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MPF: Nuzman foi elo entre Cabral e cartolas do COI em propina da Rio-2016

Presidente do COI, Thomas Bach, ao lado de Nuzman - REUTERS/Denis Balibouse
Presidente do COI, Thomas Bach, ao lado de Nuzman Imagem: REUTERS/Denis Balibouse

Leo Burlá e Rodrigo Mattos

Do UOL, no Rio de Janeiro*

05/09/2017 11h42

A Polícia Federal cumpriu nesta terça-feira (05) mandado de busca e apreensão na casa do presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Carlos Arthur Nuzman, e na própria sede da entidade. A operação, batizada de Unfair Play, é um desdobramento da Lava Jato e investiga compra de voto e pagamento de propina na escolha do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016.

Nesta manhã, as autoridades detalharam a ação e explicaram as razões que levaram o dirigente a ser intimado a prestar depoimento na sede da Polícia Federal. O presidente do COB é apontado como suspeito de intermediar a compra do voto do representante do Senegal no Comitê Olímpico Internacional para a escolha da cidade do Rio de Janeiro. Para os procuradores, Nuzman é "figura central nas tratativas".

"Faltava um elemento de ligação. E aqui entra o COB, que tinha as condições de aproximar essas pessoas. É inegável que Nuzman atuou de forma presente no convencimento a pessoas votarem no Rio de Janeiro. Ele se mostra como elemento central nos pontos de ligação entre empresários e COI. Por conta desses indícios, ele está impedido de deixar o país até que a investigação seja finalizada. O que a gente vê é que os Jogos Olímpicos foram usados como trampolim para atos de corrupção de dimensões olímpicas", relatou Fabiana Schneider, procuradora da República.

"Pelas circunstâncias, Nuzman fez a ligação entre o dinheiro e os votos comprados. Estamos com isso sob investigação, elas não terminaram. Qualquer conclusão seria prematura", completou o procurador Eduardo El Hage.

Delegado da PF, Antonio Beaubrun lembrou que o dirigente será ouvido nesta terça-feira. "Temos indícios que possibilitaram a intimação e ele será ouvido. A partir da análise deste material, pode levar à prisão. Neste momento isso não foi possível", disse.

Na denúncia apresentada pelo Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Federal do Rio, Nuzman é tratado como uma peça que, sem ele, a "engenhosa e complexa relação corrupta" não teria ocorrido. Não há, no documento de 129 páginas divulgado pelo MPF, qualquer menção de que o presidente do COB tenha enriquecido ilicitamente ou tenha ele recebido propinas.

Mas a denúncia destaca que em diversas oportunidades ao longo de 2009, ele, Cabral e o empresário Arthur César de Menezes Soares estiveram juntos na Europa e nos Estados Unidos. Inclusive, estariam juntos no dia do pagamento da propina ao filho de  a Lamine Diack, então presidente da Federação Internacional de Atletismo (IAAF).

A peça central da operação desta terça-feira é Arthur Soares, conhecido como "Rei Arthur", investigado por fazer parte do suposto esquema de corrupção na escolha do Rio como sede olímpica. Ele e sua sócia, Eliane Cavalcante, ainda são investigados por suspeita de desvio de recursos e lavagem de dinheiro de contratos dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro envolvendo o ex-governador Sérgio Cabral. Para atrair o evento para o Rio e poder se beneficiar desses contratos, Soares teria feito o pagamento de 2 milhões de dólares (R$ 6,2 milhões) em propina a Lamine .

De acordo com o MPF, uma empresa de Arthur Soares, a Matlock inicialmente recebeu US$ 10,4 milhões em sua conta em Antígua & Barbuda, um paraíso fiscal no Caribe, e depois, a partir de Miami (EUA), fez dois repasses que somam US$ 2 milhões a Papa Diack, que é filho do ex-presidente da IAAF e intermediava essas negociações. O pagamento foi feito em 29 de setembro de 2009, três dias antes da escolha do Rio como sede da Olimpíada, quando Soares, Nuzman e Cabral estariam reunidos em Paris.

"Todos esses elementos nos levam a conclusão que Cabral e sua organização criminosa compraram um voto para sediar a Olimpíada. Existem vários elemento que Diack era bastante influente e que os africanos costumavam votar em grupo, o que pode significar a vontade de vários outros depositando seu voto no Rio", acrescentou Fabiana Schneider.

"Compra de votos é um vexame, manchou a imagem. Sediamos um evento muito bonito a custa de corrupção e propina. A imagem do país foi afetada, vamos cobrar R$ 1 bilhão como reparação", afirmou El Hage.

O documento do MPF é dúbio se a verba serviu para comprar especificamente o voto de Diack, um dos 99 membro do COI que escolheram entre Rio e Madri, ou se o senegalês seria um intermediário de outros votantes africanos, como apontam investigações francesas. Em dois parágrafos consecutivos da denúncia, o MPF trata do "pagamento dos votos" e de quem "comprou o aludido voto".

Diack é o único votante citado na denúncia, ainda que outro dirigente africano já tenha sido afastado da IAAF após ser acusado de vender seu voto na escolha dos Jogos de 2016: Frank Frederics. O ex-corredor da Namíbia, de acordo com o jornal francês Le Monde, recebeu um depósito de US$ 300 mil feito por uma das empresas de Papa Diack no dia da eleição em Copenhague, na Dinamarca.

O MPF ainda promete investigar "movimentações suspeitas" nas contas do COB. Uma análise de um relatório de inteligência financeira do COAF mostra que, entre janeiro de 2014 e abril de 2015 foram sacados R$ 1,4 milhões em espécie das contas do COB.

A investigação contou com a colaboração do MP francês. Inicialmente, os procuradores franceses apuravam caso de doping no atletismo. A partir da denúncia de um antigo opositor de Nuzman no COB, o MP da França descobriu existência de um esquema de compra de votos, acionando a Polícia Federal brasileira para cooperação na investigação.

Diack, porém, não parece ter negociado votos apenas para a escolha da sede da Olimpíada Rio-2016. A denúncia remetida pelo MP da França também cita que o senegalês "parece ter negociado diversas vezes seu voto" e que, entre outros, estariam corrompidos os processos dos Mundiais de Atletismo de 2015 (China), 2017 (Grã-Bretanha), 2019 (Catar) e 2021 (EUA), além da Olimpíada de Tóquio.

"Abrimos uma outra investigação que nos mostrou que ia além do doping, e que poderia estar ligada à escolha de sedes, dentre elas dos Jogos Olímpicos", disse Jean-Yves Lourgouiloloux, procurador nacional adjunto financeiro da França.

Por meio de nota, Rodrigo Roca, advogado do ex-governador, informou que a acusação "é um acinte e um desmerecimento, não só ao ex-governador, como à vitória consagradora do Rio, ao país e aos membros do COI". Roca ressaltou que "o Rio foi eleito com uma diferença de 40 votos com relação à 2ª candidata, Madri" e garantiu que em "pouco tempo conseguiremos desmontar essa invencione e mostrar que os verdadeiros criminosos continuam gozando das benesses legais que conseguiram com suas histórias fantasiosas".

* Colaborou Demétrio Vecchioli, em São Paulo