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Manipulação de resultados, a nova praga do esporte mundial

TOBY MELVILLE / REUTERS
Imagem: TOBY MELVILLE / REUTERS

Da AFP, em Paris

26/01/2016 10h26

Resultados sob suspeita no futebol, no críquete, e mais recentemente, no tênis: a manipulação de jogos por conta de máfias de apostas ilegais não para de abalar a credibilidade do esporte, num sistema de corrupção globalizado.

É impossível obter números oficiais sobre as atividades, ocultas por natureza, mas a maioria dos especialistas avalia em um trilhão de euros o faturamento global das apostas, sendo que 85% são ilegais. É mais do que o dobro do tráfico de drogas (400 bi, de acordo com a ONU).

O mercado de apostas online surgiu na década de 90, com a expansão da internet, e a manipulação de partidas foi rapidamente vista como um meio de lucrar por organizações criminosas já ativas no ramo das drogas ou da prostituição.

No início da cadeia, há sempre uma máfia com fundos para 'investir' na corrupção de atletas, pagos para perder de propósito.

Baseada em Cingapura, considerada a Meca das apostas online, a gangue de Dan Tan Seet Eng já foi acusada de envolvimento em casos emblemáticos no futebol, como o 'Calcioscommesse', na Itália, ou o escândalo de Bochum, na Alemanha (com manipulação de jogos da Liga dos Campeões).

Máfia e companhiaCingapura é um lugar estratégico para onde as máfias chinesas migraram, "porque fala-se bem inglês, o idioma do futebol, e os cingapurianos sofrem menos controles nas fronteiras", explica à AFP Chris Eaton, ex-chefe de segurança da Fifa, e diretor de integridade no International Center for Sport Security (ICSS), uma ONG baseada no Catar.

Para corromper jogadores, as máfias precisam de parceiros nos locais onde ocorrem os campeonatos mais lucrativos.

A AFP teve acesso ao relatório do procurador de Cremona, na Itália, encarregado pelo caso 'Calcioscommesse', que aponta acordos da gangue de Dan Tan com o 'clã dos ciganos', nos balcãs, e o 'clã dos húngaros'.

A aliança foi selada em San Siro, durante uma partida de Liga dos Campeões entre Inter de Milão e Barcelona, em abril de 2010.

Com mais conhecimento sobre futebol europeu, os clãs funcionam como 'olheiros' da máfia asiática, que entra com o dinheiro.

Os 'runners' são enviados pelos chineses para cuidar dos fundos e recrutar intermediários para realizar os pagamentos. Cabe aos europeus recrutar os 'insiders', treinadores ou jogadores aposentados que servem de elo com os atletas.

No caso do tênis, a influência das máfias não é tão presente quanto no futebol ou no críquete.

O consultor Christian Kalba explica que as manipulações de resultados no tênis têm como origem "sindicatos de apostadores", que apostam juntos para aumentar os lucros, e, eventualmente, corromper tenistas.

Por muito tempo, os jogadores eram abordados "a moda antiga, no bar do hotel", lembra Kalb.

Nos últimos anos, porém, testemunhas relatam contatos mais sofisticados, através das redes sociais. Vários tenistas já disseram ter recebido mensagens via Facebook, com "pedidos de colaboração', ou até ameaças físicas contra eles mesmos ou suas famílias.

'Um pequeno gesto'"Primeiro, pedem para vocês fazer um 'pequeno gesto': levar um cartão amarelo, perder um game específico. Mas basta colocar um dedinho no esquema para se tornar um escravo do corruptor, que registrou tudo em vídeo, ou gravação de áudio", explica Christian Kalb, presidente da empresa Ethisport.

"Os corruptos são atletas frágeis, que têm um passivo: uma vez na vida, eles aceitaram manipular um resultado ou então se doparam, e os clãs sabem disso. Alguns aceitam até perder de propósito apenas para ganhar um upgrade numa passagem de avião, como já aconteceu com jovens tenistas de segunda categoria", revela o especialista.

No escândalo do tênis, que estourou na semana passada, a mídia britânica fala em montantes de no mínimo 50.000 dólares prometidos a jogadores que aceitariam manipular um jogo.

No 'Calcioscommesse', as 'tarifas' eram de 40.000 a 80.000 euros para uma partida de terceira divisão, e 250.000 a 400.000 euros para um jogo de Série A, segundo a procuradoria de Cremona.

A manipulação de uma partida de futebol custa de 2 a 5 milhões de euros, levando em conta a propina em si e os intermediários, para um lucro podendo chegar a 15 ou 20 milhões.

Muito mais do que no tráfico de drogas, com riscos bem menores. É muito complicado conseguir provas da culpabilidade dos envolvidos e a ausência de legislação específica nos países asiáticos dificulta ainda mais o trabalho das autoridades.