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Campeão sul-americano de boxe lamenta: "Já paguei para lutarem comigo"

31/08/2016 11h03

Natan Oliveira tem apenas 22 anos e é campeão sul-americano - Divulgação

Natan Coutinho tem apenas 22 anos e é campeão sul-americano – Jonathan Roberts Photografy

No momento em que o Brasil ainda celebra a conquista de Robson Conceição na Rio 2016, quando levou o ouro na categoria até 60 kg, o boxe profissional segue afundado em crise e enormes problemas para promover seus atletas. Natan Coutinho, campeão sul-americano super-mosca (50 kg), é mais um exemplo concreto do cenário atual do esporte no país.

Dono de um cartel com 13 vitórias (sendo dez por nocaute) e apenas uma derrota como profissional, o paulista revelou como foi o seu começo no boxe, quando chegou até a pagar para poder subir no ringue e lutar com outro adversário. Isso sem contar nas diversas vezes em que Natan se apresentou sem receber dinheiro algum e apenas para conseguir dar mais peso ao seu cartel.

“Está se pagando muito pouco no Brasil. Na minha primeira luta, eu paguei a bolsa do meu adversário. Eu tive que entrar em contato com o cara e perguntar: ‘Quanto você quer para bater na minha cara?”. Não paguei para ele perder para mim. Paguei para ele subir dentro do ringue para me bater. Depois disso, mandei alguns vídeos para algumas pessoas e fechei com meu empresário. Das minhas 14 lutas, pelo menos dez eu fiz de graça. Pelo menos, talvez até 11 de graça. Nas que o brasileiro ganha alguma coisa, não ganha nem um salário mínimo”, revelou o pugilista à Ag. Fight em um evento realizado pela Everlast, empresa que passou a patrociná-lo recentemente, e que foi aberto à imprensa, mas que teve pouca adesão de jornalistas.

“Hoje, o cara que quer te remunerar paga uma coisa ridícula para que você faça uma grande luta e o show dele apareça. Eu sou professor de educação física. Se me ligam e perguntam quanto é a aula eu falo que é tanto. Se querem me dar uma luta dura, então me paguem por uma luta dura. Não sou tão bobo quanto pareço. Se querem me pagar muito pouco, quero entrar no ringue para pegar um cara que vou nocautear em um minuto”, continuou o atleta de apenas 22 anos, mas que esbanja sinceridade e eloquência na hora de falar.

Mesmo sendo campeão sul-americano, Natan – como vários outros atletas no Brasil – ainda precisa dar aulas para poder continuar a lutar profissionalmente. Ainda assim, o paulista se considera um privilegiado por conseguir ter intervalos entre os períodos de trabalho para poder se dedicar ao treinamento. Ele enxerga em colegas de profissão uma realidade tão ou mais complicada do que a dele.

“Eu tenho sorte de conseguir me valer da minha faculdade e ter horários para treinar. Começo a dar aula 6h30 da manhã, paro umas 10h ou 11h, treino até 13h, vou para casa, dou uma dormida, começo a treinar de novo umas 16h e depois dou aula das 20h até meia noite. Então, para mim até que é tranquilo. Mas tem cara que trabalha 12h, que trabalha à noite. Como que um cara que trabalha à noite vai conseguir treinar? O boxe brasileiro está atrás, mas não é só isso. O que está por trás disso também. O governo também está muito atrás. Não é boxe olímpico, mas vai lá nos empresários e diz que pode abater tanto do imposto de renda se o cara apoiar aquele moleque”, afirmou.

Para Natan, o caminho para o desenvolvimento do esporte é simples e deve ser melhor compreendido por governo e empresas. Ele tem noção de que é um dos poucos pugilistas brasileiros que consegue treinar todos os dias e se manter ativo. E é isso que o enche de esperança para um futuro ainda mais promissor no boxe.

“Muita gente me pergunta quem é meu nutricionista, que tipo de luva que eu luto, que tipo de suplemento que eu uso… O cara quer tomar a mesma coisa que o ídolo ou o ícone dele usa. Falta essa base. Dar uma boa oportunidade para o cara treinar. Com certeza eu sou um dos poucos atletas que consegue treinar todos os dias. Eu treino de segunda a sábado, pelo menos 12 a 15 vezes na mesma semana. Talvez eu seja maluco com tudo isso e não vá para lugar nenhum, mas eu consigo me manter motivado”, disse Natan Coutinho, que depois aproveitou para refletir.

“É difícil, porque conheço caras muito mais talentosos do que eu, muito melhores do que eu, cara que vou treinar e ele me bate, mas ele não consegue ter a mesma vontade de estar lá todos os dias sem ter o apoio de alguém”.