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As melhores velejadoras do mundo são brasileiras e brigonas

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

19/11/2014 06h00

Atleta é competitivo por natureza. Coloque dois em um espaço pequeno, faça com que o bom desempenho de um dependa do acerto do outro e, pronto: receita para brigas. A parceria de maior sucesso do esporte brasileiro atualmente é mais ou menos assim. Sem fugir das brigas uma com a outra, Martine Grael e Kahena Kunze se transformaram nas melhores velejadores do planeta.

“Eu tenho muita dificuldade com a derrota, de lidar com os erros. E, em um barco, são duas pessoas. Então, volta e meia você briga, discute. Ou melhor: não é briga. É uma relação de muitos altos e baixos. Eu ainda estou aprendendo a lidar com isso”, admite Martine.

Dona de um gênio forte, ela é a timoneira da dupla que conquistou nove dos 17 campeonatos disputados desde 2013 na classe 49erFX, que vai estrear nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016 – nenhuma outra velejadora foi tão dominante quanto as duas brasileiras nas últimas temporadas.

Kahena costuma aceitar as sugestões da parceira. Fruto da amizade que começou aos 12 anos, quando as duas eram rivais na classe Optimist, a escola da vela. “A Martine é uma pessoa muito dura. É difícil fazer com que ela mude de ideia. Por isso, na maioria das vezes, eu acabo cedendo”, admite.

Às vezes, porém, as duas fazem questão de colocar seu ponto de vista em discussão. A gritaria é grande. “Nós duas somos muito competitivas, não acertamos sempre e, algumas vezes, rola um stress. Mas a gente se conhece há tempo demais para deixar isso interferir na nossa relação. Quando a gente sai da água, tudo acaba”, completa a proeira.

Foi essa amizade que fez Martine encerrar a parceria com uma medalhista olímpica. Sua primeira campanha olímpica foi feita ao lado de Isabel Swan, bronze em Pequim-2008 na classe 470. Elas acabaram atrás de Fernanda Oliveira e Ana Barbachan na seletiva brasileira para Londres-2012.

A parceria, porém, já tinha fim decidido. “Quando anunciaram a nova classe, a 49erFX, eu e a Bel fizemos alguns treinos. Neles, percebi que precisava de alguém muito sensível para velejar comigo. É um barco técnico, em que qualquer movimento altera a velocidade. E eu sabia que a Kahena tinha um toque muito bom. Foi um tiro no escuro, não tinha ideia de como iria acontecer. Mas a parceria acabou funcionando”, explica Martine.

Pode ter sido uma aposta de risco para Martine. Mas tinha tudo para funcionar. Mesmo brigonas, as duas tinham tudo para se dar bem na água. Kahena aprendeu a velejar na Guarapiranga, em São Paulo, por influência da família. O pai, Claudio, foi campeão mundial da classe Pinguim em 1973.

Quando a família mudou para o Rio, a aproximação com os Grael era questão de tempo. Martine é filha de Torben Grael, bicampeão olímpico e campeão da regata de volta ao mundo. Aprendeu a velejar com sua mãe, Andrea, que também é uma velejadora cheia de títulos – é sobrinha, também, de Lars, medalhista olímpico.