Topo

Mais que um clube? Como o referendo deixou o Barcelona em uma encruzilhada

Camp Nou vazio para jogo contra o Las Palmas no dia do referendo - AFP PHOTO / JOSE JORDAN
Camp Nou vazio para jogo contra o Las Palmas no dia do referendo Imagem: AFP PHOTO / JOSE JORDAN

JM Pinochet

BBC Sport

02/10/2017 19h15

O lema do Barcelona Futebol Clube, "mais que um clube", ficou sob escrutínio depois da controversa partida disputada sem público, com o estádio Camp Nou completamente vazio, no domingo - mesmo dia do referendo sobre a independência da Catalunha.

Houve horas de confusão quanto ao fato do Barça sair de fato a campo para jogar contra a União Esportiva de Las Palmas, que bordou a bandeira espanhola nos uniformes de seus jogadores para a ocasião.

Nos vestiários repercutiam as imagens de violência da Guarda Civil, enviada às ruas pelo governo de Madri para tentar impedir a votação convocada pela classe política catalã.

Muitos dos jogadores que apoiaram a consulta e votaram não queriam jogar. Eles consideravam que o futebol passou a um segundo plano diante de um dia tão crucial para o futuro do país.

Inicialmente o jogo, pelo Campeonato Espanhol, foi suspenso, mas logo acabou retomado - e o Barcelona ganhou por 3 a 0.

Mas não foi o resultado que repercutiu, e sim o silêncio em um cenário que durante anos serviu de plataforma de expressão ao povo catalão e a seu idioma.

Controvérsia

A decisão de disputar o jogo sem público pode ter ajudado o clube a mostrar o sofrimento da Catalunha, nas palavras do presidente do clube, Josep Maria Bartomeu.

Mas o vice-presidente do time, Carles Vilarrubí, e o dirigente Jordi Monés admitiram que as consequências esportivas - a possível perda de seis pontos - pesaram mais para o time do que seu compromisso social e com o povo.

Vilarrubí costumava dizer que, "embora não seja um ator político, o time compartilha o DNA da nação da Catalunha". Ele defendia que "o Barça sempre estará ao lado do povo catalão e de seus sócios, que são seus proprietários".

"Nunca abandonaremos isso", assegurava, até os eventos de domingo.

"Em um dia triste, o Camp Nou - lugar que tantas vezes foi um templo da cidadania - viu como a direção do Barça não encontrou coragem para não jogar com o Las Palmas. Justo em um dia em que tantos torcedores e sócios com a camiseta do time recebiam cacetadas (da polícia)", escreveu o jornalista Toni Padilla, do jornal catalão Ara.

"O clube vai priorizar o bolso em vez de seus valores e deixará de ser mais que um time", afirmou. "O Barça continua um dos melhores clubes do mundo. Rico, grande, vencedor. Mas apenas um clube, um como todos os outros."

Com o mesmo tom, o jornal Marca disse que "não há quem aplauda" a atitude do clube. "Traiu seus ideais", afirmou.

Dentro ou fora

Antes do referendo, o Barcelona havia emitido um comunicado em que se afirmava "fiel a seu compromisso histórico com a defesa do país, da democracia, da liberdade de expressão e do direito de decidir". E afirmava que seguiria "apoiando a vontade da maioria do povo da Catalunha, expressada sempre de uma forma cívica, pacífica e exemplar".

Resta ver qual será o caminho que o time tomará a partir dos resultados do referendo - onde mais de 90% dos que votaram apoiaram a independência - e da postura do governo catalão de seguir adiante ou não com o processo de independência.

É uma encruzilhada na qual está em jogo o futuro da Catalunha e de sua instituição com maior projeção internacional.

Pelo que aconteceu no domingo, o Barcelona não pode se dar ao luxo de se isolar do que se passa ao seu redor. Diante do cenário hipotético da Catalunha se tornar independente, o primeiro problema que o time terá que resolver é em qual liga de futebol vai jogar.

Se permanecesse na Liga (primeira divisão do futebol espanhol), garantiria um benefício econômico a todos e asseguraria clássicos como as partidas com o Real Madri.

Mas não existe nenhuma indicação de que o time seria recebido com braços abertos na Espanha, o que tem levado o clube a buscar outras opções e citar casos parecidos no futebol internacional.

Um dos principais é o caso do Mônaco, que joga na liga francesa apesar de ser de um Estado independente.

Mas a diferença é que o principado não tem uma seleção nacional - é mais uma cidade-estado do que um país.

Também há os clubes galeses Swansea e Cardiff, que participam do campeonato inglês.

"No caso de independência, as equipes catalãs que estão na Liga - Barcelona, Espanyol e Girona - teriam que decidir onde querem jogar", disse Gerard Figueras, diretor-geral de Esportes do governo catalão.

"Jogar na Espanha pode ser complicado, mas há a alternativa de jogar em países vizinhos: Itália, França ou Inglaterra", disse a publicação SportBible.

Questionado a respeito do assunto, o técnico do time Arsenal, Arsene Wenger, brincou que teria que aprender catalão. Depois, disse que seria uma ideia interessante, porque o Barcelona "é uma instituição que tem impacto no esporte".

Também existe a possibilidade de formação de uma superliga europeia, uma opção buscada há tempos por alguns dos principais clubes do continente.

No entanto, a única alternativa viável no momento é que a Catalunha organize sua própria liga, e que o Barça, como seu clube mais representativo, faça parte dela.

O risco é que, tratando-se de um campeonato mais fraco, o poder econômico e esportivo do clube seja afetado. E que se torne um ator secundário nas competições europeias - destino de grandes times do passado, como o Estrella Roja, de Belgrado, e o Dínamo, de Zagreb, depois da separação da Sérvia e da Croácia.