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Trinta anos depois, a tragédia do Heysel ainda assombra a Bélgica

26/05/2015 18h14

Bruxelas, 26 Mai 2015 (AFP) - Trinta anos depois dos incidentes que deixaram 39 mortos durante a final da Copa dos Campeões entre Liverpool e Juventus, no dia 29 de maio de 1985, no estádio do Heysel, em Bruxelas, a Bélgica continua carregando as marcas da tragédia.

Na sexta-feira, embaixadores da Itália e da Grã-Bretanha na Bélgica vão depositar flores aos pés da tribuna Z do estádio, que se chama agora Roi Baudouin.

Os diplomatas visitarão o local do desastre, causado por torcedores violentos, a desorganização das autoridades e a estrutura degastada de um recinto antigo, indigno de receber um evento daquele porte.

"A final do século" entre a Juve de Michel Platini e o grande Liverpool de Kenny Dalglish, que era o atual campeão da competição, terminou com vitória por 1 a 0 da 'Velha Senhora', mas o resultado ficou em segundo plano.

O placar do jogo perde qualquer relevância ao lado dos 39 mortos e mais de 600 feridos, 458 deles atendidos dentro do próprio gramado.

"Era praticamente medicina de guerra, cuidamos das pessoas no chão mesmo", lembra Paul Grignet, da Cruz Vermelha, que socorreu vitimas.

Assistidas ao vivo por milhões de telespectadores, as cenas eram de uma tragédia anunciada.

No ano anterior, o mesmo Liverpool tinha vencido nos pênaltis a final contra a Roma, em pleno estádio Olímpico da capital italiana, numa noite que já tinha sido muito tensa.

Depois daquela partida, muitos torcedores ingleses foram alvos de 'represálias' da 'Tifosi' romana, a ponto de ter que buscar refúgio na embaixada britânica.

Por isso havia um cheiro de revanche no ar no ano seguinte, em Bruxelas, contra outro time italiano. O calor, o álcool e a desorganização tomaram conta do ambiente.

- Impossível escapar -Às 19h20 do dia 29 de maio de 1985, cerca de 200 hooligans ingleses imprensam torcedores italianos do setor Z, que recuam até o fim da arquibancada. As grades que poderiam permitir a evacuação estão fechadas, e policiais empurram de volta pessoas que tentam se salvar ao pular para o gramado.

Impossível escapar. Os italianos estão presos, e o drama é inevitável. Dezenas de pessoas são pisoteadas ou sufocadas contra a grade, que acaba cedendo.

O balanço é terrível: 39 mortos; 34 italianos, 2 belgas, 2 franceses e um irlandês.

Apesar da tragédia, o jogo é disputado. De acordo com as autoridades da época, a decisão de deixar a bola rolar foi tomada para evitar outras confusões.

A final começa às 21h30, com uma hora de atraso. Platini faz de pênalti o gol da vitória e comemora com empolgação, como se nada tivesse acontecido antes da partida.

Hoje presidente da Uefa, o francês é criticado até hoje por essa atitude. Para sua defesa, o ex-camisa 10 afirma que os jogadores não estavam ciente da importância da tragédia.

- Penas de prisão -O futebol europeu acaba de viver um dos piores dias da sua história.

Entre as falhas de organização, estão a venda por cambistas a torcedores italianos de ingressos reservados a belgas, num setor situado muito próximo à torcida do Liverpool.

Também é apontado o esquema de segurança insuficiente no estádio, por conta da decisão de reforçar o policiamento no centro da cidade, pra prevenir incidentes antes da partida.

Outro grande vilão da história é o próprio estádio do Heysel, construído 50 anos antes, uma escolha da Uefa que gerou muitas críticas.

Catorze torcedores do Liverpool foram condenados a três anos de prisão, em 1988. Dirigentes da federação belga, da Uefa, e responsáveis da polícia local só tiveram que cumprir penas em liberdade condicional.

A nível esportivo, os clubes ingleses foram proibidos de participar de competições continentais por três anos (seis para o Liverpool).

- 'Nunca vamos perdoar' -Trinta anos depois, Liverpool e Juventus voltaram a se enfrentar nas quartas de final da Liga dos Campeões. No jogo de ida, em Anfield, a torcida dos 'Reds' fez um belo mosaico com a mensagem "amicizia" (amizade, em italiano), e os 'tifosi' da Juve que fizeram a viagem receberam uma faixa com a mensagem: "sentimos muito, você nunca andará sozinho", usando o famoso lema do clube.

Na partida de volta, porém, torcedores da Juve exibiram faixas com a mensagem: "nunca vamos perdoar".

O drama acabou ajudando na conscientização dos problemas ligados às torcidas violentas, que continuam assombrando o futebol, não apenas na Europa, mas no mundo todo.

A confusão da semana retrasada no clássico Boca-River da Libertadores, quando jogadores foram agredidos com gás de pimenta, na Bombonera, é um dos exemplos mais recentes.

Mesmo reformado para receber jogos da Eurocopa-2000 e a final da Recopa europeia de 1996, o Heysel já não atende mais ao 'padrão Uefa'.

Deve ser destruído para dar lugar a um estádio novo, com capacidade para sediar partidas da Euro-2020, que acontecerá pela primeira vez em várias capitais europeias, e não em um só país.