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Ciclista rodou 5 mil km e concluiu que ser feliz não depende de dinheiro

Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

08/10/2015 06h01

O que é felicidade para você? Essa coisa danada que todo mundo busca e ninguém sabe definir direito. Para muitos pode ser ter uma carreira de sucesso, vida saudável, realizar o sonho de comprar a casa própria ou fazer uma viagem à Disney com a família no fim do ano. Mas encontrar a felicidade também pode ser bem mais simples do que você imagina.

Ernesto Stock sempre se considerou um cara feliz. Mas queria ir além, desejava provar que felicidade nada tem a ver com esses padrões de vida que nos é imposto dia após dia. E estava tão determinado nessa busca que viajou 5500 km de bicicleta, percorreu boa parte da Ásia, foi do Atlântico ao Pacífico e enfrentou os mais diferentes perrengues. E por essas andanças ele jura que o velho ditado de que dinheiro não traz felicidade é bem real.

E então qual o segredo para ser feliz? Simplicidade é a palavrinha mágica. Para os mais diferentes povos ao redor do mundo, o contato com a natureza e estar com as pessoas que amamos são táticas infalíveis. Fica a dica.

“Eu percebi que as pessoas buscavam o sucesso financeiro e deixavam de lado o que era importante. A felicidade e o bem estar têm a ver com viver as coisas de uma maneira simples, o contato com a natureza, estar perto de quem você gosta. Seja em uma aldeia no Butão ou quem vive na Cordilheira dos Andes, as pessoas que têm uma relação mais simples com o mundo, se relacionam melhor com o que produzem e têm mais tempo para se dedicar ao que as fazem mais felizes. Pode ser ler um livro legal ou fazer um churrasco na terça-feira à tarde”.

“Mas o que vemos é que a sociedade constrói mecanismos que ‘levam’ a pessoa a ser feliz. A sociedade te vende felicidade, você será mais feliz quanto mais você puder consumir, você só estará inserido assim, se você tiver o Iphone novo ou beber o vinho mais caro. Você vê padrões de vida que acredita serem únicos. Isso não é vantajoso, as pessoas compram padrões e vivem sem pensar, sem saber para onde estão indo. E depois se arrependem: ‘ah queria ter ficado mais tempo com a minha avó’”.

Ernesto tirou essas conclusões em duas grandes viagens pelo mundo. A ideia surgiu justamente quando começou a questionar seu próprio estilo de vida. Ele passou 17 anos viajando diariamente de Mogi das Cruzes para São Paulo, onde trabalhava como restaurador de filmes. Nos 120 km de idas e vindas diárias, ele desperdiçava 4 h no trânsito, mas perdeu muito mais que isso. O sobrinho tinha acabado de nascer, a avó havia falecido e ele nunca tinha sequer tomado café da manhã com a família.

Foi aí que ele foi de férias para o México e mudou sua vida. Jogou tudo para o alto e planejou uma viagem de três meses do Atlântico ao Pacífico. A aventura começou na Ilha do Cardoso, em São Paulo, passou pelo Paraná, Foz do Iguaçu, Paraguai, Argentina até chegar ao litoral do Chile, com direito a aventuras pelo deserto do Atacama e Cordilheira dos Andes.

“Passei alguns perrengues por ser a primeira vez, não tinha água, comida, passei três dias sem tomar banho e emagreci 12 kg. Teve um dia que meu colega estava passando mal e estávamos no alto da Cordilheira. Chegamos perto de um posto do exército do Chile e pedi para montar a barraca atrás do muro para proteger do frio, estava menos de 10 ºC e o cara não deixou. Disse que não era hotel. Estávamos muito cansados, mas ainda assim não foi nenhum momento de desespero”.

O resultado da viagem está em uma exposição de fotos, em um livro prestes a ser lançado e em um documentário ainda em fase de elaboração. Graças à mudança na vida, enfim, ele pôde voltar a exercer o cinema como uma paixão, e não mais como um trabalho burocrático.

Assim que voltou do Chile, Ernesto não aguentou ficar parado. Já começou a planejar a segunda expedição de bicicleta, dessa vez com a esposa Andreza. O casal passou meses na Ásia pedalando por Vietnã, Laos, Tailândia e Cambodja em um total de mais de 2500 km.

Conheceu lugares e viveu experiências incríveis registradas em 3 mil fotos e 250 horas de vídeo por duas câmeras fotográficas e uma de vídeo. As lembranças trazem à tona histórias inusitadas como o dia em que sua esposa bebeu vinho a base de arroz e passou mal. Como manda o costume, os nativos colocaram um chifre de cabra na testa dela para aliviar o mal-estar, deixando a testa marcada. “Parecia uma 'unicórnia', depois disso todo mundo sabia que ela tinha bebido”, brincou ele.

Mas o que mais ficou marcado, na Ásia ou na América do Sul, foi a solidariedade dos povos. “Foram experiências muito intensas. O que a gente observou é que quanto mais difícil a vida da pessoa é, mais eles te ajudam. Do mesmo modo que na Cordilheira, no Himalaia as pessoas oferecem água, chá, dividem a comida delas com você. Você vê gente pobre que não tem nada, mas tem tudo. A casa é sem geladeira, sem televisão, mas não falta nada. Não tem micro-ondas, e daí? Dizem que depois que inventaram o micro-ondas, um minuto demora muito a passar”. E ele já tem ideia do próximo destino. Quer dar a volta pela ilha de Cuba ou percorrer toda a Rodovia Transamazônica, que vai de Cabedelo, na Paraíba, à Lábrea, no Amazonas, com seus mais de 4200 km.