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Sindicato global mira obras da Copa 2014 e defende possível greve geral

Da BBC Brasil

27/10/2011 10h42

Um sindicato global que coordenou uma série de greves e mobilizações em obras da última Copa do Mundo, na África do Sul, agora tenta articular sindicatos brasileiros para exigir maiores salários e melhores condições de trabalho na construção e reforma dos estádios nacionais que vão sediar o próximo evento, em 2014.

Segundo um representante da ICM (Internacional de Trabalhadores da Construção e Madeira), grupo que representa 12 milhões de trabalhadores mundo afora, a pressão para acelerar as obras da Copa no Brasil e condições inadequadas de trabalho estão sobrecarregando os operários, que em resposta poderão organizar uma greve geral no ano que vem, a exemplo do que ocorreu na véspera do Mundial na África do Sul.

"Se não houver uma negociação à altura de uma Copa do Mundo, que garanta aos trabalhadores condições dignas de trabalho, registro em carteira, uniformidade entre o que é pago numa cidade e em outra, é bem possível que ocorra (uma greve geral em 2012)", diz à BBC Brasil Maurício Rombaldi, membro da ICM e coordenador da Campanha por Trabalho Decente na Copa 2014.

Na África do Sul, uma campanha semelhante orquestrada pela ICM provocou 26 mobilizações e uma greve geral, que durou oito dias e paralisou 70 mil operários.

As ações geraram temores de que as obras não seriam concluídas a tempo, o que não ocorreu, e resultaram em aumento salarial de 12% para os trabalhadores sul-africanos, além de vários benefícios.

"Essa experiência gerou uma linha de atuação para grandes eventos esportivos e pode se estender também às Olimpíadas de 2016", diz Rombaldi.

Ano-chave

Segundo Rombaldi, 2012 será um ano-chave para as negociações entre sindicatos brasileiros e as empreiteiras com obras da Copa, já que muitas construções que mal começaram têm como prazo o fim daquele ano. Isso, diz ele, resultará numa "tremenda pressão sobre os trabalhadores".

"A Copa deve deixar um legado social, deve servir de exemplo. Lutamos para que os trabalhadores atuem em boas condições, estejam mais capacitados, tenham bons salários e capacidade de emprego após a Copa."

Para José Roberto Bernasconi, presidente do Sinaenco (sindicato que representa as empresas de arquitetura e engenharia consultiva), a escassez de mão de obra na construção civil deixa os operários em posição vantajosa na negociação com as empreiteiras. "Isso pode até nos incomodar, mas no fim das contas é justo e correto que seja assim."

Ele afirma, no entanto, que eventuais greves podem atrasar obras que estão com o cronograma apertado. "Quando o cronograma tem mais folga, fica mais fácil lidar com fatores imponderáveis [como problemas climáticos ou reivindicações trabalhistas]. Mas como não temos essa folga, o problema é muito maior."

Mobilizações

No Brasil, a ICM já se aproximou da maioria dos sindicatos envolvidos nas obras da Copa e apoiou dez greves e mobilizações ocorridas neste ano nos estádios Mané Garrincha (Brasília), Maracanã (Rio), Fonte Nova (Salvador), Castelão (Fortaleza), Arena Pantanal (Cuiabá) e Mineirão (Belo Horizonte).

A paralisação mais longa, no Maracanã, durou 19 dias. Os operários reivindicavam aumento do valor da cesta básica, plano de saúde individual, abono dos dias parados, segurança e melhoria da qualidade da comida.

Rombaldi diz que ainda que essas dez ações tenham resultado em ganhos para os trabalhadores, a pauta de demandas se renova constantemente, à medida que, por exemplo, ocorrem acidentes ou operários de algumas obras obtenham ganhos que outros não possuem.

Ele diz que há grande disparidade entre os benefícios concedidos nas obras de estádios em cidades grandes, como São Paulo, e em cidades menores, como Cuiabá.

Segundo Rombaldi, uma das principais atribuições da ICM é servir como fonte de dados aos sindicatos, deixando-os a par de outras negociações. "Difundimos informações para que os sindicatos trabalhem conjuntamente, para que saibam qual o limite que podem exigir".

Ele afirma que todos os sindicatos das cidades sede da Copa, além de outras organizações afiliadas da ICM, se reunirão em 17 e 18 de novembro para que atuem juntos nas negociações no ano que vem.

O encontro servirá para que os trabalhadores deliberem não só sobre a construção e reforma dos estádios, mas também sobre todas as obras de infraestrutura (como em aeroportos e corredores de ônibus) ligadas à Copa.

Salários
De acordo com Rombaldi, as construtoras estão pagando salários abaixo do mercado nas obras da Copa e há grande cobrança quanto à velocidade das construções. Ele ainda afirma que alguns alojamentos estão em péssimas condições.

"Os estádios são o grande chamariz da Copa e têm que ser exemplo de como se dão relações de trabalho. Se a situação é assim na Copa, quando há algum acompanhamento, imagine em obras menores de construção civil ou em hidrelétricas de difícil acesso."
Rombaldi afirma que a campanha pretende ir além da articulação com sindicatos e apoiar movimentos sociais em iniciativas contra remoções forçadas para obras da Copa.

Ele diz não temer as ameaças de que, caso as obras não avancem no ritmo previsto, o Brasil poderá perder o direito de sediar o evento.

"Existe pressão, a Fifa diz que pode tirar a Copa do Brasil, mas estamos falando de dignidade, de trabalho decente. Sem isso, não há justificativa para realizar uma Copa do Mundo."

Diálogo

Responsável ou corresponsável por obras em quatro estádios da Copa, a Odebrecht afirmou que mantém constante diálogo com sindicatos e que todas as condições de trabalho, incluindo os salários e situação de alojamentos, são objeto de acordos homologados pela Justiça Trabalhista.

"A intensificação do ritmo das obras, quando necessária, é feita em comum acordo com os sindicatos, mediante a contratação de mais trabalhadores, podendo chegar até a abertura de novos turnos de trabalho", diz a empresa.

A Andrade Gutierrez, que atua em quatro estádios, disse respeitar todas as determinações da legislação para contratação da mão de obra e os acordos sindicais.

A empresa diz ainda priorizar a qualificação e segurança dos trabalhadores, o respeito ao meio ambiente e o atendimento às leis vigentes.

A BBC Brasil também procurou a OAS e a Santa Bárbara (construtoras envolvidas na construção ou reforma de outros três estádios), mas elas não se manifestaram sobre as críticas.

Colaborou Paulo Cabral, da BBC em São Paulo