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Rival de Mutante no UFC tem passado como traficante e 'mula'

Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Ag. Fight

16/11/2018 12h43

Histórias de superação são comuns no MMA. Mas, mesmo em meio a tantos casos de atletas que transformaram suas vidas por meio do esporte, o caso de Ian Heinisch é especial. O americano, que aceitou substituir Tom Breese e enfrentar Cezar 'Mutante' no UFC Buenos Aires com menos de dez dias de antecedência, revelou um passado obscuro: foi traficante de drogas, 'mula' de uma organização criminosa e viu a morte de perto na prisão.

Em um texto no site 'The Player's Tribune', que publica conteúdo produzido por atletas profissionais dos mais variados esportes, Heinisch contou como se deu sua iniciação no tráfico, momento em que seu nome "era mais provável que acabasse em uma lápide do que em um card preliminar" do UFC. Ian escreveu que, aos 19 anos, vendia drogas sintéticas em festas e havia deixado o vício "tomar conta". Até que foi preso.

"Minha mãe pagou a fiança no dia seguinte. Voltei ao condomínio em que eu morava. A polícia havia levado tudo. Pílulas. Dinheiro. Aquilo era tudo para mim. Era aquilo. 'Game over'. Três tapinhas. Eu sabia que eu estava encarando quatro a seis anos na prisão. Eu tinha 19 anos. Eu não ia fazer isso. Então, peguei meu passaporte e entrei em um Greyhound para dizer adeus ao lado da família de minha mãe. Eu estava voando para a Europa para salvar minha vida. Eu havia ouvido falar como era a prisão. Eu sabia que eu não duraria de quatro a seis anos lá. Não com a minha mente. Não com o meu temperamento", diz o texto.

Em Tenerife (ESP), onde foi parar naquela que, para a sua família, era uma viagem do tipo 'mochilão' - e não uma fuga das consequências da vida que levava nos Estados Unidos -, Ian trabalhou em um bar. O pagamento, segundo ele, era em drinks. Assim, voltou a flertar com a marginalidade, tornando-se alcoólatra e dormindo na praia. "Em noites frias, eu cavava um buraco para me esconder do frio", relatou.

Foi nessa situação que, de acordo com Ian, ele conheceu duas pessoas que lhe deram abrigo. Logo, porém, a dupla revelou suas intenções: pagá-lo para transportar drogas. Ele seria o que, no jargão policial, chama-se de 'mula'. Depois de passar no teste para exercer a atividade - que consistia em mostrar capacidade de engolir uvas inteiras -, começou a viajar.

"Você já engoliu 10 gramas de cocaína? Aquela m**** dói. Muito. Como tentar comer bolinhas de gude. Brutal. Mas eu fiquei muito bom naquilo. Dois anos depois, após cerca de uma dúzia de viagens para Bogotá , eu me tornei profissional., Às vezes, eu era colocado no raio-X de um aeroporto, para ver se havia algo questionável no meu estômago que a segurança não gostaria. Mas nosso sistema, o jeito com que enrolávamos nossas bolas de cocaína, era tão bom que eles nunca me pegariam. Eu só ria e seguia em frente. Eu estava ganhando dinheiro, em grande forma... A vida era boa. E isso era tudo o que eu tinha. Porque não havia outras opções para mim na minha vida. Eu era um alcoólatra que tinha dois amigos na vida", escreveu.

Em 2011, porém, um dos raios-X mostraram à segurança aeroportuária que havia drogas no estômago de Ian. Enquanto esperava seu julgamento, passou um ano na prisão. Treinava em todo tempo livre que tinha. E, segundo o lutador, era muito. No fim, o tribunal o sentenciou a três anos e meio de reclusão.

A realidade da prisão nas Ilhas Canárias, para onde foi levado, era bem diferente do que havia ouvido falar das penitenciárias dos Estados Unidos. De acordo com Heinisch, no complexo prisional espanhol, o objetivo é realmente reabilitar o preso e proporcionar condições para que, ao fim da pena, ele consiga trilhar uma vida longe do crime.

Lá, conta Ian, ele aprendeu espanhol, religião, filosofia e pôde acompanhar aulas dos mais diversos temas. Mas o que mais gostou foi a Lucha Canaria, uma espécie de wrestling praticado na região. Após ser transferido para Leon, também na Espanha, e de assinar um acordo de redução de pena em troca de não visitar a Europa por cinco anos, Ian teria estudado ainda mais: do kickboxing à Bíblia.

De acordo com o atleta, foi na prisão de Leon que ele recebeu o apelido que usa até hoje no UFC: 'The Hurricane'. As vitórias nos treinos e sparrings eram acompanhadas, segundo ele, de uma frase marcante: "Você acabou de perder para o futuro campeão do UFC".

Ao fim da pena na Europa, deportado aos Estados Unidos, Ian relata no texto que finalmente conheceu a realidade de Rikers, penitenciária tão temida por ele. "Deixe-me te contar como a m**** acontecia: basicamente, o guarda simplesmente jogava você aos tubarões. Eu estava no meio da ala, todos me encarando. Carne fresca. Eu falava espanhol muito bem, então alguns porto-riquenhos chegaram a mim. Conversamos um pouco. Diziam: 'Você é um lobo forte, Ian. Mas, aqui, os lobos solitários são comidos'", afirmou o texto do lutador.

Como conta Heinisch, não demorou para que ele brigasse com um outro prisioneiro e fosse jurado de morte para o dia seguinte. O hoje atleta do UFC, então, diz ter se preparado para ser assassinado, o que não aconteceu graças à inesperada intervenção de uma unidade de polícia dos Estados Unidos. Ian encerra o texto fazendo duras críticas ao sistema prisional americano e revelando um sonho pessoal.

"Não quero glorificar o fato de ter sido um criminoso. Isso não é sobre isso. Ou te dizer sobre quão durão eu fui. Também não é sobre isso. A coisa sobre grandes partes da minha história é que... Ela não é tão única. Há muitos jovens homens e mulheres como eu, presos no sistema criminal dos Estados Unidos. Eles vão para a prisão por um crime, tudo na vida deles fica de ponta-cabeça e, quando eles saem, eles logo voltam", publicou.

"Porque é isso que as prisões querem. É uma porta giratória. Uma máquina sem fim de fazer dinheiro. O sistema de prisões privatizadas é completamente inaceitável. As corporações que usam trabalho de prisioneiros, os políticos que moldam suas políticas em torno dos desejos de doadores de grandes fortunas que comandam prisões... Está tudo do avesso. Não se trata de reabilitação humana, mas de exploração e dinheiro. Um dos meus sonhos agora é abrir uma casa de recuperação, onde crianças menores do que uma idade específica podem vir se reabilitar. Um lugar onde possam ser curadas tanto fisicamente quanto mentalmente. Onde possam ser ensinadas por professores e técnicos sobre como encontrar propósito em suas vidas. A prisão significa que você não merece ser parte da sociedade. Mas isso não significa que você não seja humano", analisou, ao fim do texto.