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Bebeto fez primeiras denúncias contra Nuzman e chorou quando ele foi preso

Do UOL, em São Paulo

13/03/2018 17h12

Paulo Roberto de Freitas, que morreu nesta terça-feira (13) aos 68 anos, construiu uma relação turbulenta com Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, que ficou 15 dias presos no ano passado, acusado de atuar na compra de votos para escolha do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016.

Antigos aliados, os dois foram atletas do vôlei do Botafogo antes de romperem. Em uma entrevista ao jornalista Renato Maurício Prado, em 1997, Bebeto acusou uma agência de marketing de “cobrar um porcentual absurdo” das receitas da Confederação Brasileira de Vôlei, chefiada até meados dos anos 1990 por Nuzman.

Foi uma das primeiras denúncias internas sobre contratos irregulares no esporte. Duas décadas depois, as investigações acabariam levando Nuzman à cadeia – hoje ele está em liberdade aguardando julgamento. No período em que trabalhou na Europa e mesmo depois de voltar ao Brasil, Bebeto manteve a postura crítica em relação ao então presidente do COB.

"Ele foi muito bem no início, mas depois foi mordido pela cobra e passou a privilegiar situações pessoais em detrimento do esporte", disse Bebeto ao UOL Esporte em 2012.

Técnico da seleção que ganhou a medalha de prata olímpica em Los Angeles-84 e foi vice-campeã mundial em 1982, Bebeto chegou a afirmar que deixou o cargo por causa de Nuzman. “Saí da seleção porque não tinha mais condição de trabalhar com o Nuzman”, disse ele em uma entrevista ao “Globo” em 2014. “O esporte brasileiro ainda vive nos anos de chumbo, nunca mudou. Da ditadura militar, ao MDB, ao partido do Collor, ao partido do Itamar, ao PSDB e ao PT, a única coisa entre eles é o presidente do COB."

Quando era treinador da seleção criticava principalmente o peso que a CBV dava ao time principal, preterindo os clubes na divisão dos recursos da entidade. Acreditava que o modelo tinha sido adotado depois que Nuzman e Ary Graça, ex-presidente da CBV e atual presidente da federação internacional da modalidade, descobriram que poderiam enriquecer às custas da seleção.

“Na confederação, desde cedo, [Nuzman] entendeu que era mais rentável cuidar só da seleção. É um modelo elitista para um país de 200 milhões de habitantes. Meu questionamento em 1997 era que a intermediação [da agência Sportsmedia] tirava recurso dos clubes. Contestava e brigava por isso.”

Bebeto, Ary e Nuzman eram amigos na época em que jogavam vôlei no Botafogo. Bebeto costumava dizer que havia sido ele o responsável por conseguir o voto do Botafogo que permitiu a Nuzman assumir a presidência da federação do Rio, nos anos 70. Parentes de Bebeto participaram de sua gestão. Em 1975, Nuzman acabaria sendo eleito presidente da CBV pela primeira vez, cargo que ocuparia até 1995, quando assumiu o COB.

Mais tarde, Bebeto questionaria a perenidade de Nuzman à frente do vôlei nacional, pregando por mais democracia na entidade. “Não tem por que um dirigente se perpetuar no cargo por décadas. Você precisa se reciclar. Esporte é uma coisa democrática. Como ser democrático passando 30 anos no poder?”, disse ele em 2012 à revista “Istoé2016”.

Na mesma entrevista afirmou que a CBV, presidida por Nuzman, cobrava uma espécie de pedágio a atletas que quisessem jogar no exterior.

“Eu nunca presenciei isso com um atleta meu”, disse ele. “Tenho conhecimento disso, porque muitos falam. Aconteceu tanto no masculino quanto na feminina. Isso era claro, não era escondido, não! O clube que preparava o jogador não ganhava nada e quem tomava conta do processo era a confederação. Havia um percentual que o jogador tinha de deixar na confederação para conseguir a transferência. Os jogadores nunca se manifestaram porque, no Brasil, quem contesta fica alijado.”

Quando Nuzman foi preso no ano passado, Bebeto foi procurado por veículos de imprensa para comentar a queda de seu grande desafeto. Ele chegou a chorar e desabafou sentindo-se culpado por saber que todas as “coisas erradas aconteciam.”

“Estou triste. Trabalhei pra caramba”, disse ele, também ao “Globo”. “Não trabalhei pra ele ser preso, não. Trabalhei pra c... pra esse vôlei do Brasil. Essas coisas perduram por culpa nossa. A culpa é daqueles que não tiveram coragem do botar o dedo na ferida e falar. Era mais fácil dizer que eu estava maluco, doido. Culpa de todos nós, do vôlei. Esses anos todos sempre soubemos, sempre tivemos certeza de que coisas erradas aconteciam. Culpa das confederações, federações, de todos. Essas coisas só acontecem quando as pessoas não se revoltam. Enquanto no Brasil esse sentimento não aflorar, a gente vai viver no País de merda em que a gente vive.”