Topo

Violência no futebol: debate sobre soluções tem 'jogo de empurra' e troca de acusações

Renata Mendonça

Da BBC Brasil em São Paulo

12/02/2015 20h21

O ano mal começou para o futebol brasileiro, mas já está marcado por episódios de violência entre torcedores. Foram duas mortes registradas, além de brigas espalhadas por todo o país – sete delas só no estado de São Paulo.

Enquanto alguns clubes jogam a responsabilidade do problema no Ministério Público, o MP põe a culpa nas torcidas organizadas que, por sua vez, repassam a bola à polícia e ao próprio ministério pela "falta de punição" aos envolvidos.

O problema é antigo, e, com o atual "jogo de empurra", muitos duvidam que haja uma solução definitiva para ele no Brasil. As medidas para solucioná-lo foram variadas até hoje: cadastramento de torcedores, proibição de torcidas organizadas nos estádios e torcida única para clássicos – alvo da grande polêmica que antecedeu o Palmeiras x Corinthians do último final de semana.

"O problema é que eles têm atacado pelo secundário, não pelo principal", disse à BBC Brasil o sociólogo e pesquisador de violência no futebol, Maurício Murad. "Tirar bandeirão, proibir organizadas, fazer torcida única não vai resolver. Precisa atacar o problema. Precisa ter um plano estratégico nacional para resolver isso, que reúna todas as entidades envolvidas."

O Ministério Público de São Paulo, que sugeriu a torcida única para o clássico paulista, reconhece que esta não é a solução para o problema da violência. Segundo o promotor Paulo Castilho, seria uma medida emergencial importante "para garantir a saúde e a integridade física dos torcedores".

Ideias

Murad acredita que a iniciativa para solucionar a questão deveria partir do próprio governo federal, com um plano nacional de ações debatidas entre o poder público, federações e clubes. "É como foi feito na Inglaterra, tem que partir de uma decisão interministerial."

O sociólogo defende ações em três frentes: repressão a curto prazo, prevenção a médio, e reeducação a longo.

"Precisa primeiro punir, acabar com a morosidade da Justiça, depois preparar a polícia para lidar com multidões e aí fazer a reeducação pedagógica do torcedor. Falta vontade política pra resolver", diz. Murad vê também necessidade de mudança na segurança dos estádios - dentro ficariam os agentes privados, e fora, a polícia militar.

O Ministro do Esporte, George Hilton, recebeu nesta semana um estudo feito em 2006 sobre violência no futebol. Ele afirmou nesta quinta-feira que a pasta formará um grupo junto com Ministério de Justiça, torcidas organizadas e clubes para debater novas soluções.

Do lado do Ministério Público, o promotor Castilho concorda com Hilton e reitera que a situação da violência no futebol brasileiro "chegou ao limite".

"A solução passa por medidas mais sérias e complexas. Como a formação de um grupo com representantes da assembleia legislativa, do poder judiciário, Ministério Público, federações, clubes, para que a gente repense as ações. Precisamos de todas as autoridades juntas para tomar as medidas necessárias", disse, sem especificar quais medidas seriam tomadas por tal "grupo".

"Além disso, melhorar o controle de acesso ao estádio com biometria, identificação digital e facial, e fiscalizar de perto as torcidas organizadas."

Castilho também defende a criação de uma lei específica para crimes de futebol e uma delegacia especializada só para tratar esses casos – a "delegacia do futebol" já existe em São Paulo, mas nem todos os casos têm sido direcionados a ela.

Na ideia do promotor, pessoas que se envolvem em brigas de torcida na rua - como os mais de 40 corintianos que agrediram quatro são-paulinos no metrô, no último sábado - poderiam ser encaminhados para uma delegacia que só cuida de casos desse tipo e seriam enquadrados e julgados de acordo com essa lei específica. Funcionaria da mesma maneira como a lei Maria da Penha e a delegacia da mulher, que só atende casos relacionados a elas.

Impunidade

Enquanto as torcidas brigam de um lado, clubes e Ministério Público também custam a se entender. No caso de São Paulo, que ficou mais evidente pela polêmica da última semana, envolvendo Palmeiras e Corinthians, o então presidente do clube alvinegro, Mario Gobbi, chegou a cobrar uma postura mais dura do órgão de Justiça.

"Quem tem competência de fiscalizar as torcidas organizadas é o Ministério Público, não os dirigentes de clubes", disse em entrevista coletiva.

Até pouco tempo atrás, era comum os clubes financiarem ingressos e ônibus para as torcidas organizadas. Mas episódios de violência fizeram alguns deles cortarem relações com os grupos – Cruzeiro, Sport e Palmeiras, por exemplo.

Castilho vê de outra forma. "O Estado nunca deixou de reprimir, faz inquérito, pede prisão, tem alguns condenados, mas isso não está sendo suficiente. A infiltração da torcida organizada está sendo maior", disse. "A torcida organizada está ganhando poder, ela se impõe pela força e está fazendo mal para o futebol."

Outro lado

Já as organizadas reclamam de sempre serem responsabilizadas por um problema que transcende as arquibancadas. "Não existe violência no futebol, existe violência", diz André Azevedo, presidente da Dragões da Real, organizada do São Paulo.

Azevedo é um dos criadores de uma iniciativa "revolucionária" que tem como objetivo estabelecer um diálogo entre as torcidas organizadas. A Anatorg, Associação Nacional dos Torcedores Organizados, foi fundada em dezembro de 2014 e já conta com a adesão de cerca de 100 torcidas por todo o país.

"Ninguém nunca nos ouve. Nós criamos a associação para conscientizar as torcidas organizadas de que elas precisam dialogar, porque senão todas vão fechar", afirmou à BBC Brasil.

A associação já conseguiu promover reuniões entre torcidas rivais em Minas Gerais e agora fará o encontro no fim deste mês dos torcedores envolvidos na briga entre Atlético-PR e Vasco, que chocou o país em 2013.

André pontua que as organizadas não têm como controlar a atitude de todos os membros delas e cobra do poder público punições aos responsáveis por atos de violência. "As organizadas já fazem a sua parte. Nós alertamos sobre brigas, falta eles irem lá e punirem." Ele explica que um 'código de conduta' entre torcidas impede que haja delação de membros para a polícia. "A gente não precisa denunciar, eles sabem quem são".

"Hoje, a gente vive em um Big Brother, tem imagens de tudo, é só ir lá e punir. Mas quando os corintianos agrediram os são-paulinos no metrô, o que aconteceu com eles? Foram para a delegacia e já estão soltos."

Soluções

Banir as organizadas foi uma medida já implantada nos estádios em Pernambuco há exatamente um ano. As ocorrências de violência, porém, seguiram acontecendo – a última delas foi registrada há duas semanas, antes do clássico entre Sport e Santa Cruz.

"Ainda não solucionou. Houve uma diminuição, mas fora do campo de jogo ainda acontecem atos de vandalismo. Cabe ao poder público promover medidas mais efetivas pra isso ser coibido", afirmou Sid Vasconcelos, diretor de marketing do Sport.

Solução radical, o fim das torcidas organizadas não é o caminho na opinião de Maurício Murad. O sociólogo fez uma longa pesquisa nos últimos anos e chegou à conclusão de que apenas de 5% a 7% dos membros desses grupos são "bandidos" que cometem delitos e, por isso, não seria justo punir a maioria por causa dos atos de uma minoria.

"Acabar com organizadas é deixá-las agir na ilegalidade. Se expulsar, eles voltam com mais violência."

Murad sugere uma medida que acredita ser mais eficaz. "Sou a favor de criar um disque-denúncia só para esses delitos relacionados ao futebol."

"Nas UPPs do Rio, 70% das prisões ocorreram pelo disque-denúncia, ele é uma arma muito forte", pontuou. O Ministro do Esporte, George Hilton, já citou essa como uma das possíveis medidas adotadas.