lanchonetes do Jockey Club, Manoel Hernandy Palumo concorda que ali está um programa para todos. E reforça essa ideia para lamentar o atual momento da instituição.  “Há uns cinco anos, a fila nesta hora dava a volta. Agora olha só, não tem ninguém”, diz ele. “O movimento aqui caiu muito. As pessoas acham que vir ao Jockey é programa para gente rica. Isso não tem nada a ver. Você viu o preço dos nossos salgados? É barato. O cara vai gastar muito mais se levar a família para comer em um restaurante”, exemplifica Manoel.

Chique, mas mal educado

Além de barato, ir ao Jóquei Club de São Paulo em dia de grandes corridas pode ser uma experiência interessante. Esqueça apostadores decadentes e arruinados torrando os últimos tostões: circulando pelo local, você descobre frequentadores que vão além dos estereótipos (e outros que nem tanto). São seguranças parecidos com o ator Robert de Niro no filme “Entrando Numa Fria”, senhoras usando vestidos e chapéus só encontrados em festas da realeza europeia, crianças vestidas como adultos e até gente “assaltando” sem piedade os doces do luxuoso banquete oferecido aos convidados do evento.

“Olha, o pessoal aqui é muito chique, mas tenho que dizer que é mal-educado, viu? Ninguém levantou da cadeira para eu sentar com o bebê”, diz Milka Borges. Uma das convidadas, ela acompanha a irmã e o sobrinho pequeno no almoço que acontece no restaurante do Jockey Club. Com seus vestidos e chapéus um pouco mais extravagantes que a média dos demais convidados, as duas são também as que mais chamam a atenção dos fotógrafos. “Estou aqui mais para fazer a social mesmo, não vou apostar”, diz Milka, que faz mais uma pequena reclamação: “O filet mignon estava cru”.

“Não me confunda com esse galinheiro”

Na área externa do restaurante, é possível acompanhar as corridas em mesas com uma posição privilegiada dos páreos. Uma delas chama a atenção por ser a que reúne o maior número de senhoras trajadas de modo distinto (ou extremamente distinto, para quem não está habituado ao ambiente). Ao notar que a mesa é fotografada, a ocupante da mesa ao lado, vestida de maneira bem menos chamativa, se dirige ao repórter.

“Eu vi que você estava fotografando. Pelo amor de Deus, não me confunda com esse galinheiro, hein! Dá até vergonha. Dá para sentir o cheiro da naftalina. Esse pessoal está aqui porque precisa aparecer”, diz a envergonhada vizinha de mesa.

Equoterapia

Leticia Junqueira mantém espaço para equoterapia dentro do Joquey Club - Daniel Lisboa/UOL - Daniel Lisboa/UOL
Leticia Junqueira mantém espaço para equoterapia dentro do Joquey Club
Imagem: Daniel Lisboa/UOL

Mas nem tudo, claro, é reclamação. Acompanhando um dos páreos anteriores ao GP São Paulo ao lado da prima, Leticia Junqueira conta que mantém um espaço dentro do Jockey Club para a prática de equoterapia (tipo de terapia que emprega o cavalo como agente promotor de ganhos físicos e psíquicos). “Minha família sempre foi apaixonada por cavalos, somos criadores. Então, além de frequentar as corridas aqui, conseguimos implantar esse importante trabalho”, diz Leticia, que havia acabado de ganhar uma aposta e acompanha o GP São Paulo desde 1998.

Para Leticia, os problemas financeiros que o Jockey Club vem enfrentando não interferem na qualidade das atrações. “O Jockey nos surpreende a cada ano. A diretoria dá um jeito de manter a qualidade das competições.”

Dez mil dólares. No chute.

Como se um piso separasse dois mundos diferentes, logo embaixo de onde o glamoroso almoço era servido, funcionam os balcões de apostas e a lanchonete do Jockey Club. Lá, é possível encontrar quitutes típicos de qualquer boteco de esquina: empada, misto-quente, x-salada, porções de salame e contra-filet. Tudo com uma cervejinha de lata ou uma caipirinha para acompanhar.

É neste ambiente bem mais despojado, e munido da sua cervejinha, que Darar William Zraik acompanha os páreos pelas TVs instaladas no local. Veterinário há mais de cinquenta anos, frequentador de hipódromos desde moleque, ele observa os cavalos do próximo páreo entrando na pista e dispara suas dicas: “Esse aí tá todo travadão, olha lá. Esse aí tá com a cabeça baixa, não vai ganhar. Com os músculos cansados desse jeito, não tem como.”

Infelizmente para Darar, seus palpites para aquele páreo – os números 5, 6 e 11 – não ficaram entre os três primeiros. Mas ele dá outras provas de que entende do assunto, faz gestos com os braços que simulam os movimentos de um cavalo, e revela-se um excelente contador de causos.  Um dia após o Natal de 1996, por exemplo, ele estava deprimido porque havia acabado de perder a esposa, e mal de grana. Foi atender uma égua que, segundo ele, sobreviveu milagrosamente. Com o dinheiro da consulta, e depois de enrolar muito, resolveu entrar em uma casa lotérica de Curitiba que trabalhava também com apostas em corridas de cavalos. Havia uma bolada em disputa, mas, como o local já estava fechando, Darar tinha poucos minutos para fazer a aposta. Decidiu então que não era hora de usar seus conhecimentos, e sim simplesmente chutar apostando nos números do seu antigo endereço. Acabou sendo o único no Brasil a acertar sete dos oito vencedores das corridas em disputa e levou quase dez mil dólares.

“Vai tomar no c...Aqui é Quinhão!”

E, no momento em que o jóquei Acedenir Gulart vence o Grande Prêmio São Paulo, montado sobre o alazão Quinhão, fica claro que, no esporte, comemoração não tem garbo, elegância ou classe social. São gritos exaltados, lágrimas e correrias para todos os lados. Vestido como um cavalheiro, um rapaz corre em direção aos campeões. “Vai tomar no c...Aqui é Quinhão!”, ele grita.