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Dá pra ter rodeio sem machucar os animais-atletas? Especialistas divergem

Atleta da PBR monta touro na mais recente edição da Festa do Peão de Barretos - Andre Silva/Divulgação PBR
Atleta da PBR monta touro na mais recente edição da Festa do Peão de Barretos Imagem: Andre Silva/Divulgação PBR

Daniel Lisboa

Do UOL, em São Paulo

09/09/2015 06h00

A edição 2015 da Festa do Peão de Barretos celebrou o 60º aniversário do evento. Os fãs de rodeios comemoraram e festejaram por dez dias no interior de São Paulo. Já quem se opõe a essa prática mais uma vez torceu o nariz para o que acreditam ser entretenimento às custas do sofrimento dos “animais-atletas”. Mas quem, afinal, está com a razão nesse debate? Veja o que disseram os especialistas ouvidos pelo UOL Esporte e tire suas conclusões.

“Sedém (acessório) não machuca”

O maior rodeio da América Latina foi também o cenário para o início da temporada 2016 da PBR (Professional Bull Riders). Trata-se da principal liga esportiva de montaria em touros do mundo, com provas em várias cidades e 212 atletas inscritos na temporada passada. Mas, mesmo com o sucesso perante seu público, a PBR faz questão de divulgar que trata os animais que participam das provas com o mesmo respeito com que trata os competidores.

“O sedém não aperta os testículos dos touros”, argumenta Cezar Vilela, veterinário da PBR. O sedém é aquele acessório colocado ao redor da cintura do animal. “Ele (o sedém) nada mais é do que uma cinta feita de lã ou algodão”, explica o profissional. Apesar de nenhum animal pertencer à empresa, a PBR é a responsável por todo o manuseio dos “animais-atletas” envolvidos nas provas. “Esta crendice popular (sobre o sedém comprimir os testículos do touro) é facilmente desmitificada pelo fato de termos animais castrados”, diz o veterinário, que completa: “outro fator importante é o posicionamento da cinta, que fica aproximadamente vinte centímetros à frente da bolsa escrotal, ou seja, nem próximo aos testículos está".

Esporas dentro da lei

Outro argumento que mostraria que a PBR se importa com a integridade física dos animais são as esporas usadas hoje nas competições. A empresa diz que o acessório é arredondado e, como "a pele do touro é de cinco a sete vezes mais espessa que a dos seres humanos", eles não se ferem. Além disso, as esporas estariam dentro das especificações determinadas por lei. "Muito se falou que as esporas que são lisas (sem pontas, quinas ou ganchos) causam sofrimento ao animal e por isto eles pulam, fato que se torna uma inverdade quando observadas as comprovações científicas existentes, bem como através do desempenho dos animais em apresentações com Dumy, robô que substitui o competidor e não usa esporas", diz Cezar. 

"Sofrimento é subjetivo" 

Para Irvenia Prada, professora titular aposentada de veterinária e zootecnia da USP, porém, a questão não é assim tão simples. Para começar, ela rebate o argumento de que, se o sedém não passa sobre os testículos, então não há sofrimento animal. “O sedém nunca passa pelo testículo, mas sim em cima do prepúcio do pênis, o que é igualmente desconfortável. A virilha é uma região super sensível tanto nos seres humanos quanto nos animais. Se você passar uma pena lá, ele (o animal) vai pular de qualquer jeito.”

Irvenia acredita ainda que é simplesmente impossível saber se o “animal-atleta” está sentindo dor ou não. “Isso é muito subjetivo. Mas sabemos que o sedém fica fortemente retesado no animal e o seu reflexo automático indica que se trata de algo desagradável. Tanto que, quando você tira a cinta, ele para de pular”, diz a professora.

Irvenia - Divulgação - Divulgação
Professora Irvenia Prada
Imagem: Divulgação

Presidente da ARCA Brasil, associação humanitária de proteção e bem-estar animal, Marco Ciampi segue na mesma linha de Irvenia. “Acreditamos que, devidamente informadas, as novas gerações entenderão que esses eventos (rodeios) não são ´diversão`. Aliás, pesquisas apontam que a grande maioria que vai a esses eventos se interessa mais pelos shows, pelas companhias, e não pela simulação de uma doma de animal", diz Marco. 

Cezar, por sua vez, coloca que o sedém somente potencializa o pulo do animal, “induzindo-o a levantar mais a sua anca e pular girando”, o que eleva sua performance e, assim, sua avaliação. “Sem este arreamento, a tendência do animal será a de pular para a frente”. Para o veterinário da PBR, essas questões técnicas já estão provadas cientifica e experimentalmente por meio de um laudo pericial forense elaborado pelo professor Eduardo Harry Birguel, da Faculdade de Medicina Veterinária da USP.

Laudo favorável?

O estudo ao qual Cezar se refere foi publicado na Revista de Educação Continuada do CRMV-SP e, de fato, traz conclusões favoráveis aos adeptos do uso de animais em rodeios. O laudo conclui que não há “nenhuma relação do sedém com o testículo dos animais”, que a região de contato com o sedém não mostrou lesões e que “o comportamento dos animais em relação à ingestão de alimentos, ruminação, desenvolvimento da fase de cortejo e disposição para o ato sexual” sugere “ausência de dor, ou mesmo de qualquer outro fator estressante com a presença do sedém”. A professora Irvenia, no entanto, contesta, já que para ela a questão do sofrimento continua a ser subjetiva. 

O rodeio é oficialmente reconhecido como um esporte pela lei federal nº10519, de 2002. Porém, o debate sobre a integridade física dos “animais-atletas”, como se vê, ainda vai longe.

Animais-atletas 02 - Andre Silva/Divulgação PBR - Andre Silva/Divulgação PBR
Temporada 2016 da PBR começou na edição deste ano da Festa do Peão de Barretos
Imagem: Andre Silva/Divulgação PBR