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Pan 2019

Laje em favela peruana vira arquibancada para ver o rúgbi no Pan

Peruanos assistem a partida de rúgbi em cima de laje - Demétrio Vecchioli/UOL
Peruanos assistem a partida de rúgbi em cima de laje Imagem: Demétrio Vecchioli/UOL

Demétrio Vecchioli

Do UOL, em Lima (Peru)

29/07/2019 04h00

"O rúgbi é um esporte praticado pelas camadas mais altas da sociedade, mas os clubes estão começando a montar escolinhas nas comunidades", me explica, didaticamente, Luis Bardales Candela, um jogador amador de rúgbi. A conversa se dá num local inusitado: em cima de uma laje no meio do que no Brasil seria chamado favela. Atrás de nós estão dois militares do exército peruano, cada um com duas metralhadoras. À frente, dois campos de rúgbi.

Ele pagou dois soles (o equivalente a pouco mais de R$ 2) para assistir ao jogo disputado no campo mais distante: a final masculina do rúgbi de 7 nos Jogos Pan-Americanos, entre Argentina e Estados Unidos. Candela, fã de rúgbi há 17 anos, nunca esteve em um jogo tão importante e claramente é o único ali que entende alguma coisa da modalidade.

Professor de inglês, ele encarou uma hora e meia de ônibus, em um domingo em que o trânsito de Lima estava menos caótico que o normal, para chegar até Villa Maria del Triunfo. Pagaria os 20 soles pelo ingresso, mas eles estavam esgotados. O jeito foi comprar uma entrada para o camarote de um Miguel que preferiu não dizer seu sobrenome.

Complexo Villa Maria del Triunfo, sede do rúgbi no Pan de Lima-2019 - Guillermo Arias / Lima 2019 - Guillermo Arias / Lima 2019
Imagem: Guillermo Arias / Lima 2019

Contou-me, porém, o que suas orelhas não escondem: ele luta jíu-jitsu. Assim que me apresentei como jornalista brasileiro, ele se empolgou e me perguntou se eu também lutava jíu-jitsu. O meu "não" o desanimou um pouco, mas mesmo assim fui convidado a subir sem precisar pagar a entrada.

Cobrar para deixar as pessoas subirem seis lances de escada até a laje foi uma ideia que ele teve um dia antes, quando começaram os jogos de rúgbi. A casa é simples e rústica, mas, ainda assim, mais bonita que quase a totalidade das moradias que se vê de lá de cima. Para onde se olha o cenário é o mesmo: morros apinhados de construções simples. O que chamaríamos de favela no Peru é chamado de "assentamentos humanos".

O Centro Esportivo foi construído no meio de tudo isso e causa um contraste que vem chamando atenção nesses Jogos Pan-Americanos. Onde antes existiam quatro campos de futebol agora ficam um estádio e um campo de rúgbi, um estádio e um campo de beisebol, um estádio de softbol, outro de hóquei sobre a grama, uma quadra de pelota basca e um centro aquático coberto que vai receber os jogos de polo aquático no Pan.

"É uma oportunidade para os jovens daqui. Temos uma cultura esportiva na qual as pessoas pensam muito no futebol. Com tanta gente morando aqui, podemos formar talentos em outras modalidades", explica Candela. Segundo ele, esses são só dois dos quatro campos dedicados exclusivamente ao rúgbi no país - Lima tem outro, mas dentro de uma universidade particular.

Miguel ouve a conversa de pé de ouvido, mas sabe pouco de rúgbi. Até assiste ao jogo (diz que sabe que um try vale cinco pontos, conversão dois, e que a bola tem que ir sempre para trás), mas sem grande interesse. Está ali pelo dinheiro que pagaram os 14 espectadores de sua laje. Também para ficar de olho nos dois militares que ninguém parecia ter coragem de perguntar por que estavam ali. Nem eu.

Sem ingresso, peruanos assistem a jogo de rúgbi de 7 entre Brasil e EUA em Lima - Ernesto BENAVIDES / AFP - Ernesto BENAVIDES / AFP
Imagem: Ernesto BENAVIDES / AFP