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Lixo, móveis e até baleia morta atrapalham velejadores em evento para Rio-2016

Jefferson Puff

Da BBC Brasil

01/08/2014 16h59

A pouco menos de dois anos dos Jogos de 2016, o Rio de Janeiro se prepara para realizar o primeiro teste para o megaevento sob críticas e em meio ao polêmico programa de despoluição da Baía de Guanabara, cuja promessa era tratar 80% do esgoto lançado nas águas até o início da Olimpíada - algo sem data certa para ocorrer.

Após treinamentos ao longo da semana que antecedeu o evento, velejadores relataram à BBC Brasil que as condições nas águas ainda são muito ruins e que a sujeira traz uma série de problemas à realização das provas – desde ameaças de saúde até desvantagens na competição.

Eles treinavam para o Aquece Rio, entre 2 e 9 de agosto, competição internacional que reúne 320 velejadores de 34 países disputando, em 215 barcos, dez diferentes classes de vela.

"É pior do que eu pensava", disse o australiano Nathan Outteridge, de 28 anos, medalhista de ouro na Olimpíada de Londres. "Já encontramos um cachorro morto, uma mesa de jantar, e, claro, muitas sacolas plásticas. Elas ficam presas e param o barco, fazendo com que você fique em desvantagem em relação aos adversários".

A situação da Baía de Guanabara tem sido um dos pontos de atrito entre os organizadores e o Comitê Olímpico Internacional. Atrasos em algumas obras também preocupam, como a do Complexo de Deodoro, na zona norte do Rio.

O dossiê da candidatura olímpica prometia tratar 80% do esgoto despejado, ajudando o governo do Rio em seu plano de despoluição da Baía de Guanabara.

"É um projeto extremamente ambicioso e que envolve um conjunto de ações bastante complexo, vai levar muitos e muitos anos", disse à BBC Brasil Leonardo Gryner, diretor geral de operações do Comitê Organizador Rio-2016.

"Quando fizemos o dossiê (2009), algo por volta de 12% desse esgoto era tratado. Hoje, estamos em quase 50%, e o governo do Estado, que é o responsável pela obra, continua confiante de que, até 2016, 80% vai estar tratado. Nenhum momento falamos que não atingiríamos a meta."

"Ouvimos no noticiário, e realmente se fala muito sobre a sujeira, mas não achei que fosse tão ruim", falou o velejador Outteridge. "Os organizadores estão deixando claro que não vão alterar o local. Então vamos ter que dar um jeito. Vamos ter que lidar com isso".

Até baleia 

Para o brasileiro Marcos Grael, de 25 anos, filho do bicampeão olímpico de vela Torben Grael, o lixo e a sujeira são, de fato, um obstáculo.

"Você tem de desviar durante a competição, é claro que atrapalha. Não é bom. O barco não tem fluidez. É uma desvantagem para nós", diz ele, que afirma ter encontrado cachorros, ratos e gatos mortos nas águas.

"Até uma baleia morta a gente já viu".

Para ele, brasileiros que treinam na baía estão mais acostumados com as condições, mas estrangeiros podem estar mais suscetíveis a problemas de saúde.

"Já vi competidores estrangeiros aqui com um ralado, um machucado no braço, que infecciona e demora muito mais do que o normal para cicatrizar. É claro que a gente se pergunta. Tem uns que passam mal do estômago também. Pode ter a ver com a água", diz.

"A competição de vela na baía vai se dar em cinco raias. A Baía de Guanabara tem um canal profundo e largo e, por causa dele, tem um índice de renovação de água muito forte nessas regiões do canal. A água ali é extremamente limpa. Nas situações de fundo é que é bastante sujo. Das cinco raias, quatro são em cima do canal, ali você pode mergulhar, até engolir", explicou o diretor da Rio-2016, Leonardo Gryner.

Ele admite que a quinta raia é que traz riscos para os esportistas.

"É a que fica próxima à Marina da Glória. Lá, se a água respingar em você não tem problema, não dá doença, mas, se engolir, é problema. Está sendo feita uma obra que vai desviar o curso dessa água pluvial suja que vai ser levada para Ipanema e ser tratada antes de desembocar no mar. Essa obra vai ficar pronta no fim de 2015 e aí, em 2016, esse local vai ficar como as outras raias", diz.

Para as alemãs Annika Bochmann, de 23 anos, e Karoline Goltzer, de 19 anos, as sacolas plásticas são o principal problema.

Mas, apesar das críticas à baía, sobram elogios à cidade.

"Não é tão perigosa quanto pensávamos. É bem melhor do que ouvimos. Em questão de segurança, organização, serviços, não há do que reclamar. Talvez a comunicação. Quase ninguém fala inglês", diz Annika, acrescentando que a dupla de Berlim chegou a ver quatro golfinhos em frente à praia do Flamengo.

Críticas e oportunidade

Herdeiro de uma linhagem de velejadores brasileiros, Grael diz que houve tempo para limpar a baía. "Fizemos uma campanha forte, houve muitas reportagens, se falou muito. Pelo jeito não foi suficiente para alertar as autoridades, porque não cumpriram o que era para ser feito", avalia.

Para os organizadores, o evento que será iniciado no sábado é uma oportunidade de testar os melhores locais de prova dentro da baía.

"Será nosso primeiro evento-teste e cada um deles vai nos ajudar. Serão grandes oportunidades de testar operações, treinar a força de trabalho e adquirir experiência", diz Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Rio 2016.

Questionado sobre a situação daqui a dois anos, ele é objetivo. "Eu não tenho opção. O que eu vou fazer? Deram tanto foco para a baía, e o governo não fez sua parte. Agora temos que focar nos atletas, e como vamos lidar com isso", diz.

Apesar dos problemas, no entanto, o brasileiro diz que é uma vantagem competir em casa e perceber que, como anfitriões, os velejadores locais se transformam em pontos de referência.

"Meu pai fez cinco competições olímpicas e não teve uma oportunidade como essa, de competir em casa. Temos que aproveitar esse momento", diz.