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Pan 2019

Em Lima, peruanos caçam névoa pra ter água e geram luz a partir de plantas

"Alinti", vaso com plantas e bactérias que produz energia elétrica no Peru - Divulgação
"Alinti", vaso com plantas e bactérias que produz energia elétrica no Peru Imagem: Divulgação

Adriano Wilkson

Do UOL, em Lima

08/08/2019 12h04

Sede da 18ª edição dos Jogos Pan-americanos, Lima é a segunda maior cidade localizada no meio de um deserto, perdendo apenas para o Cairo, no Egito. A ausência quase total de chuvas prejudica milhões de peruanos, mas um projeto inovador tem conseguido produzir água de uma maneira curiosa: caçando massas de névoa ou neblina que se concentram na atmosfera da cidade entre abril e novembro.

A capita peruana fica quase na mesma latitude de Salvador, na Bahia, mas a névoa e o frio incomuns para essa faixa do globo são consequência da "corrente de Humboldt", um fenômeno que leva água gelada do fundo do Oceano Pacífico à costa do Chile e do Peru, resfriando a atmosfera e reduzindo chuvas na região.

Sabendo disso, a ONG "Peruanos sin água" vem instalando desde o ano 2000 malhas usadas em obras de construção civil nas montanhas do país. A névoa ou a neblina, formadas por partículas de água muito leves, se chocam no material e escorrem por canos. A partir daí, a água acumulada pode ser usada na irrigação de plantações, como bebida para pequenos animais ou mesmo para consumo humano após um tratamento de purificação.

"Atrapanieblas", sistemas de captação de água a partir da neblina no Peru - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
"Atrapanieblas", sistemas de captação de água a partir da neblina no Peru
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

Mais de 300 mil pessoas de comunidades desconectadas de rede de abastecimento regular tem encontrado nas "atrapanieblas" (algo como armadilha para névoa) uma alternativa aos caminhões pipas, que vendem água cara e às vezes com baixo índice de pureza.

"Essas malhas já existiam antes, mas o nosso sistema consegue ser mais eficiente porque usamos informações meteorológicas para colocá-las nos locais com maior incidência de neblina e na posição mais adequada para a captação de partículas", afirma o engenheiro Jorge Poma, vice-presidente da ONG.

Criadas pelo engenheiro ambiental Abel Cruz, que as inventou após chegar a Lima e perceber o contraste entre falta de água canalizada e umidade do ar, as "atrapanieblas" já venceram diversos prêmios de inovação, entre eles um do Google que garantiu à associação 500 mil dólares para o desenvolvimento do projeto.

Atrapa - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
Sistema leva água para irrigar plantações ou para consumo humano e animal
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

De acordo com estimativas da ONG Oxfam, existem cerca de 9 milhões de peruanos sem acesso a água. A iniciativa dos "caçadores de neblina" vem mudando a realidade das comunidades. "Conheci um senhor que começou a criar galinhas e hoje produz mil ovos por dia graças à chegada da água em sua comunidade", relata Poma.

Energia elétrica a partir de plantas e bactérias

Outro projeto curioso e que pretende produzir mudanças profundas no dia a dia de comunidades isoladas do Peru é o "Alinti", um vaso de argila capaz de produzir energia elétrica. Ideia do estudante de engenharia civil Hernan Asto, o Alinti já abastece cerca de 50 casas da cidade de Carapongo, a 20 km de Lima.

Segundo o jornal "La República", cerca de 2 milhões de casas no Peru não contam com energia elétrica, o equivalente a 14% da população do país.

Alinti - Adriano Wilkson/UOL - Adriano Wilkson/UOL
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

Natural de Ayacucho, no sul do Peru, Hernan afirma que cresceu respirando a fuligem de velas, já que sua família não tinha abastecimento de energia em casa. O estudante então desenvolveu um produto híbrido, no qual eletrodos captam elétrons dispersos em um vaso de argila em que vivem uma planta e cinco tipos de bactérias encontrados no solo do país. Os vegetais não consomem toda a energia que produzem na fotossíntese e uma parte desses elétrons acabam dispersos. As bactérias também produzem energia ao se alimentarem, e o excedente é captado pelos eletrodos.

Placas solares acopladas ao vaso contribuem com a produção elétrica durante os dias de sol.

Armazenada em uma bateria, a carga produzida é capaz de iluminar uma casa com dois quartos por até oito horas, além de carregar celulares. "Encontramos na porosidade da argila uma forma de manter vivas as bactérias e também de resfriar as placas solares, já que essa tecnologia fica menos eficiente quando superaquece", afirma o estudante.

O projeto passa por validação científica pelo MIT, o Instituto de Tecnologia de Massachusets, e pelo Facebook, mas já conseguiu financiamento da petroleira Pluspetrol para a produção de 6.000 unidades.

Hernan - Divulgação - Divulgação
Hernan Asto explica o funcionamento de sua invenção, o Alinti
Imagem: Divulgação

Cada vaso custa hoje cerca de 80 dólares. O Alinti (uma mistura das palavras sol e planta em aymará e quetchua) se tornou nacionalmente conhecido após ficar em segundo lugar no concurso de inovação "Uma ideia para mudar a história" promovido pelo canal "History Channel". Agora, ele participa de uma incubadora na Universidade Esan, de Lima.

Não é a primeira vez que cientistas apresentam uma forma de produzir energia elétrica a partir de vegetais, como mostram iniciativas das universidades da Georgia e de Washington, nos Estados Unidos. Mas a ideia de Asto é tornar viável uma alternativa barata para levar luz a comunidades que só têm acesso à iluminação via combustão. O sistema permite produção contínua de energia: pelo calor do sol de manhã, por bactérias durante a noite e pela planta durante o dia todo.

"As crianças ficam encantadas com o Alinti", afirma Asto, que tem 29 anos. "Nossa ideia é no futuro acoplar mecanismo de inteligência artificial para que, além de fornecer iluminação, ele possa ser também uma ferramenta educativa."