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Rejeição e isolamento. Como a NFL tenta calar líderes de protestos

Eric Reid e Colin Kaepernick ajoelham durante hino nacional dos EUA na NFL - Mike McCarn/AP
Eric Reid e Colin Kaepernick ajoelham durante hino nacional dos EUA na NFL Imagem: Mike McCarn/AP

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

27/05/2018 04h00

Há pouco mais de um ano, Colin Kaepernick virou agente livre na NFL e não encontrou um time sequer que o queria. Agora, é a vez de Eric Reid procurar uma nova equipe, lidar com a antipatia dos donos de franquias e acusar a liga de futebol americano dos EUA de boicote. Um padrão de desdém e repúdio que tem tudo a ver não só com a hierarquia do esporte, mas também com racismo e conivência.

Reid foi companheiro de Kaepernick no San Francisco 49ers e o primeiro a apoiá-lo, em 2016, nos protestos contra a violência policial no tratamento aos negros nos Estados Unidos. Isso tudo muito antes de o ato de ajoelhar durante o hino nacional se tornar popular como repúdio a Donald Trump, presidente americano que atacou atletas e liga no ano passado.

A evolução dos protestos tem tudo a ver com a ‘perseguição’ de que Kaepernick e Reid acusam a NFL. Eles foram os pioneiros, marcaram terreno e insistiram na pauta. Então, Trump forçou uma queda de braço, e os atletas responderam ficando de joelhos, como a dupla dos 49ers um ano antes. Apesar da ampla adesão na época, o assunto esfriou rapidamente, e a opinião pública logo condenou os envolvidos. Nesta semana, a liga criou uma nova regra para multar os times cujos jogadores se ajoelharem durante o hino.

Enquanto tudo isso acontecia, Kaepernick não jogou uma partida sequer. Titular em 11 semanas da temporada de 2016, de repente, o quarterback não servia mais — nem para o San Francisco 49ers, nem para as demais franquias. Vinte jogadores de sua posição foram negociados no período: alguns voltaram da aposentadoria, outros subiram de ligas menores, mas Kaepernick não foi procurado sequer para ser reserva. Neste ano, a situação de Eric Reid é bastante parecida: após temporada consistente, a quinta seguida como titular, o safety de 26 anos só encontra portas fechadas.

Ainda que Reid seja uma adição bastante interessante à defesa da maioria dos times da NFL, só o Cincinnati Bengals o convidou para uma espécie de ‘entrevista de emprego’. O encontro terminou logo, segundo a imprensa dos EUA, porque o jogador não cedeu quando questionado sobre sua posição quanto às manifestações. A pergunta direta sobre as crenças políticas de Reid seria uma violação do acordo coletivo da Associação de Jogadores da NFL (NFLAP), por isso ele repetiu Kaepernick e prestou queixa de conivência contra a liga, oficializando a acusação de boicote. Sua situação, no entanto, segue bastante vulnerável.

Reid entende as condições em que está e não faz mistério sobre arrefecer a luta que começou em 2016. Há dois meses ele reconheceu que "temos que mudar, com o tempo" e busca se adaptar às circunstâncias. "Não estou dizendo que vou deixar de ser ativo, porque não vou. Só vou considerar diferentes maneiras de ser ativo", disse. O passo atrás é uma concessão para continuar na NFL. De certa forma, Reid precisa abdicar de seus ideais para seguir no esporte.

No âmbito jurídico, provar conluio contra Reid é tão difícil quanto foi no caso de Kaepernick. É preciso encontrar uma ligação entre o posicionamento dos donos de franquia, o que pode vir a ser um desafio e tanto. E nada garante que os donos de franquias tenham deliberadamente combinado um boicote a este ou aquele jogador — não demonstrar interesse em contratá-lo já é uma reprimenda. O mercado de trabalho da elite do futebol americano é naturalmente limitado a 30 equipes, e a dupla, descartada até segunda ordem, pode cair no ostracismo.