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OPINIÃO

"Boleiragem" x "Resenha": O curioso caso da criatura que superou o criador

"Boleiragem" marca melhor momento de Roger Flores na TV - Reprodução
"Boleiragem" marca melhor momento de Roger Flores na TV Imagem: Reprodução

Chico Silva

Colaboração para o UOL, de São Paulo

04/09/2019 04h00

O "Resenha ESPN" foi um marco na programação esportiva da TV paga brasileira. Lançado em 2015, trouxe para o torcedor comum histórias, "causos", lendas e mitos do universo do futebol atual e do passado, quando não havia redes sociais e a megaexposição de imagem que temos hoje. Resenha é como os boleiros chamam as conversas e bate-papos de vestiário e concentração, as "coxias" do mundo da bola.

Em sua primeira temporada o programa teve apresentação de Rodrigo Rodrigues, hoje no SporTV à frente do "Troca de Passes". Lado a lado com ele estava o ex-craque argentino Juan Pablo Sorín. A dupla, inclusive, participou da concepção do formato. O nome, por exemplo, foi ideia de Rodrigues. A ideia era que se chamasse 90 minutos. Mas como a marca estava registrada acabou recebendo o título do jargão boleiro, como informalmente são chamados os jogadores de futebol.

O negócio funcionou tão bem que quatro anos depois do original surgiu sua cópia na concorrência. Em janeiro deste ano, o SporTV lançou o "Boleiragem". A proposta é basicamente a mesma da atração do canal de esportes do Grupo Disney. Até os cenários são similares. A ação se desenrola em vestiários cenográficos. O do "Resenha" tem até uma grama sintética simulando um campo de futebol.

Mas algumas particularidades fazem a diferença no comparativo entre os dois programas que se alimentam do mesmo material. A principal delas está justamente no comando do programa. E, aqui, a vantagem é para a "criatura" sobre o "criador". O do "Boleiragem" está nas mãos de um "ex-boleiro", Roger Flores. Isso por si só já o coloca mais alinhado à ideia do formato. Se é um programa em que os ex-jogadores são as estrelas. muito mais coerente que se tenha à frente dele alguém da "tribo".

De boleiro ao "Boleiragem"

É preciso se reconhecer que Roger evoluiu muito desde que estreou na Globo, em 2012. Mais contido e menos arrogante, o ex-meia de Fluminense, Corinthians e Cruzeiro aos poucos vai se tornando um dos principais nomes do esporte global. A escolha para que apresentasse o novo projeto do SporTV não foi por acaso. No "Boleiragem" estamos vendo o melhor de Roger na TV até agora.

O estrelismo dos primeiros tempos de telinha parece ter sido controlado. Roger dá espaço para os convidados e sabe aproveitar bem a intimidade que mantém com a maioria desde os tempos em que dividiam vestiário. Bom exemplo disso se viu no programa deste final de semana. Um dos presentes foi o ex-goleiro Júlio Cesar, de quem o apresentador é amigo desde que deram seus primeiros passos no futebol no Grajaú Country Clube e Flamengo.

Os dois revisitaram várias histórias desse período, como as de quando iam juntos na arquibancada no Maracanã. Para desespero de Roger, Júlio César revelou que o apresentador era Flamengo, no que foi prontamente desmentido às gargalhadas pelo amigo. Roger começou a carreira no rival Fluminense e ainda tem a imagem muito ligada ao tricolor carioca. Essa proximidade também tem seus pontos negativos. Na sua apresentação como uma das atrações do programa, nenhuma menção aos 7 x 1 da Alemanha na Copa de 2014, que teve o goleiro como um dos protagonistas do pior vexame brasileiro na história dos Mundiais. Tudo para não constranger o amigo e estrela do fim de noite de domingo no SporTV.

No "Resenha", definitivamente o apresentador não é a estrela da atração. Com mais de 20 anos de casa, André Plihal se consolidou como um dos principais repórteres da casa e de sua geração. Sua competência e capacidade nesse ofício são inquestionáveis. Mas, quando vai para o comando de um programa que tem a "boleiragem" no DNA, fica clara uma certa inadequação. Por mais que Plihal conviva com esses personagens por décadas, o famoso "chupou laranja com quem", piada interna dos ex-jogadores quando querem debochar de quem não calçou chuteira, faz diferença nesse tipo de programa.

Ainda que se esforce e tenha o suporte dos ex-boleiros que fazem parte do elenco fixo do "Resenha", entre eles Djalminha, Alex e Fábio Luciano, falta uma certa empatia e proximidade de Plihal com os convidados. Essa é uma barreira quase que intransponível, pois não foi construída nos estúdios da ESPN. Ainda falta a Plihal também uma certa espontaneidade e desenvoltura como apresentador, algo que só o tempo resolverá.

Alguém do meio mais próximo a ele, como Sorín era de Rodrigues, também encurtaria esse distanciamento. O argentino ficava em pé, fazia embaixadinhas, provocava os convidados, muitos deles seus amigos, e por vezes até deixava em dúvida quem estava à frente do programa. Os outros ex-jogadores do time fixo são mais contidos. Passam o tempo inteiro sentados e, por vezes, até confundem os mais desavisados com os convidados de cada semana.

Sósia de Kanneman entre no "Resenha" com uniforme do Grêmio - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O sósia que salvou o "Resenha"

A intimidade é a química desse formato. Na edição desse final de semana, o "Boleiragem" teve como convidados o já citado Júlio César e o ex-atacante Reinaldo, com passagens por mais de 20 clubes. Coube ao ex-jogador Grafite, do elenco fixo do SporTV, o papel de "escada" para Roger. O goleiro e Reinaldo jogaram juntos no Flamengo no início dos anos 2000. Como Júlio César e Roger são amigos de longa data, ficou tudo em casa. Teve até bolo de aniversário para o arqueiro, que completou 40 anos ontem (3).

O "Resenha" foi por outro caminho. Teve como estrela o zagueiro gremista Walter Kannemann. A opção foi por abordar um dos assuntos quentes da semana, a vitória e a classificação do Grêmio sobre o Palmeiras nas quartas de final da Libertadores. Como o argentino não tinha proximidade com o elenco fixo formado por Fábio Luciano, Djalminha e Elano (que se despedia da atração para assumir o cargo de técnico da Inter de Limeira), o que era para ser um papo mais descontraído e divertido acabou se tornando mais uma entrevista formal, com perguntas sobre a relação dele com o técnico Renato Gaúcho e lembranças das conquistas recentes do tricolor gaúcho.

A graça desses programas é justamente a espontaneidade e os "causos" que surgem da relação entre velhos amigos. Não foi o caso do argentino, que poderia ter sido levado a outro programa para ser entrevistado pelos jornalistas da casa. Para complicar, o zagueiro também não é dos mais carismáticos.

A parte mais engraçada do programa foi protagonizada por Matheus Suman, produtor da ESPN e sósia de Kannemann, que entrou no estúdio vestido com o uniforme do Grêmio. Mas quem assiste ao "Resenha" está em busca de outras histórias. E nesse final de semana não foi isso que encontrou.