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Como é a síndrome que enfraquece ossos e impede a menstruação de atletas

A britânica Bobby Clay quando ainda competia, antes de ser diagnosticada com RED-S - Joosep Martinson/Getty Images
A britânica Bobby Clay quando ainda competia, antes de ser diagnosticada com RED-S Imagem: Joosep Martinson/Getty Images

Ana Carolina Silva

Do UOL, em São Paulo

10/01/2018 04h00

Alerta vermelho: a RED-S exige sua atenção. É provável que você ainda não conheça seus males, mas a Síndrome de Deficiência Energética Relativa ao Esporte é um risco real para os atletas – infecções, lesões, anemia, fadiga crônica, alterações cardiovasculares e fragilidade óssea, como expôs o caso da britânica Bobby Clay. Aos 20 anos, ela já é vista como ex-promessa do atletismo e fez uma revelação preocupante neste fim de semana: “Nunca menstruei”. Como algo assim pode acontecer?

Tudo tem a ver com as calorias ingeridas pelo corpo, usadas para a nossa sobrevivência: manutenção do sistema cardiorrespiratório, neuroendócrino e imunológico, dentre outros. Ou seja, mesmo quem pega leve nos treinos físicos precisa ter cuidado com a própria alimentação. As jovens mulheres atléticas são mais afetadas, mas homens também podem sofrer com a RED-S.

Quando alguém se propõe a praticar esportes, mesmo que de forma amadora, precisa estar atento à quantidade de energia que entra (com a alimentação) e que se perde (a depender da intensidade do exercício). O ideal é que haja 30 quilocalorias por quilo de massa magra por dia, no mínimo.

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Repercussão europeia: "Palavras de alerta"
Imagem: reprodução

Não é preciso levar o corpo ao limite. “Quando a energia é deficiente para o esporte que ele pratica, todos os sistemas são afetados. O atleta começa a ficar cansado, pode ter mais infecções, aumenta a chance de lesões e, no caso das mulheres, interfere no ciclo menstrual”, explicou ao UOL Esporte a Dra. Maíta Poli de Araújo, ginecologista especializada no tema.

A médica faz parte da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) e é chefe do Setor de Ginecologia do Esporte da Unifesp, onde a síndrome (que importou o acrônimo RED-S, do inglês, para causar mais impacto) começou a ser estudada no Brasil, em 2016.

Segundo ela, existem “vários casos, de diversas modalidades” nos quais atletas brasileiras deixaram de menstruar regularmente. É importante ressaltar que a interrupção no ciclo menstrual de Bobby Clay não foi uma opção pessoal; de acordo com a doutora, aquela foi a reação inteligente de um organismo que busca sobreviver.

Para preservar os órgãos mais importantes, como coração, cérebro e pulmão, o corpo diminui o trabalho dos ovários e a produção de hormônios femininos, como o estrogênio, que provoca a ovulação e, consequentemente, a menstruação. Mas o impacto disso não se resume ao sistema reprodutor feminino.

“Como o estrogênio é fundamental na remodelação óssea, atletas com RED-S podem ter diminuição da densidade mineral óssea. O diagnóstico é feito pela densitometria óssea e, nestes casos, aumenta o risco de fraturas”, disse a doutora Maíta.

Bobby Clay - Reprodução/Instagram/@bobbsclay - Reprodução/Instagram/@bobbsclay
Imagem: Reprodução/Instagram/@bobbsclay

A própria Bobby Clay é um exemplo desta fragilidade óssea, apesar de usar erroneamente o termo “osteoporose” – segundo a médica especialista, como a síndrome afeta mais os jovens atletas, a expressão correta é “baixa densidade mineral óssea”. Em entrevista à BBC, a britânica relata ter quebrado um pé enquanto nadava. “Quando fiz a virada na piscina e empurrei a parede com os pés, um deles quebrou. Doeu muito. Não é normal quebrar um pé nadando”, contou.

Foi assim que descobriu o problema causado pelo excesso de treinos, que não condizia com sua alimentação. “Eu sabia que um corpo com pouca gordura significa que não menstruaria, mas eu via isso como algo positivo para o meu rendimento”, lamentou. Em uma sociedade tão exigente sobre padrões corporais, não surpreende que as colegas de Bobby tivessem os mesmos hábitos negativos.

“Muitas das meninas com quem eu convivia seguiam um caminho obscuro com suas dietas. A relação que elas tinham com comida era medonha. Na verdade, eu estava comendo mais que elas, mas não estava fazendo isso bem. Comer um pouco mais do que nada não era suficiente”, explicou a atleta.

A doutora Maíta ressalta que a RED-S pode surgir em esportistas com hábitos alimentares inadequados, mesmo que estes não constituam um distúrbio alimentar – bulimia e anorexia, destaca ela, "são condições clínicas graves, com diagnóstico psiquiátrico e, às vezes, até fatais". Se este for o seu caso, procure a ajuda profissional apropriada.

Atualmente, Clay faz tratamento para estimular a produção dos hormônios necessários para o fortalecimento de seu organismo e o aumento da densidade óssea – e, consequentemente, regularizar o funcionamento dos ovários e a menstruação. Seu relato não foi em tom de piedade: quer apenas que outros atletas não mirem o topo do pódio e encontrem o fundo do poço.