Topo

Tim Vickery: Protestos ofuscam verdadeiro problema de segurança na Copa

Tim Vickery

Do Rio de Janeiro para a BBC Brasil

27/02/2014 13h46

Um policial alemão com um longo passado pela Interpol, Ralf Mutschke, foi nomeado para ser Diretor de Segurança da Fifa quase dois anos atrás – o que agora pode parecer uma eternidade.

Ele foi contratado como um especialista em crime internacional com o principal objetivo de combater a manipulação de resultados. Em vez disso, as circunstâncias o obrigaram a se tornar um “expert” em protestos de rua.

Ele estava no Congresso Técnico da Fifa em Florianópolis, na semana passada, uma reunião com representantes de todas as 32 delegações da Copa do Mundo.

Mutschke e outros (representantes dos Ministérios da Justiça e da Defesa, além do Comitê Organizador Local) deram uma entrevista coletiva para falar sobre a questão da segurança – a entrevista foi completamente dominada por perguntas sobre as manifestações de junho e julho de 2013, na Copa das Confederações, e sobre a possibilidade de elas se repetirem um ano depois, agora no Mundial.

André Rodrigues, do Ministério da Justiça, acertou o tom na delicada tarefa que o governo brasileiro terá durante a Copa do Mundo. O direito de protestar é uma parte fundamental da democracia, ele disse, e as forças de segurança têm o dever de assegurar que as pessoas possam exercer esse direito de maneira pacífica. Ele falou da necessidade de separar a parcela principal dos manifestantes da minoria violenta – mais fácil falar do que fazer na confusão do momento, mas, de qualquer forma, um objetivo importante.

Poderia parecer que os eventos da Copa das Confederações no ano passado teriam dado às forças de segurança uma experiência considerável para lidar com esse tipo de situação. Estudos foram feitos, lições foram aprendidas, o treinamento melhorou e há melhorias também na coordenação de todos os esforços em todo o país – tudo isso conta como parte de um legado para a sociedade. Os métodos para controlar a multidão no Brasil podem ser muito primitivos, e a Copa do Mundo pode ajudar a melhorá-los.

Foi impressionante, no entanto, o quanto “segurança” e “protestos” viraram sinônimos no debate sobre a Copa do Mundo de 2014. E a mídia internacional parece propensa a acreditar nessa confusão. Porque as manifestações são tão fotogênicas – a imagem de um carro sendo incendiado é particularmente dramática – que um conceito errado acaba se disseminando; e então se passa a imagem de que a maior ameaça para aqueles que vierem para a Copa do Mundo será ter de passar por um protesto na rua. E isso simplesmente não é verdade.

Outras ameaças são mais preocupantes. Talvez não para os times e as delegações, que estarão cercados por uma gigantesca operação de segurança, mas com certeza para os torcedores comuns que estarão circulando pelo país. Porque o principal problema de segurança na Copa do Mundo de 2014 provavelmente será a violência avulsa de todos os dias que tanto atormenta a vida urbana no Brasil.

Falo por experiência própria. Durante a Copa das Confederações, eu passei uma semana em Salvador – minha primeira vez na cidade, e eu realmente estava curtindo bastante, até que à uma hora da tarde, um jovem rapaz sem muita graça passou em sua bicicleta com uma pistola na mão e decidiu limpar a minha carteira. Ele claramente tinha me visto sair do hotel, me seguiu por toda a praia enquanto eu andava em direção ao supermercado e me abordou em um lugar muito bem selecionado e isolado ao longo da orla.

O ponto aqui é que eu estava hospedado em um hotel três estrelas. A alguns quilômetros dali, na praia, havia outro cinco estrelas. Lá, uma notável operação de segurança estava acontecendo. Onde eu estava, não havia nenhuma. E existem duas razões para isso. Primeiro, a necessidade de proteger o estádio das manifestações sugou as forças de segurança – e eles não conseguiam mais proteger todos os lugares. E segundo porque é assim que as coisas são e sempre foram. Poder e riqueza trazem um nível de proteção que nem sempre se aplica ao resto de nós.

A preocupação para a Copa do Mundo é clara. Os preços exorbitantes dos hotéis vão fazer com que os torcedores fiquem fora das zonas comuns de turistas, já que eles vão buscar opções mais baratas de hospedagem. Eles vão acabar ficando em áreas com pouca segurança e proteção e podem viver situações como a que eu vivi em Salvador – e, sem experiência para lidar com o crime urbano no Brasil, eles podem ter reações de pânico que podem levar a consequência perigosas.

Esse tipo de situação vai inevitavelmente ser colocada como uma daquelas de brasileiros contra estrangeiros. Mas não é simples assim, apesar de os turistas serem particularmente vulneráveis a roubos na rua. Na verdade, isso é uma questão que atinge todo mundo que mora nas grandes cidades do Brasil.

Eu sofri dois assaltos a mão armada nos meus 20 anos no Brasil (uma vez no Rio muitos anos atrás, a outra foi essa em Salvador). Em nenhuma das ocasiões, os assaltantes sabiam – ou sequer estavam interessados em saber – que eu era um estrangeiro. Os dias passam e as principais vítimas desse tipo de crime são brasileiros e, em muitos casos, brasileiros de classe média-baixa. E poucas coisas podem ser tão socialmente destrutivas como a constante ameaça da violência urbana. Ela aumenta o nível de estresse, semeia desconfiança, acaba com o conceito de espaço público e age como um ciclo vicioso – o crime leva ao medo, que leva menos pessoas às ruas, que leva a mais crime, que leva a mais medo e assim por diante.

Infelizmente, em todo esse debate sobre como lidar com as manifestações não estou vendo nenhum foco na violência avulsa do dia-a-dia. Claramente, isso ainda é uma questão muito complexa, bem maior do que a da Copa do Mundo e bem maior do que o próprio conceito de segurança por si só. Um torneio de futebol que dura cinco semanas não vai resolver o problema. Mas se o senhor Mutschke realmente quiser proteger os torcedores em junho e julho, a concentração dele apenas em protestos e manifestações na rua será um grande erro.